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O Superendividamento e o Projeto de Lei do Senado Federal nº283/2012

2 A SOCIEDADE DO CRÉDITO AO CONSUMO E O DESAFIO GLOBAL DO

2.3 O Superendividamento e o Projeto de Lei do Senado Federal nº283/2012

O fenômeno do superendividamento é um fato grave que deve ser tratado com cautela pelo poder público, criando um conjunto de regras e deveres que buscam a boa-fé, o conhecimento e o entendimento sobre como evitar que inúmeros consumidores venham a ser excluídos da sociedade.

Existem diversos modelos de falência que podem auxiliar o consumidor a reabilitar-se financeiramente, porém não existe um consenso quanto ao modelo ideal. Com a democratização do crédito, deve existir uma saída para que os consumidores venham a sair da situação de endividamento excessivo.

A democratização do crédito ao consumo surgiu após a criação do Código de Defesa do Consumidor de 1990, de tal forma que antes desse período o superendividamento não era tratado com importância e preocupação, ou pior ainda, era praticamente um fenômeno desconhecido nacionalmente. Com a liberalização do crédito, muitas pessoas foram atingidas, principalmente aquelas que não possuem qualquer tipo de escolaridade ou educação

financeira. Deste modo, deve ser feita uma discussão acerca da prevenção e o tratamento do superendividamento de forma que seja permitido reorganizar a vida financeira do devedor.

O Senado Federal, por meio de uma Comissão de Juristas, apresentou o Projeto de Lei 283/2012, com o objetivo de aperfeiçoar o oferecimento de crédito ao consumidor e dispor de normas de regulação e prevenção do superendividamento. De acordo com a Ementa do Projeto de Lei 283 do Senado Federal, o mesmo não criou um sistema próprio de falência, porém procura proteger o consumidor pessoa física, garantindo o mínimo existencial e a dignidade da pessoa humana.

No ordenamento jurídico brasileiro ainda existem lacunas quanto as possíveis soluções para o superendividamento. No entanto, importante reconhecer que as causas do superendividamento nem sempre são aquelas decorrentes de cláusulas abusivas ou ainda a cobrança de juros altíssimos. O consumidor endividado também pode estar em situação de impossibilidade de adimplir com suas dívidas na forma e tempo previsto em decorrência de situações que acabam por se fazerem presentes, porém indesejadas.

Diante do exposto, Lima (2014, p. 137) nos apresenta o seguinte:

Uma das finalidades principais do tratamento do superendividamento é reabilitar economicamente o consumidor, encorajando-o a tornar-se produtivo, a participar do mercado de consumo, contraindo novos créditos, desde que adequados a sua capacidade de reembolso. A melhor distribuição dos pagamentos aos credores é uma consequência, mas não costuma ser o primeiro objetivo da falência das pessoas físicas que se relaciona mais com a preocupação humana de aliviar os problemas financeiros e sociais decorrentes do endividamento excessivo.

Para evitar o abuso do sistema de falência, necessário ter presente o requisito da boa-fé do consumidor, ou seja, a falência deverá ajudar somente aqueles devedores que são característicos de honestidade e/ou são atingidos pelo fracasso. As dificuldades financeiras podem ocorrer por diversas situações, principalmente quando existem circunstâncias em que os consumidores estão impossibilitados de fazerem uma avaliação correta sobre a sua capacidade de pagamento de certa quantia devida e pela contratação de crédito de forma abusiva. Assim sendo, não estaria errado afirmar que tais situações também encaixam esses

devedores como pessoas de boa-fé, ou seja, consumidores que acreditam agir com lealdade e sem qualquer intenção desonesta.

É nesse sentido que Lima (2014, p. 145) explica o que é um devedor alvo do mercado de crédito:

A ideia do devedor irresponsável ignora as causas externas do problema e a realidade do mercado de crédito atual, em que a indústria oferece instrumentos de crédito por meio de poderoso marketing, tendo como alvo consumidores idosos, consumidores de baixa renda e, inclusive os que já estão negativados, ou seja, cadastrados em banco de dados por inadimplemento de dívidas que não conseguiram quitar.

A realidade desses consumidores alvos do mercado de crédito revela-se pelo fato de que são pressionados pela necessidade de aumentar a rentabilidade, mesmo que de forma momentânea, e pelo incentivo, por meio da publicidade, de contratarem empréstimos que acabam por comprometer o equilíbrio financeiro, ao contrário de auxiliar no âmbito econômico familiar. Os analfabetos, pessoas que também não são capazes de analisar os riscos que da contratação do crédito e incapazes de compreender as obrigações de um contrato, acabam sendo pressionadas pela sociedade a consumir de forma imediata e pagar pelo consumo depois de certo tempo, se caso vier a ter renda suficiente para cumprir com a obrigação.

Consumir produtos e serviços, necessários ou supérfluos, faz parte da vida dos consumidores e é causa que pode resultar um futuro endividamento, não tem como negar. A democratização do crédito trouxe consigo a concessão irresponsável de crédito, tais como empréstimos e financiamentos, fazendo com que muitos consumidores fiquem em situações de dificuldades de conseguir adimplir com essas obrigações em virtude da grande demanda. É necessário buscar e desenvolver métodos urgentes, por meio de políticas públicas, que venham a prevenir o superendividamento.

O Projeto de Lei 283/2012 pode ser um dos caminhos a seguir para o auxílio da regulação do superendividamento, pois visa alterar o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e o art. 96 do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento.

A educação financeira e ambiental dos consumidores está inserida no art. 4º, inciso IX, do CDC, tendo como função o aprendizado sobre o sistema financeiro pessoal, uma vez que tais princípios são poucos habituais para a sociedade. A necessidade dessas políticas públicas fará com que os cidadãos aprendam a ter conhecimento sobre os custos do crédito e discutir sobre sua escolha diante de uma situação como essa.

No art. 5º do CDC foram inseridos dois incisos (VI e VII) que pretendem instituir de “mecanismos de prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e de proteção do consumidor pessoal natural” por meio da criação de “núcleos de conciliação e mediação de conflitos oriundos de superendividamento”. Sobre os direitos básicos do consumidor, de que trata o art. 6º, foram acrescidos três incisos, os quais garantem o crédito responsável, a educação financeira, prevenção e tratamento do superendividamento, visando sempre preservar o mínimo existencial, como ainda, informações sobre o preço dos produtos por unidade de medida.

O art. 37, § 2º, incisos I e II, do mesmo projeto, veda a publicidade abusiva, caracterizando as condutas proibidas no que tange ao assunto, como aquelas que incitam algum tipo de sentimento ou que invocam de forma imperativa ao consumo, protegendo principalmente a criança e o adolescente. Essas disposições são necessárias uma vez que é evidente que os fornecedores usam de estratégias de induzimento ao consumo, que afetam principalmente aquelas pessoas em extremo estado de vulnerabilidade, tal como dispõe o art. 54, inciso IV, o qual afirma de forma expressa a vedação do assédio ou pressionamento do consumidor para contratar algum tipo de produto ou serviço, por qualquer meio de informação, principalmente ao se tratar de pessoas em estado de vulnerabilidade agravada.

O mesmo dispositivo amplia sobre as nulidades contratuais em seu art. 51, tais como limitar o acesso ao Poder Judiciário, embaraçam a impenhorabilidade de bem de família do consumidor ou do fiador, estabelecimento de prazos de carência em caso de descumprimento do pagamento de prestações, considerar o silêncio do consumidor como aceitação de valores cobrados e, regula também sobre a aplicação da lei estrangeira ao consumidor domiciliado no Brasil.

Os artigos 54-A ao 54-G do projeto de lei trata sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento de pessoa física, disponibilizando sobre o crédito responsável e a educação financeira do consumidor. No § 1º do art. 54-A temos o conceito do que é superendividamento, sendo “a impossibilidade manifesta de o consumidor, pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação”.

O projeto também acresce os artigos 104-A ao 104-C, os quais são dedicados a regular sobre a conciliação no superendividamento, onde a requerimento do consumidor superendividado, poderá o juiz instaurar um processo de repactuação de dívidas, visando alcançar uma decisão conciliatória. No caso de inexitosa, o juiz, a pedido do consumidor, poderá instaurar processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas. A fase conciliatória e preventiva do processo de repactuação de dívidas será de competência concorrente dos órgãos públicos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.

A prevenção e o tratamento do superendividamento é uma questão de extrema relevância, de tal forma que o aprimoramento do Código de Defesa do Consumidor é importante no que tange ao consumidor superendividado, pois o ordenamento jurídico atual não possui um tratamento especial para a proteção específica dessa parte da população. Este projeto de lei poderá ser um grande avanço acerca da regulação do superendividamento, porém não é a solução para todas as mazelas. Com a finalidade de garantir o mínimo existencial e a dignidade da pessoa humana, o projeto elenca deveres de limitação aos fornecedores de crédito, institui mecanismos de prevenção e tratamento do superendividamento e, ainda, a inclusão da conciliação dos conflitos decorrentes desse fenômeno para que venha a ocorrer a repactuação das dívidas.

Além do exposto, é necessário que o fornecedor também mude o hábito de oferecer bens e serviços de forma irresponsável, conscientizando-se de que o lucro não deve prejudicar as pessoas, muito pelo contrário, beneficiar ambas as partes. A mudança dessa realidade, somente será possível se houver a contribuição do fornecedor em querer reverter tais situações, uma vez que é a figura principal da relação de consumo, pois tem contato diretamente com o consumidor no momento de oferecimento do bem ou serviço, cabendo-lhe o papel de induzir o consumidor, ou não, a obtenção do produto.

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