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O tema: unidades, plano e âmbito

No documento O PCP e a guerra fria (páginas 40-42)

O quadro que rapidamente se configurou quando cessou o troar das armas e se encerrou o segundo conflito mundial, assentou no desmantelamento do bloco Aliado que saíra vencedor desse conflito. A célebre afirmação de Winston Churchill proclamada em Fulton, logo em 1946 – “Desde Stettin, no mar Báltico, até Trieste, no

mar Adriático, caiu sobre o continente europeu uma cortina de ferro” pontua um

separar de mundos em tensão, polarizado entre o campo dos EUA e o campo da União Soviética, marcando durante décadas a cadência do mundo.

Do lado ocidental desta linha de demarcação, na Europa capitalista, partidos comunistas alinhados com a União Soviética adoptaram univocamente um modelo orgânico que se reclamava leninismo, afeiçoando a interpretação do conceito de luta de classes às realidades nacionais sobre as quais intervinham, o que levaria aliás Hobsbawm a assinalar que “Os Estados e os movimentos marxistas tendem a se tornar

nacionais não apenas na forma, mas em substância…”84, exprimindo no fundo essa

tensão permanente entre um fidelizado alinhamento internacional e a afirmação de uma representação, nem sempre meramente instrumental, dos interesses nacionais.

Com este duradouro quadro de base, dissolvida já a Internacional Comunista, detemo-nos no período da história europeia e mundial do século XX, genericamente designado de guerra fria, tomando o Partido Comunista Português como objecto de 83Cf. Karel Bartosek, Les Aveux dês Archives. Prague-Paris-Prague, 1948-1968, Paris, Seuil, 1996 ou Valério Riva, Oro da Mosca, Milão, Óscar Storia/Mondarori, 2002, com referências esparsas ao PCP

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estudo.

O enquadramento cronológico fixado toma como ponto de partida o ano de 1949, marcado pela prisão de Álvaro Cunhal (25 de Março) e, ainda antes, pelas eleições presidenciais (13 de Fevereiro) que assinalam o duradouro esboroamento da unidade antifascista construída na conjuntura de guerra em torno do MUNAF e do MUD. De algum modo, estes dois acontecimentos ocorridos em 1949, encerram um ciclo político na história do PCP.

Considerou-se, por outro lado, como ponto de chegada, o ano de 1965, ano em que se realiza o VI Congresso do PCP em Kiev, na União Soviética, que institui formalmente um novo programa do partido, encerrando o longo processo de reafirmação e restabelecimento da orientação política sustentada por Álvaro Cunhal desde a sua fuga do forte de Peniche.

Ainda que o ano de 1965 esteja longe de encerrar a conjuntura internacional de guerra fria, o consulado soviético de Krutchov e mesmo os reajustamentos e inflexões a que Brejnev procedeu, fazem da sua política uma realidade diferente do estalinismo de dez anos antes, apesar do policentrismo suscitado pelo XX Congresso do PCUS se afogasse com a entrada dos tanques em Budapeste e que o dissídio sino-soviético se aprofundasse irremediavelmente.

Internamente, o próprio quadro político mudava, ainda que lentamente, no seio das oposições. A partir de 1965, sobretudo de 1968, é certo, desenvolve-se um processo de recomposição por efeito da dissidência de Martins Rodrigues com o PCP, por mais inexpressiva que tivesse sido de um ponto de vista orgânico ou por mais débeis que fossem os novos grupos e agrupamentos em gestação.

É neste entendimento que tomamos 1965 como baliza operativa.

Todavia, entre 1949 e 1965, o PCP viveu o período de maior instabilidade depois da “reorganização” de 1940-41. À prisão de Cunhal e à quase destruição, entre 1949 e 1952, da estrutura dirigente e do aparelho clandestino, sob o impacto da fase mais agressiva e sectária da guerra fria, o PCP viveria sob o signo do sectarismo.

A reemergência de Júlio Fogaça, politicamente vencido no IV Congresso de 1946 com a derrota da “Política de Transição”, mas impondo-se pelas suas capacidades face ao que era a elite dirigente do tempo, conduziria à reconfiguração paulatina de um corpo de ideias, propostas e orientações que, acalentado por relações estreitas com a “geração dos jovens” que assumira a liderança do PC de Espanha e sob o impacto do XX Congresso do PC da União Soviética, inflectiria a orientação partidária num sentido

que foi denominado de “desvio de direita”, expresso no V Congresso do PCP e no programa aí aprovado, que se manteria até à fuga de Cunhal do forte de Peniche nos primeiros dias de 1960.

O processo de rectificação política empreendido por Álvaro Cunhal desde então, que ficaria conhecido como “correcção do desvio de direita” culminaria com a aprovação de um novo programa partidário no VI Congresso, de 1965, que assentava sobre um prolongado processo de inflexão tanto política como orgânica, densamente sintetizado no relatório Rumo à Vitória, apresentado à Reunião do Comité Central de Abril de 1964.

“Sectarismo”, “desvio de direita” e “Rumo à Vitória” constituem por isso mesmo as três grandes fases políticas por que o PCP passou nesses 16 intensos anos de vida partidária, que, desdobrando-se em quatro capítulos, configuram as três principais unidades analíticas e interpretativas do período aqui considerado, em que se organiza o núcleo central do estudo que se apresenta e que corresponde a toda a sua Parte II.

Todavia, se essa instabilidade política corresponde em boa medida às diferentes circunstâncias e conjunturas internas e externas, procuram-se vislumbrar antecedentes, raízes, tradições na história do PCP que de algum modo possam ajudar a compreender melhor essa situação.

É nesse sentido que se consagra a parte inicial aos três grandes momentos

No documento O PCP e a guerra fria (páginas 40-42)