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O sujeito e as relações de poder na concepção de Foucault: a gênese social

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AS RELAÇÕES DE PODER NA UNIVERSIDADE BRASILEIRA:

2.3. O sujeito e as relações de poder na concepção de Foucault: a gênese social

Filósofo francês contemporâneo, Foucault (1926-1984) se destacou no cenário mundial não só pela obra, mas também pelo ato de insurgir-se pública e enfaticamente, contra as posições de apoio do governo francês à represssão que a União Soviética fazia ao movimento Solidariedade, na Polônia nos anos 70. Segundo Veiga Neto (2004, p.17-18), sua filosofia pode auxiliar na compreensão da “[...] escola como uma eficiente dobradiça capaz de articular os poderes que aí circulam com os saberes que a enformam e aí se ensinam, sejam eles pedagógicos ou não”. Por isso, acrescenta Veiga Neto (idem), é no estudo da obra do filósofo francês que se pode buscar algumas maneiras produtivas de pensar o presente, bem como novas e poderosas ferramentas para tentar mudar o que se considera ser necessário mudar.

Foi ele quem melhor demonstrou como as práticas sociais do poder institucionalizado e os saberes produzidos por essas relações de poder vêm funcionando nos últimos quatro séculos para fabricar a Modernidade e o assim chamado sujeito moderno.

Assim, para este filósofo, o “sujeito” ocupa um papel importante nas relações de poder, uma vez que é sujeito e objeto de conhecimento. Quando considera o indivíduo como resultado de uma produção de sentido, de uma prática discursiva e de intervenções de poder, Foucault (2001) discute-o, enquanto sujeito e objeto do conhecimento, por meio de três procedimentos em domínios diferentes: a arqueologia, a genealogia e a ética. Porém, o tema principal de seus estudos e escritos foi as relações de saber e de poder nas prisões e nas clínicas de recuperação.

A filosofia de Foucault (apud VEIGA-NETO 2004, p.132) teve pois, como objetivo principal “[...] criar uma história dos diferentes modos pelos quais, em nossa cultura, os seres humanos tornam-se sujeitos”. A partir desses estudos, o filósofo francês despede-se da noção moderna e iluminista de sujeito e busca demonstrar de quais maneiras esse sujeito se institui.

Antes, é preciso buscar o significado semântico do termo para entender, na sua gênese, o sentido da palavra sujeito que significa: - “Súdito. Escravizado, cativo. Obrigado, constrangido, adstrito. Que se sujeita à vontade dos outros. Obediente, dócil. Dependente, submetido. Exposto, passível” (FERREIRA, 1998, p.616). São esses, basicamente, os significados trazidos pelo dicionário no que se refere ao sujeito. Em todos eles, expressa-se o sentido atribuído filosoficamente por Foucault (apud VEIGA-NETO, 2004, p.136) para quem: “o sujeito [assujeitado] é aquele preso a alguém ou aquele preso a si mesmo por uma consciência ou autoconhecimento”. O que se pode concluir é que o termo traz em si o significado de dependência, seja ela, na forma social ou na individual.

Tal como Foucault (apud VEIGA-NETO, 2004, p.136) denominou, são “três os modos que transformaram os seres humanos em sujeitos: a objetivação no campo dos saberes – o sujeito como objeto do discurso produzindo-o ou aceitando-o -, a objetivação nas práticas – ou o sujeito produz o discurso do poder que divide e classifica ou se assujeita a ele - e a subjetivação do indivíduo que trabalha e pensa em si mesmo”. Veiga-Neto (2004, p.136), explica que “[...] nos tornamos sujeitos pelos modos de investigação, pelas práticas divisórias e pelos modos de transformação que os outros aplicam e que nós aplicamos sobre nós mesmos”.

Esses três sentidos atribuídos ao sujeito por Foucault revelam no sujeito mesmo, o ser contraditório e inusitado enquanto entidade ontológica o que possibilita descobrir a gênese social no ser humano. Essa concepção de sujeito demonstra que, antes de conhecer naturalmente o ser que “está aí”, é preciso saber como se forma este sujeito que “está aí”. Dessa colocação de Foucault (2004) derivam duas questões a serem discutidas na análise do sujeito.

A primeira se refere ao significado da dependência do sujeito no sentido social, isto é, aquele que está preso a alguém pela articulação entre o poder e o saber, sobre o que, Veiga Neto (2004, p.139) esclarece com exemplo da escola:

[...] a escola foi a instituição moderna mais poderosa, ampla, disseminada e minuciosa a proceder uma íntima articulação entre o poder e o saber, de modo a fazer dos saberes a correia transmissora e legitimadora dos poderes que estão ativos nas sociedades modernas e que instituíram e continuam instituindo o sujeito. Nesse caso, o sujeito instituído pela escola é um sujeito assujeitado com legitimidade, por um saber que é posto como verdadeiro e próprio de uma sociedade melhor. Ou seja, o saber tido como o do pensamento superior capaz de conduzir o indivíduo a uma situação de vida melhor.

A segunda questão, advinda da primeira, diz respeito à idéia de que o sujeito possuidor de uma “consciência” ou “autoconhecimento” pode ficar preso a si mesmo. Assim, a dependência estaria ligada a uma consciência que é objeto de um conhecimento dado como verdadeiro e absoluto do qual o sujeito se faz assujeitado, porque nele constrói sua subjetivação, ou seja, a formação da individualidade assujeitada.

Tanto na primeira, quanto na segunda questão, que se propõe pedagógica, deve-se buscar na reflexão, no questionamento avaliativo, o conhecimento do ser humano na sua formação individual e social. Para Foucault (2004), o ser humano é, concomitantemente, sujeito e objeto do conhecimento, portanto, resultado de uma produção de sentido da prática discursiva e das intervenções de poder. Ser “assujeitado” que é, se vê cercado e envolvido pelos mais diferentes mecanismos do poder constituído, tal como Veiga-Neto (2004, p. 138) descreve:

[...] as muitas práticas discursivas e não discursivas, os variados saberes, que, uma vez descritos e problematizados, poderão revelar quem é esse sujeito, como ele chegou a ser o que dizemos que ele é e como se engendrou historicamente tudo isso que dizemos dele. [...], é preciso deslocar as análises para o plano das relações de poder e de saber em cada momento histórico e em cada espaço social específico. Logo, propiciar ao sujeito a possibilidade de se analisar na sua gênese social, isto é, nas suas relações de poder e de saber em cada tempo e em cada campo social, significa dar- lhe a oportunidade de conhecer-se nos domínios da sua cultura, da sua procedência e da ética social, como recurso para construir-se indivíduo crítico, questionador, observador e avaliador.

Talvez com essa função, de formação da consciência crítica, a universidade contemporânea precise criar procedimentos constitutivos da prática discursiva e, portanto,

reflexiva que propiciem o saber teórico-prático necessário às possibilidades de lutas exigidas pela contemporaneidade.

Por isso, entende-se que o sujeito contemporâneo deve ser o sujeito da reflexibilidade, já que busca entender sua fragilidade diante das forças de poder que o controlam. Além disso, apresenta-se como o sujeito do conhecimento que se autodestrói quando constituído por uma consciência de suposta auto-suficiência, porque diante das forças vorazes do poder capitalista, transforma-se em sujeito da indeterminação, ou no sujeito dos arranjos móveis dos sistemas.

No ambiente da universidade, esse poder disciplinador ajuda, assim, a entender o que Foucault (2001, p.188) diz sobre as relações dos sujeitos disciplinados e disciplinadores, “[...] sem necessitar de violências físicas e coações materiais [...]”, ou seja, de forma muito sutil e dissimulada, as instituições do Estado mantêm a ordem, e nela, o poder atua na formação do saber, no controle do espaço e do tempo, dos corpos e dos discursos. Assim, a organização institucional do conhecimento age em todos os processos e em todas as instâncias para nomear e hierarquizar os autores com direitos de elaborar discursos e deles usufruir.

Neste ponto, concorda Bourdieu (1989) quando trabalha a reprodução das forças de poder na instituição de ensino, com base na idéia de que o sujeito fragilizado, dócil e controlado não tem condições suficientes para a recusa dos dogmatismos, das verdades absolutas, superar o pensamento e as estruturas disciplinares e, assim, questionar suas bases.

A universidade enquanto lócus do pensamento superior deverá encaminhar iniciativas no sentido de construir o caminho mais justo para as lutas e para abrir suas próprias possibilidades de sustentação no mundo contemporâneo.

Concluindo, o que se pode afirmar é que tanto o pensamento de Bourdieu (2005) como o de Foucault (2001) sobre o sujeito construído pela modernidade ajudam na análise da realidade contemporânea, bem como a das ações e das reações do homem atual, apontando suas contradições. No Brasil, essa possibilidade está aberta para as universidades como espaço de luta, de conflito e de troca de experiências que possibilitem a emergência de novas forças para o contraponto entre dominados e dominadores.

Para o estudo da avaliação institucional a contribuição filosófica de Foucault pode abrir possibilidades de questionamentos sobre essa neurose avaliativa que tomou corpo como poder institucional (de Estado) e desacomodar as verdades absolutas até então, postas por ele, como únicas. Seria esse o caminho para se refletir mais sobre os objetivos da avaliação como processo de medida ou seria a emergência de outras formas de poder? Pensamos que sim já que Foucault nos ajuda a questionar o que está ai.

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