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O tema dos ciclos no período de 2000 a 2011: justificando o nosso objeto

2. OS CICLOS NO BRASIL

2.2. O tema dos ciclos no período de 2000 a 2011: justificando o nosso objeto

A síntese dos resumos de dissertações e teses que tratam direta e indiretamente da organização em ciclos deixou evidenciar por meio de muitos estudos de caso micro observações de caráter mais macro.

A organização em ciclos de aprendizagem está associada, tanto nas discussões epistemológicas das pesquisas como na descrição das propostas oficiais de diferentes localidades no Brasil que aderiu a esse tipo de regime de ensino, com uma diversidade de abordagens que tratam especificamente do processo de ensino-aprendizagem. Em um primeiro momento, perguntamo-nos qual seria verdadeiramente a fundamentação teórica do sistema organizado em ciclos; entretanto, embora apresentados de diferentes maneiras essas pesquisas não recaíam em contradição epistemológica: algumas justificam esse tipo de organização curricular com a teoria de Vigotsky, outras com a de Piaget, outras com Wallon, outros com Paulo Freire e outros com Perrenoud, etc.

Essa diversidade de fundamentações teóricas para a proposta de organização em ciclos representa, simultaneamente, por um lado um movimento de autonomia e por outro lado, um movimento de reprodução. Esses contraditórios movimentos são possíveis de serem verificados nessas diferentes realidades educacionais que produzem em relação ao sistema organizado em ciclos mecanismos de defesa, ora de adesão, ora de resistência às propostas dos documentos oficiais realizando a sua própria leitura desse modelo de organização curricular escolar. A questão é que se contemplarmos os ciclos como uma metodologia de ensino e não como uma abordagem de ensino esse poderá ser fundamentada de diferentes maneiras desde que, com coerência conceitual e que o embasamento teórico não negue as centrais características desse tipo de organização curricular que seriam basicamente: organização de tempos e espaços escolares que se distinguem do modelo seriado tendo como premissa o nível de aprendizado em que o aluno se encontra. As manifestações diversas de interpretação tanto das redes estaduais, como municipais e até mesmo internamente nas unidades escolares sobre a proposta em ciclos que é colocada em documentos normativos federais, anuncia um movimento dialético que permite observar uma tensão entre momentos simultâneos de negação e afirmação dessa proposta de organização curricular como opção sistêmica de ensino.

Nesse movimento de resistência e adesão em relação aos ciclos como opção de organização curricular das escolas temos um conjunto de ações complexas que vai

desde como as governos locais apresentam a proposta de ciclos em documentos oficiais até como os estabelecimentos escolares interpretam esses documentos, regularizando-o em plano de trabalho pedagógico dentro das escolas e, portanto, como optam por fundamentá-lo e, ainda, para além da proposta do governo local e da proposta do estabelecimento de ensino, temos também como esse trabalho é operacionalizado na relação que se estabelece entre professor e aluno. Nesse sentido o que a síntese dos resumos das dissertações e teses sobre os ciclos no Brasil nos faz compreender é que existem muitos “ciclos” no Brasil em virtude dos diversos aspectos que perpassam a implantação dos ciclos como organização escolar.

Esses diferentes “ciclos” existentes no Brasil foram categorizados com diferentes nomenclaturas em conformidade com a realidade local dos estabelecimentos escolares, com a teoria escolhida para fundamentar a compreensão sobre ciclos, com a estrutura material dos estabelecimentos e escolares e, sobretudo, com a política de implantação, como podemos constatar na síntese dos resumos das teses e das dissertações que anunciam inúmeras nomenclaturas de experiências de ciclos no país, tais como: os ciclos de formação humana, o regime de progressão continuada, a organização em ciclos, ciclo básico de alfabetização, bloco inicial de alfabetização, ciclo básico, ciclos de ensino fundamental, ciclo inicial do ensino fundamental. Todas são nomenclaturas que materializam essas múltiplas realidades da experiência dos ciclos como organização curricular no Brasil.

Concordamos com Mainardes (2009, p.58-67), pois os resumos das teses e dissertações sobre os ciclos também confirmam essa informação, que dessa diversidade de experiências dos “ciclos” no Brasil podemos destacar três grandes modalidades que imperam com as seguintes características:

1. Os ciclos de formação ou também conhecidos como ciclos de formação humana: trazem como proposta uma ruptura mais profunda com a lógica da organização em séries principalmente com a reprovação. A idade passa a ser o critério para a matrícula, uma vez que os ciclos são divididos em grupos que correspondem a fases do desenvolvimento humano, no qual temos o grupo da infância que vai dos 6 aos 8 anos de idade, o grupo dos pré-adolescentes que vai dos 9 aos 11 anos de idade e, por fim, o grupo dos adolescentes que vai dos 12 aos 14 anos de idade. As experiências mais conhecidas que adotaram esse tipo de organização curricular no Brasil são a Escola Cidadã (Porto Alegre) e a Escola Plural (Belo Horizonte), mas também foi introduzida em outros locais, tais como nas redes estaduais de Mato Grosso e do Ceará, nas redes

municipais de Araraquara (SP), Belém, Cuiabá (Escola Sarã), Goiânia, Rio de Janeiro, Vitória da Conquista (BA), Criciúna (SC), Indaial (SC) e outras.

2. A progressão continuada: esse tipo de organização em ciclos, após a sua indicação no artigo 32 da Lei n. 9394/96, foi implantada em São Paulo a partir de 1998, tanto na rede estadual como na municipal, na rede estadual do Rio Grade do Sul, na rede estadual do Mato Grosso do Sul, da rede municipal de Araçatuba (SP), na rede municipal de São José dos Campos (SP), na rede municipal de São Vicente (SP), na rede municipal de Queimados (RJ) e outros. Nesse tipo de organização, o Ensino Fundamental é estruturado em dois ou mais ciclos, na qual o aluno só pode ser reprovado no término de um ciclo.

3. Os ciclos de aprendizagem: essa modalidade de ciclos tem seus pressupostos teóricos nas idéias do suíço Philippe Perrenoud e sua organização curricular propõe um ensino dividido em ciclos plurianuais de dois, três ou mais anos. É uma proposta pedagógica que se auto-intitula como uma possibilidade para a superação do “fracasso escolar”; um modelo curricular baseado no que o autor denomina de “pedagogia diferenciada” e em uma “avaliação formativa” que permite, segundo essa concepção, uma maior flexibilidade e heterogeneidade no atendimento dos alunos. Podemos citar algumas redes que adotaram no Brasil essa modalidade dos ciclos: redes municipais de Curitiba (PR), Ilhéus (BA), Ponta Grossa (PR), São Luís (MA), Olinda (PE), Salto (SP), Pesqueira (PE), Salvador (BA), Recife (PE) e outros.

Dessas três modalidades, resolvemos dedicar especial atenção aos “ciclos de aprendizagem”, pelo fato de se fundamentarem em um pensador contemporâneo, no caso específico, Philippe Perrenoud, que diferentemente das demais modalidades de ciclos que se fundamentam em pensadores clássicos utilizados historicamente pela pedagogia para compreender melhor o processo de ensino aprendizagem.

O surgimento dos ciclos de aprendizagem como uma das modalidades em nosso país tendo como fundamento um pensador contemporâneo parece ser possível de ser entendido pelo fato de o suíço Philippe Perrenoud ter produzido uma explicação sobre os ciclos fundamentando-os teórica e metodologicamente, isto é, suas idéias esboçam o “como” os ciclos devem ser materializados em prática dentro das instituições escolares e é anunciado como uma possibilidade de solução para “o fracasso escolar” produzido em países como o Brasil. Nesse sentido:

A partir do final dos anos 1990, os programas de organização da escola em ciclos, principalmente aqueles designados como “Ciclos de

Aprendizagem”, passaram a tomar como uma referência importante as idéias do suíço Phillipe Perrenoud, quando seus textos sobre “Ciclos de Aprendizagem” começaram a ser publicados no Brasil.

A partir de um conjunto de influências, tais como a experiência da rede municipal de São Paulo (1992), dos textos de Perrenoud e de outras experiências que se encontravam em curso no Brasil naquela época, algumas redes de ensino iniciaram programas de organização da escolaridade em ciclos plurianuais, utilizando a designação “Ciclos de Aprendizagem”. (MAINARDES, 2009, p.43)

Podemos desse modo, constatar a importância de se analisar as ideias de Perrenoud, uma vez que como pensador contemporâneo conseguiu, juntamente com os considerados clássicos da pedagogia, influenciar o entendimento sobre a concepção de ciclos no Brasil a partir da década de noventa ao ponto de essa proposta materializar-se em modalidade de organização curricular no país em várias localidades. Somado a esse fato, também constatamos que a síntese dos resumos e teses que investigaram sobre a temática dos ciclos no Brasil no período de 2000 a 2011 demonstrou uma ausência de trabalhos que se preocuparam em específico com a teorização sobre os ciclos de aprendizagem realizada por Philippe Perrenoud, o que nos alerta para uma tendência a uma apropriação acrítica dessa proposta e nos incentiva a analisá-la como uma contribuição acadêmica que pode auxiliar nessa complexidade de fenômenos que envolvem a introdução dos ciclos no Brasil. Sendo assim, na próxima seção descreveremos a concepção de ciclos Perrenoud utilizando as suas centrais obras traduzidas em português e, portanto, veiculadas no país como fundamentação para a implantação dos ciclos de aprendizagem.

3. PHILIPPE PERRENOUD: O PENSADOR DOS CICLOS DE