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O Templo de Jerusalém e a religiosidade judaica

Os judeus praticavam assiduamente a sua religião. Da fé monoteísta e do Código da Aliança dependia toda a estrutura social, familiar e cultural do judaísmo. Naquele contexto, era difícil separar aspectos políticos e religiosos; ambos eram interdependentes.99 A Torá representava para os judeus o “ensinamento que vem de Deus.”100 O centro dessa religião era

o Templo, único e absoluto que estava situado em Jerusalém. Este espaço cuidadosamente administrado era o “lugar de mediação entre o natural e o sobrenatural,”101 dos ritos, do

estudo da Lei e das orações e cânticos. O Templo tinha uma função política bem determinada; era um Estado-Templo.102

Ao subjugar os palestinos, os romanos fizeram um jogo duplo: respeitavam e permitiam a prática da religião judaica, sem, contudo, deixar de cobrar os tributos, às vezes pesados demais, e sem se condescender com as revoltas contra a ordem política.103 “Os administradores e conselheiros escribais do regime sumo sacerdotal podiam, portanto, oscilar facilmente entre a lealdade ao seu Deus como guardiães da tradição israelita e seu papel como mediadores da ordem imperial no Estado-Templo.”104

Durante o reinado de Herodes, o Grande, o Templo105 de Jerusalém passou por uma grande reforma e recebeu os arranjos arquitetônicos da cultura helênica. “O Templo de „Herodes‟ se tornou uma das „maravilhas do mundo‟, famoso como ponto turístico para os romanos abastados e destino de peregrinação para os judeus prósperos das comunidades da diáspora.”106

A política oficial dos romanos era escrupulosa em manter a autonomia judaica em assuntos religiosos e em permitir a judeus de todo o mundo pagar a taxa anual para a manutenção do Templo. Os judeus estavam isentos da exigência normal de participar do culto imperial. Em vez disso, sacrifícios

99 Cf. GONÇALVES, Oliveira Leite. Cristo e a contestação política: relacionamento de Cristo com o partido Zelota. Petrópolis: Vozes, 1974, p. 41.

100 COLLIN, Matthieu & LENHARDT, Pierre. Evangelho e tradição de Israel. São Paulo: Paulus, 1994, p. 09. 101 SCHIMIDT, Francisco. O pensamento do Templo: de Jerusalém a Qumran: identidade e laço social no judaísmo antigo. São Paulo: Loyola, 1998, p. 80.

102 Cf. HORSLEY, Richard A. Jesus e o império: o reino de Deus e a nova desordem mundial. São Paulo: Paulus, 2004, p. 38.

103 Cf. LIBANIO, João Batista. Qual o futuro do cristianismo? São Paulo: Paulus, 2006, p. 30.

104 HORSLEY, Richard A. Jesus e o império: o reino de Deus e a nova desordem mundial. São Paulo: Paulus, 2004, p. 44.

105 “Não havia nada no exterior do edifício que não encantasse a mente e o olhar. Pois coberto de todos os lados com imensas placas de ouro, assim que o sol subia, irradiava seu brilho com tamanho esplendor que as pessoas se ofuscavam com os reflexos como se fossem os próprios raios do astro. Aos estrangeiros que se aproximavam, o Templo parecia, à distância, uma montanha coberta de neve, pois tudo que não estivesse forrado de ouro era do branco mais puro.” Flávio Josefo, Guerra judaica (5.222-223). Apud CROSSAN, John Dominic & REED, Jonathan L. Em busca de Jesus: debaixo das pedras, atrás dos textos. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 238.

106 HORSLEY, Richard A. Jesus e o império: o reino de Deus e a nova desordem mundial. São Paulo: Paulus, 2004, p. 38.

(dois cordeiros e um touro) eram oferecidos todos os dias no Templo em favor do imperador.107

O Sinédrio e os anciãos do povo, alinhados aos romanos, para não perderem seus benefícios e riquezas, não se importavam com o paganismo da corte herodiana e dos seus empregados, adoradores dos deuses gregos. A elite judaica não estava tão preocupada com as questões internas religiosas, embora soubessem o quanto isso significava para assegurar a identidade nacional; mesmo assim, fizeram vistas grossas às ações religiosas de Herodes e à sua interferência direta no Templo. Essas autoridades judaicas não exerciam o total controle do Templo, embora a lei mosaica da Aliança exigisse a lealdade exclusiva a Deus como o único governante de Israel.108

Os judeus consideravam o Templo como o lugar por excelência para as orações, a purificação e os sacrifícios.109 “Para o judeu a soma de toda religião era cumprir a lei.”110 O

Templo, “construído como um leão, largo na frente, com quatro colunas e estreito atrás,”111

era o lugar de Deus, onde se poderia passar do estado de hôl para o de qodesh, ou seja, de impuro, profano, para puro, santo (cf. Lv 10,10), pelos ritos da purificação, da consagração e da execração. Esses ritos, na sociedade judaica, mantinham e perenizavam a ordem para que toda a comunidade fosse restaurada em sua integridade, restabelecendo cada coisa em seu justo lugar, de acordo com a ordem da criação e da Aliança. Com essa configuração a religião judaica, a partir do Templo, traçava fronteiras, operava reagrupamentos, estabelecia hierarquias, fornecia modalidade de passagem e ao mesmo tempo incentivava a rejeição de toda a anomalia percebida como abominável.112

No final do governo de Herodes, o Grande, quando ele resolveu erguer uma águia dourada113 como oferenda votiva fixada sobre o grande portão do Templo, dois mestres da Lei de reconhecida sabedoria, inspiraram a alguns alunos a derrubarem esta águia para „vingar a honra de Deus‟. Depois que demoliram a estátua que lhes recordava o domínio romano, o rei Herodes mandou queimá-los vivos – os mestres e os alunos. No entanto, este martírio

107 STAMBAUGH, John E. & BALCH, David L. O Novo Testamento em seu ambiente social. São Paulo: Paulus, 1996, p. 21.

108 Cf. HORSLEY, Richard A. Jesus e o império: o reino de Deus e a nova desordem mundial. São Paulo: Paulus, 2004, p. 47.

109 Cf. FOHRER, Georg. História da religião de Israel. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1982, p. 472. 110 BRIGHT, John. História de Israel. 8. ed. ver. e ampl. São Paulo: Paulus. 2003, p. 522. 111 EPHRAÏM. Jesus, judeu praticante. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 105.

112 Cf. SCHIMIDT, Francisco. O pensamento do Templo: de Jerusalém a Qumran: identidade e laço social no judaísmo antigo. São Paulo: Loyola, 1998, p. 74-77.

113 Cf. CROSSAN, John Dominic & REED, Jonathan L. Em busca de Jesus: debaixo das pedras, atrás dos textos. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 226.

encorajou outros protestos contra a ingerência romana no Templo,114 pois desde a época dos macabeus quaisquer tentativas de violação “eram entendidas como o sacrilégio mais grave, e depois também como questionamento da ordem vigente.”115

Jesus foi apresentado a este Templo. Ele conhecia sua história precedente e sabia da importância do Templo para a religião judaica. Sua interação com o Templo, no entanto, não seguiu os parâmetros emanados da hierarquia de Jerusalém. Jesus manteve sua religiosidade em conformidade com a tradição recebida de sua família, mas transcendeu aos limites litúrgicos e rituais do Templo. Suas atitudes e palavras dirigidas ao apego excessivo ao Templo foram interpretadas como agitação social e profanação da fé judaica.

1.3.1 Os grupos político-religiosos em relação com o Templo e com Jesus

No tempo de Jesus havia várias correntes político-religiosas que atuavam às vezes unidas, às vezes divergindo: saduceus, herodianos, fariseus e essênios.116 Esses grupos judaicos estavam direta ou indiretamente ligados ao Templo e “inflamavam-se sobretudo por conflitos concretos de interesses e por detalhes significativos, que serviam também como marcas de delimitação e símbolos para a identificação de convicções.”117

Os diversos contatos de Jesus com os partidários dessas correntes ideológicas e políticas oscilaram entre uma relação flutuante de diálogo (cf. Mc 5,22-43), de cooperação (cf. Lc 7,36;13,31; Mt 13,52) e, na maioria das vezes, de divergência inflamada (cf. Mc 12,18-27).118O maior interesse desses grupos era “dirigir e controlar a sociedade judaica.”119

Na época da redação dos Evangelhos esses grupos já haviam desaparecido, restando apenas o movimento farisaico que estava tentando se reestruturar.120

1) Os saduceus121 formavam o partido da aristocracia. Estavam concentrados em Jerusalém e tinham influência direta no Templo. Esse grupo era composto por sacerdotes, em sua maioria e também leigos provenientes da aristocracia. Eles se julgavam descendentes de

114 Cf. HORSLEY, Richard A. Jesus e o império: o reino de Deus e a nova desordem mundial. São Paulo: Paulus, 2004, p. 47.

115 MAIER, Johann. Entre dois Testamentos: história e religião da época do Segundo Templo. São Paulo: Loyola, 2005, p. 182.

116 Havia outros grupos como os zelotes e os sicários que eram militantes da oposição ao domínio romano. 117 MAIER, Johann. Entre dois Testamentos: história e religião da época do Segundo Templo. São Paulo: Loyola, 2005, p. 267.

118 Cf. OTZEN, Benedikt. O judaísmo na Antiguidade: a história política e as correntes religiosas de Alexandre Magno até o imperador Adriano. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 169.

119 SALDARINI, Anthony. Fariseus, escribas e saduceus na sociedade palestinense. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 18.

120 Cf. MIRANDA, Evaristo Eduardo de & MALCA, José Manuel Schorr. Sábios fariseus: reparar uma injustiça. São Paulo: Loyola, 2001, p. 62.

121 Cf. OTZEN, Benedikt. O judaísmo na Antiguidade: a história política e as correntes religiosas de Alexandre Magno até o imperador Adriano. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 150.

Sadoc, um sacerdote que viveu no tempo de Davi e Salomão, por isso, os sumos-sacerdotes eram escolhidos dentre eles. Os saduceus se mostravam rigorosamente apegados à Torá e não acreditavam na ressurreição; em certa ocasião, perguntaram a Jesus, querendo ridicularizá-lo, como ficaria, na ressurreição, uma mulher que em vida fora casada com sete irmãos (cf. Mc 12,18-27). Nos Evangelhos são chamados de chefes dos sacerdotes e anciãos.122 Os saduceus desaparecem no ano 70, com a destruição de Jerusalém.

2) O grupo dos herodianos (cf. Mc 3,6; 12,13) era composto por funcionários de Herodes Antipas; esses funcionários dependiam da estrutura política subserviente à Roma. Os herodianos eram, na sua maioria, proprietários de terra e grandes comerciantes. Eram chamados „amigos de Roma‟ e não se preocupavam com a libertação de Israel.123 Estavam na

linha de frente da oposição a Jesus e o acompanhavam atentamente em seu ministério querendo encontrar meios para impedir a sua atuação (cf. Mc 3,6;12,13-17).

3) Os fariseus eram o maior grupo político-religioso da época de Jesus; nas contas de Flávio Josefo, somavam cerca de seis mil. O apego extremo à Torá é a sua principal característica. A bandeira dos fariseus é a tradição dos antepassados; os fariseus eram movidos por um nacionalismo extremo justificado pela consanguinidade (pureza de raça) e fundamentado na religião e na cultura. Criaram mais de 600 preceitos para assegurar o „verdadeiro‟ seguimento da Lei, mas “nem todos os fariseus viviam de acordo com os seus elevados princípios.”124 Tinham grande influência no interior e controlavam as sinagogas.125

Como guardiões da Lei, os fariseus estavam sempre atentos a qualquer movimento religioso e, por isso, vigiavam de perto as ações de Jesus (cf. Jo 4,1ss) e queriam por à prova seus conhecimentos (cf. Mt 22,34).126

4) Os essênios estavam espalhados por toda a região de Judá; eram os mais dedicados ao estudo e à observância da Torá.127“Surgiram da dissidência de um sumo sacerdote que se aliou a círculos espiritualistas, transformando a comunidade cultual numa substituição do culto de Jerusalém. Não se prendiam à materialidade física do lugar sagrado nem

122 Cf. VASCONCELLOS, Pedro Lima. No tempo dos Césares. In: ANDERSON, Ana Flora [et. al.]. A história da Palavra II: teologia bíblica, a nova aliança. São Paulo: Paulinas; Valência: Siquem, 2005, 23.

123 Cf. FARIA, Jacir de Freitas. O poder do rei-messias no império romano. In: Estudos Bíblicos 78 (2003/2), p. 70.

124 MIRANDA, Evaristo Eduardo de & MALCA, José Manuel Schorr. Sábios fariseus: reparar uma injustiça. São Paulo: Loyola, 2001, p. 29.

125 Cf. FARIA, Jacir de Freitas. O poder do rei-messias no império romano. In: Estudos Bíblicos 78 (2003/2), p. 71.

126 Alguns fariseus que são bem quistos no Novo Testamento: Nicodemos (cf. Jo 3,1;7,45-48); José de Arimateia (cf. Jo 19,38); Gamaliel (cf. At 5,34); os que abraçaram a fé proveniente da seita dos fariseus (cf. At 15,5). 127 Cf. PAUILLY, Jean. Qumrã. São Paulo: Paulinas, 1992, p. 13-14.

comungavam com os interesses que lá circulavam.”128 Eram tão obsessivos pela pureza ritual

e o calendário litúrgico que se definiam como filhos da luz; queriam ser uma assembleia santa, um povo consagrado.129 Penetraram todas as classes sociais com os seus ideais. Com a tendência de distanciamento da vida social eivada pelas impurezas, os essênios se retiraram para o deserto formando comunidades, das quais a mais famosa foi Qumrã.130

Os sumos sacerdotes, alguns escribas e parte dos fariseus formaram o Sinédrio “uma força política que interagia com a classe governante, influenciava muitas vezes a sociedade e às vezes obtinha poder.”131 O Sinédrio era uma constituição judaica hierocrática sob a

presidência do sumo sacerdote. As reais competências dessa instância eram limitadas pela supervisão política e militar dos procuradores romanos; nessa época o judaísmo estava de tal forma desunido que os grupos políticos reivindicavam em geral a mesma „ordem-baseada-na- Torá‟. Esse projeto foi alimentado pelo Sinédrio e esperado ansiosamente como sendo o Reino de Deus.132

Como profeta liderando um movimento de renovação de Israel, na tradição de profetas israelitas que haviam repetidamente enfrentado governantes de Jerusalém, Jesus evidentemente tanto pronunciou como simbolicamente representou a condenação divina do Templo e dos sumos sacerdotes.133

Diante do Templo e da religião judaica Jesus assumiu uma postura inconformista e ao mesmo tempo liberal. “Humanamente Jesus está ligado a Israel. Seu destino é o destino de Israel. Sua religião é a religião de Israel.”134 A recordação dos discípulos reconheceu o

imenso zelo do Mestre pela casa de Deus; esse zelo o levou à cruz.135 Por um lado pregou um rigorismo ético exigente e um total desprendimento daquilo que era considerado como bom (família e posses) e, por outro lado, relativizou as exigências das leis judaicas.136 Tal comportamento de Jesus é a raiz dos conflitos com as autoridades religiosas judaicas e, por conseguinte, com o poder constituído.

128 LIBANIO, João Batista. Qual o futuro do cristianismo? São Paulo: Paulus, 2006, p. 36. 129 Cf. PAUILLY, Jean. Qumrã. São Paulo: Paulinas, 1992, p. 33.

130 Cf. HORSLEY, Richard A. Jesus e o império: o reino de Deus e a nova desordem mundial. São Paulo: Paulus, 2004, p. 45-46.

131 SALDARINI, Anthony. Fariseus, escribas e saduceus na sociedade palestinense. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 53.

132 Cf. MAIER, Johann. Entre dois Testamentos: história e religião da época do Segundo Templo. São Paulo: Loyola, 2005, p. 253.

133 HORSLEY, Richard A. Jesus e o império: o reino de Deus e a nova desordem mundial. São Paulo: Paulus, 2004, p. 104.

134 DUQUOC, Christian. Cristologia; ensaio dogmático 1: o homem Jesus. São Paulo: Loyola. 1992, 77.

135 Cf. RATZINGER, Joseph. Jesus de Nazaré, Parte II: da entrada em Jerusalém até a ressurreição. São Paulo: Planeta do Brasil, 2011, p. 32.

136 Cf. SOBRINO, Jon. Cristologia a partir da América Latina: esboço a partir do seguimento do Jesus histórico. Petrópolis: Vozes, 1983, p. 215.

1.3.2 O papel da sinagoga na religiosidade judaica

Mesmo que não fosse um prédio mais adequado para as finalidades do culto, a sinagoga adquiriu com o passar do tempo fundamental importância na religiosidade judaica, pois estava próxima da vila, da cidade, das casas dos judeus e, para além de lhes servir de lugar de oração, não substituía o Templo de Jerusalém nas suas funções prescritas pelas leis da Torá. Aliás, era na sinagoga que os judeus aprendiam a amar o Templo e a seguir os preceitos da Lei, inclusive o de se fazer as três peregrinações anuais.

A palavra sinagoga deriva-se do grego synagoge e significa comunidade. A sinagoga, portanto, é o “lugar ou edifício onde a congregação se encontrava,”137 podendo ser uma casa,

um pátio, uma praça138 ou outro local, cuja arquitetura dependia do tamanho e dos recursos econômicos de cada povoado. Outro aspecto particular da sinagoga está no seu papel de suplantar, na vida prática, a importância do Templo.139

Assim como os seguidores de cultos pagãos, os judeus se reuniam no sabbath e em dias santos para a oração e para a escuta de breves sermões.140 A sinagoga era também escola, onde se estudava a Torá e se cultivava o senso de pertença familiar e o sentimento de serem especiais e separados.141

Nas sinagogas havia uma hierarquia constituída encabeçada pelos anciãos que “cuidavam somente dos interesses comuns a todos, e isso ainda apenas no quadro previsto pelas autoridades de cada época.”142 Algumas vezes os “chefes da sinagoga”, geralmente

fariseus,143 entraram em contato com Jesus (cf. Lc 13,14-15).

Jesus frequentou a sinagoga de Nazaré (cf. Lc 4,16-17), a de Carfanaum e as sinagogas da Judeia, lendo a Escritura, ensinado “a Boa Nova do Reino de Deus”, realizando curas e expulsando demônios (cf. Lc 4,31-33.43-44). Recebera, certamente, muitas instruções religiosas e morais proferidas pelos anciãos. Foi na sinagoga que ele aprendeu a amar as Escrituras Sagradas.

137 HORSLEY, Richard A. Arqueologia, história e sociedade na Galileia: o contexto social de Jesus e dos Rabis. São Paulo: Paulus, 2000, p. 132.

138 Cf. SALDARINI, Anthony. Fariseus, escribas e saduceus na sociedade palestinense. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 67 e 114.

139 Cf. GONÇALVES, Oliveira Leite. Cristo e a contestação política: relacionamento de Cristo com o partido Zelota. Petrópolis: Vozes, 1974, p. 65.

140 Cf. FOHRER Georg. História da religião de Israel. 2 ed. São Paulo: Paulinas, 1982, p. 476.

141 Cf. STAMBAUGH, John E & BALCH, David L. O Novo Testamento em seu ambiente social. São Paulo: Paulus, 1996, p. 42-43.

142 MAIER, Johann. Entre dois Testamentos: história e religião da época do Segundo Templo. São Paulo: Loyola, 2005, p. 254.

143 Cf. SALDARINI, Anthony. Fariseus, escribas e saduceus na sociedade palestinense. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 67.

1.3.3 A relação de Jesus com o Templo

Em Nazaré as famílias “guardavam as tradições judaicas (...), circuncidavam seus filhos, celebravam a Páscoa, descansavam no sábado e valorizavam as tradições de Moisés e dos profetas.”144 As famílias seguiam regularmente as tradições judaicas prescritas na Lei. A

família de Jesus, certamente, também observou esses preceitos.

O próprio Jesus era extremamente religioso: jejuava (cf. Mt 4,2), rezava (cf. Lc 4,42), dava esmolas (cf. Jo 13,29), frequentava o Templo (cf. Mc 11,11) e a sinagoga (cf. Lc 4,16). No entanto, se mostrou original com relação à religiosidade judaica: criticou o costume hipócrita (cf. Mc 7,1-13), as leis e ritos religiosos que não estavam a serviço do ser humano, mas o escravizavam socialmente (cf. Mc 2,23-28), e os sacerdotes, escribas e religiosos que se julgavam perfeitos (cf. Jo 19,9-11). Jesus reconhecia a herança espiritual de Israel professando-a abertamente,145 mas estava ciente de que a relação com Pai não estava limitada

a um espaço sagrado (cf. Jo 4, 19-24), por isso rezava com certa regularidade na montanha146 ou no campo.147

Os Evangelhos revelam que Jesus foi ao Templo com frequência; sua atitude, quando percebe a presença de cambistas e comerciantes, foi significativa para marcar postura em oposição ao fazer dessa „Casa de oração‟ um „covil de ladrões‟.148 Quando os chefes dos

sacerdotes e escribas perceberam a postura de Jesus se encheram de temor e começaram a procurar um modo como fazê-lo perecer (cf. Mc 15,19). O desejo de Jesus foi posteriormente interpretado pelos seus discípulos como um gesto de purificação do santuário, de guardar a pureza e a sacralidade do Templo.149

Jesus foi sempre um homem livre: com relação ao Templo, à religião judaica, à sua família, ao ambiente em que vive.150 Jesus não foi um homem de uma família, de uma aldeia ou de uma nação. Ele foi um homem do Reino e para o Reino. Por isso as pessoas o compreenderam como alguém que fala com autoridade (cf. Mc 1,22; Mt 7,29). Sua autoridade emana desta liberdade.

144 CROSSAN, John Dominic & REED, Jonathan L. Em busca de Jesus: debaixo das pedras, atrás dos textos. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 80.

145 Cf. MUSSNER, Franz. Tratado sobre os judeus. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 130. 146 Mt 14,23; Lc 9,28-29.

147 Mc 1,35; Lc 5,16;9,18.

148 Mc 11,15-19; Mt 21,10-17; Lc 19,45-48; Jo 2,13-16.

149 Cf. SCHIMIDT, Francisco. O pensamento do Templo: de Jerusalém a Qumran: identidade e laço social no judaísmo antigo. São Paulo: Loyola, 1998, p. 235.

150 Cf. DUQUOC, Christian. Jesús, hombre libre: esbozo de una cristología. 2. ed. Salamanca, Ediciones Sígueme, 2005, p. 28.

Para Jesus, o período do Templo já havia passado. O fim do templo é significado pela rejeição de Jesus. O próprio Jesus se apresentou como o Novo Templo: com a sua crucificação e ressurreição, se inicia uma nova maneira de venerar a Deus, já não sobre este ou aquele monte, mas “em espírito e verdade” (Jo 4,23).151

Consideramos até aqui a importância e a influência do Templo e da sinagoga no processo de formação intelectual, moral e religiosa de Jesus e a incidência direta na sua missão, enquanto enviado do Pai para o anúncio do Reino. Precisamos agora considerar os aspectos sociais do seu contexto marcado pelo empobrecimento das famílias obrigadas a pagar tributos ao império romano e pela violência de grupos que se organizavam como última saída para lutarem por liberdade e paz. As autoridades romanas e judaicas respondiam aos levantes com crueldade. Qualquer indício de insurreição era prontamente punido para suscitar o medo desencorajar novos líderes ou novas ideias que desentoassem daquela organização.