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4. O SISTEMA EUROPEU DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

4.2. A U NIÃO E UROPEIA

4.2.2. A ADESÃO DA U NIÃO E UROPEIA À C ONVENÇÃO E UROPEIA PARA A P ROTEÇÃO DOS D IREITOS DO

4.2.2.4. Plano processual da adesão da União Europeia à CEDH

4.2.2.4.1. A Presunção Bosphorus

A Presunção Bosphorus refere-se à equiparação entre os sistemas de proteção dos direitos fundamentais, tomando por referência a CEDH.

Esta presunção emergiu primeiramente no caso Bosphorus576, no qual o

TEDH asseverou que a CEDH deveria ser interpretada em conformidade com as obrigações internacionais dos Estados, por forma não impedir o fortalecimento da cooperação internacional577, nem a participação dos Estados em outras

organizações internacionais. Esta presunção, ou teoria da “proteção equivalente”578,

parte da ideia de que, no seio da União Europeia, vigora um sistema de proteção dos direitos fundamentais equiparável ao sistema instituído pela CEDH. Assim, quando

575 Quanto às medidas restritivas em particular, atenda-se ao disposto no artigo 215.º do TFUE. 576 Cf. Case Bosphorus v. Ireland, Application no. 45036/98, Council of Europe: European Court of

Human Rights, June 30th of 2005, disponível em http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-69564,

acedido a 22/09/2016.

577 Cf. Case Bosphorus v. Ireland, Application no. 45036/98, Council of Europe: European Court of

Human Rights, June 30th of 2005, parágrafo. 108.

578 Neste sentido, vide Barreto, I.C. (2015), A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 5.ª Edição,

178 um Estado executa as obrigações jurídicas decorrentes da sua qualidade de membro da União Europeia, e existam garantias efetivas de que a União Europeia possui um sistema de proteção equivalente ao sistema instituído pela CEDH, o TEDH abster-se-á de julgar, servindo-se da presunção de que estão verificadas as exigências da CEDH579. Não obstante, esta presunção poderá ser ilidida sempre que

se verifique a inexistência de garantias equiparáveis às garantias concedidas pelas CEDH580. Efetivamente, nos casos M.S.S v. Belgium and Greece581 e Michaud v.

France582, o Tribunal de Estrasburgo afastou a presunção.

No caso Michaud v. France, colocava-se em causa a transposição da Diretiva 2005/60/CE, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. À luz das disposições desta Diretiva, os membros de profissões jurídicas independentes, entre outros, estariam obrigados a informar prontamente a Unidade de Informação Financeira (UFI), “por iniciativa própria, sempre que tenham conhecimento,

suspeitem ou tenham razões suficientes para suspeitar que foi ou está a ser efetuada uma operação ou uma tentativa de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo”583.

Contudo, nos termos do artigo 23.º, n.º 2 da presente Diretiva, “Os Estados-

Membros não são obrigados a impor as obrigações previstas (…) no que diz respeito às informações por eles [membros de profissões jurídicas independentes] recebidas de um dos seus clientes ou obtidas sobre um dos seus clientes, quando estes estiverem a determinar a situação jurídica do mesmo, ou a exercer a sua missão de defesa ou de representação desse cliente num processo judicial ou a respeito de um processo judicial (…)”.

579 Cf. Case Bosphorus v. Ireland, Application no. 45036/98, Council of Europe: European Court of

Human Rights, June 30th of 2005, parágrafos 115 – 116. 580 Idem.

581 Cf. Case of M.S.S. v. Belgium and Greece, Application no. 30696/09, Council of Europe: Court

Judgment, January 21st of 2011.

582 Cf. Case of Michaud v. France, Application no. 12323/11, Council of Europe: Court Judgment,

December 6th of 2012.

583 Cf. Directiva 2005/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de outubro de 2005,

relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, Jornal Oficial da União Europeia L 309/15, 25 de novembro 2005, artigo 22.º.

179 Sucede que, no caso em análise, o Estado francês, ao transpor a Diretiva, criou obrigações que iam além do imposto, sancionando disciplinarmente os advogados que não cumprissem os seus “deveres de declaração”. Esta obrigação foi posteriormente incorporada no regulamento interno do “Conseil National des

Barreaux”. O peticionário, advogado francês, alegando que as novas obrigações

decorrentes do regulamento interno eram manifestamente incompatíveis com a liberdade dos advogados exercerem a sua profissão, recorreu perante o Conseil

d’Etat, requerendo que este se pronunciasse sobre a compatibilidade do

regulamento e do disposto no artigo 6.º do TFUE e no artigo 8.º da CEDH584. Tendo

o Conseil d’Etat rejeitado pronunciar-se, o peticionário recorreu perante o TEDH, alegando a violação dos direitos ínsitos nos artigos 6.º, 7.º, e 8.º da CEDH.

Porém a importância da presente análise incide, não no exame relativo aos direitos e às restrições em causa, mas na importante distinção que o TEDH traçou relativamente à alegação do Estado francês, que invocava que ao presente caso aplicar-se-ia a presunção da “proteção equivalente”, tal como decidido no caso

Bosphorus, devendo o Tribunal de Estrasburgo, por isso, abster-se de analisar o

caso585. As alegações do Estado francês foram no entanto rejeitadas, e como tal, foi

afastada a presunção da “proteção equivalente”. Em conformidade com o referido pelo TEDH, no caso Bosphorus, estava em causa a aplicação de um regulamento que, em função da sua natureza, não fornece margem de apreciação aos Estados- membros, enquanto, no presente caso, a transposição de uma diretiva possibilitava, aos Estados-membros, uma determinada margem de apreciação586.

Tal diferença merece por isso uma consideração sobre a atuação do Estado- membro em questão, inviabilizando que a presunção tenha se aplique automaticamente.

Por outro lado, no caso Bosphorus, havia sido possibilitada a intervenção do TJUE, o que não se verificava no caso Michaud v. France, dado que o Conseil d’Etat

584 Cf. Case of Michaud v. France, Application no. 12323/11, Council of Europe: Court Judgment,

December 6th of 2012, parágrafos 8 – 17.

585 Cf. Case of Michaud v. France, Application no. 12323/11, Council of Europe: Court Judgment,

December 6th of 2012 parágrafo 73.

586 Cf. Case of Michaud v. France, Application no. 12323/11, Council of Europe: Court Judgment,

180 não procedeu ao reenvio prejudicial da questão para o TJUE587. Por essa mesma

razão, o TEDH considerou que, ao não submeter a questão perante o TJUE, “(…) the

Conseil d’Etat ruled without the full potential of the relevant international machinery for supervising fundamental rights – in principle equivalent to that of

the Convention – having been deployed. In the light of that choice and the importance of what was at stake, the presumption of equivalent protection does

not apply” [destacado nosso]588. Não obstante do presente caso não fixar um

critério geral, podemos concluir, com relativo grau de segurança, que a presunção da “proteção equiparável” tende a ser afastada nos casos em que assiste uma determinada margem de apreciação aos Estados-membros, na transposição dos atos jurídicos da União Europeia, bem como nos casos em que o mecanismo do reenvio prejudicial não tenha sido ativado.

No atual projeto de adesão, verifica-se a ausência de qualquer referência à presunção da “proteção equivalente”, pelo que, perante o caso concreto, a faculdade de aplica-la ou excluí-la continuará a pertencer ao TEDH.

Por nossa parte, tecemos algumas reservas quanto a esta faculdade, que parece dotar-se de uma substancial discricionariedade, sobretudo porque se crê subvertida a lógica do projeto de acordo, que, no seu Considerando n.º7, refere: “The current control mechanism of the Convention should, as far as possible, be

preserved and applied to the EU in the same way as to other High Contracting Parties, by making only those adaptations that are strictly necessary”589.