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O TEDH e a Política Externa e Segurança Comum da União Europeia

4. O SISTEMA EUROPEU DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

4.2. A U NIÃO E UROPEIA

4.2.2. A ADESÃO DA U NIÃO E UROPEIA À C ONVENÇÃO E UROPEIA PARA A P ROTEÇÃO DOS D IREITOS DO

4.2.2.3. Plano substantivo da adesão da União Europeia à CEDH

4.2.2.3.3. O TEDH e a Política Externa e Segurança Comum da União Europeia

Nos termos do artigo 275.º do TFUE, o TJUE não dispõe de competência nas questões relativas à política externa e de segurança comum (PESC), nem no que diz respeito aos atos que incidiam neste domínio. Contudo, esta disposição não afeta as restantes disposições sobre as quais incida a competência do TJUE – artigo 40.º do TUE –, nem afeta a sua competência na fiscalização da legalidade das decisões que imponham medidas restritivas contra pessoas singulares ou coletivas, quando adotadas pelo Conselho – artigo 263.º n.º 4 do TFUE.

Face à sonegação das competências do TJUE nas matérias relativas à politica externa e segurança comum, importa determinar que espaço se reserva para o TEDH, aquando da adesão da União Europeia à CEDH566.

Se atualmente a questão deixada em aberto pelo Tratado de Lisboa tende a ser pacífica, tal deve-se ao esforço exercido no seio do grupo ad hoc “47+1”, que elaborou o projeto de adesão da União à CEDH e que se reuniu em várias sessões, procurando um acordo quanto a esta matéria. A questão da competência do TEDH para verificar a compatibilidade das medidas da União Europeia no âmbito PESC com a CEDH, foi amplamente debatida no seio daquele grupo informal encarregue da elaboração do projeto de adesão.

No contexto destas discussões, por diversas vezes, a França manifestou as suas preocupações acerca da possibilidade do TEDH vir a usufruir de uma competência jurisdicional que o próprio Tratado de Lisboa veda ao TJUE. A posição da França, ainda que legítima, foi controversa, pois restantes os Estados-membros da CEDH, não-membros da União Europeia, encaravam a exclusão jurisdicional de uma tipologia de atos, neste caso, sobre os atos relativos à PESC, como uma violação do princípio da igualdade entre as Partes da CEDH.

No entanto, a atual disposição do artigo 1.º, n.º 4 do projeto de adesão veio a apaziguar a discussão, determinando que, os atos, medidas, ou omissões dos órgãos

566 Neste sentido, a Professora Doutora Maria José Rangel Mesquita refere que o sistema da CEDH

não deve ser utilizado nas questões em que os Tratados da União Europeia quiseram excluir a competência do TJUE. Vide Mesquita, M.J. (2011). Reflexos breves sobre a adesão da União Europeia à CEDH à luz do Tratado de Lisboa. Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, Vol. IV, Coimbra, Coimbra Editora, 1.ª Edição, 2011, p. 679.

175 dos Estados-membros da União, ou das pessoas que agem em seu nome, devem ser atribuídos a esse mesmo Estado, ainda quando tal ato, medida, ou omissão resulte da implementação direta do direito comunitário, incluindo aqui as decisões previstas nos Tratados da União. Esta disposição não impede, no entanto, a União Europeia de ser co-demandada por estes atos, medidas, ou omissões. Segundo o considerando n.º 23 do relatório explicativo do projeto de adesão, “(…) nos termos

do direito da União, os atos, medidas e omissões dos seus órgãos, instituições ou agência, ou das pessoas que ajam em seu nome, serão atribuídos à União.” O mesmo

aplica-se quanto “(…) aos atos, medidas ou omissões, independentemente do

contexto em que ocorram, inclusive no que diz respeito a questões relacionadas com a política externa e de segurança”. Desta forma parecem dissipar-se as dúvidas e

podendo concluir-se que as matérias relativas à PESC estão insertas na competência jurisdicional do TEDH.

Todavia, admitimos que esta questão possa não ser inteiramente pacífica. Tradicionalmente a competência do TJUE no âmbito das matérias relativas à PESC – enquanto terceiro pilar, agora denominado “pilar invisível”567 – sempre foi

limitada568, razão pela qual ainda existem vozes discordantes nesta matéria569.

Mesmo no seio do grupo ad hoc, Estados como a França debateram-se ferozmente sobre o sentido do artigo 1.º, n.º 4 do projeto de adesão, almejando que, no mínimo, pudesse ser concedida oportunidade ao TJUE de se pronunciar sobre estas matérias. Contudo, a seguir a tese francesa, não se desvenda outro resultado que não a declaração de incompetência por parte do TJUE sempre que fosse chamado a pronunciar-se sobre tais matérias.

A posição francesa sustentou, igualmente, que a possibilidade do TEDH se pronunciar sobre as matérias relativas à PESC colidiria com o artigo 13.º da CEDH – no qual se prevê o direito a um recurso efetivo perante uma instância nacional –, compelindo a União Europeia a fornecer uma solução, que, em todo o caso, não

567 Neste sentido, vide Duarte, M.L. (2011), Estudos sobre o Tratado de Lisboa, Coimbra, Almedina,

2011, pp. 26 e seguintes.

568 Em respeito ao previsto no artigo 275.º do TFUE.

569 Sobre o debate em torno de tal admissibilidade, Johansen, S.O (2014), Some thoughts on the ECJ hearing on the Draft EU-ECHR Accession agreement, Universidade de Olso, Maio, 2014, disponível no

blog da Universidade de Olso: http://www.jus.uio.no/pluricourts/english/blog/stian-oby- johansen/some-thoughts-on-the-ecj-hearing-on-the-draft-eu-echr-accession-agreement-part-1-of- 2.html

176 pode fornecer. Também aqui há que ter presente que a competência do TJUE não é tão diminuta como aparenta ser. O caso Kadi570 é exemplo de que o TJUE dispõe de

competência para analisar os casos nos quais ocorram violações aos direitos humanos. Como é entendimento da Comissão Europeia, a referência às “medidas

restritivas” é uma referência lata que não pode perder de vista o fundamento da

União Europeia, baseado no respeito dos direitos humanos.

Porquanto se mantenha a letra do artigo 1.º, n.º 4 do projeto de adesão, o TJUE encontra-se perante uma de duas posições: ou amplia a sua jurisdição, seguindo os argumentos conjuntos da Comissão e da Alemanha571, ou aceita as

limitações às suas competências jurisdicionais572.

Numa posição de meio-termo, o autor Johansen573 propõe, quanto às matérias

relativas à PESC, uma solução assente no mecanismo de co-demanda dos Estados- membros e da União, pressupondo-se pela suficiência das jurisdições nacionais e comunitárias em conceder efetiva proteção aos direitos fundamentais. Não obstante, o autor reconhece que o monopólio interpretativo do TJUE e a autonomia da União Europeia poderão sair enfraquecidos nos termos do artigo 344.º do TFUE, propondo, neste sentido, uma futura revisão dos Tratados574.

Quanto a nós, somos de parecer idêntico à Comissão Europeia, que aceita o sentido amplo a conceder às “medidas restritivas”, em função daquilo que se dispõe nos termos do artigo 13.º da CEDH. Nesta linha, consideramos que o disposto no artigo 344.º do TFUE é integralmente respeitado, porquanto se verifica que, por um lado, o recurso perante o TEDH apenas é possível por via dos peticionários, após esgotadas as vias de recurso internas; e, por outro lado, os tribunais internos poderão optar por recorrer ao mecanismo do reenvio prejudicial, permitindo que o

570 Cf. Case of Kadi v Commission, Case T-85/09, Judgement of the Court of Justice of July, 18th of

2013, ECLI:EU:C:2013:518.

571 Na visão germânica, a competência do TJUE quanto às matérias em questão compagina-se com o

artigo 37.º do TUE, que permite a celebração de acordos entre a União e Organizações Internacionais em relação as matérias do capítulo II do TUE onde se insere a PESC; e o artigo 218.º do TFUE, relativo ao procedimento de vinculação da União.

572 Sem prejuízo de uma futura revisão dos tratados vir a incluir as matérias da PESC na

competência judiciais do TJUE.

573 Cf. Johansen, S.O (2014), Some thoughts on the ECJ hearing on the Draft EU-ECHR ccession agreement, Universidade de Olso, Maio, 2014, disponível no blog da Universidade de Olso.

Disponível para consulta em: https://obykanalen.wordpress.com/2014/05/07/some-thoughts-on- the-ecj-hearing-on-the-draft-eu-echr-accession-agreement-part-2-of-2/

177 TJUE se pronuncie sobre a matéria em causa. Aditamos às nossas considerações que, sendo a adoção de atos relativos às matérias da PESC uma competência do Conselho575, a ideia da intergovernamentalidade mantém-se presente, apontando

num sentido de comunitarização da decisão. Neste sentido, é razoável pressupor que a União possa ser responsabilizada pelos seus atos e que, nessa medida, estes sejam sindicáveis.