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2. O DIREITO FUNDAMENTAL À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO PENAL

2.1 O TEMPO NO PROCESSO PENAL

2.1.3 O tempo da sociedade

A ser aplicada com eficácia a legislação penal pátria, converteria o país, num enorme presídio e, somente pequena parcela da população, ficaria do lado de fora dos muros da penitência. É impossível não recordar, a propósito, a figura tragicômica do doutor Simão Bacamarte, o médico tão bem retratado por MACHADO DE ASSIS em 'O Alienista'.

152 MESSUTI, Ana. Op. cit, p. 50-60.

153LOPES Jr., Aury e BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de janeiro, Lumen Juris, 2006, p. 10.

154 LOPES Jr., Aury e BADARÓ, Gustavo Henrique. Op. cit, p. 10, 11.

Induzido por seus altíssimos estudos sobre a pisque humana, o protagonista do conto foi pouco a pouco ampliando seu critério para a classificação dos doentes mentais; e, em pouco tempo, estava internada no manicômio da cidade a população inteira da vila156.

É imperioso observar o princípio da intervenção mínima, que informa o Estado em dois momentos distintos: preliminarmente, o legislador na sua atividade legiferante e, em um segundo plano, o Poder Judiciário. O Direito Penal deve intervir minimamente, somente nos casos de ataques mais graves aos bens jurídicos mais relevantes, ele é subsidiário dos demais segmentos do ordenamento jurídico, jamais poderá ser tido como a prima ratio157. Nesse

mesmo sentido é o que preconiza ROGÉRIO GRECO158.

Ademais, o próprio CLAUS ROXIN, ao tratar do princípio da ultima ratio e os princípios corolários da fragmentariedade e subsidiariedade do Direito Penal afirma:

El Derecho penal sólo es incluso la última de entre todas las medidas protectoras que hay que considerar, es decir que sólo se le puede hacer intervenir cuando fallen otros medios de solución social del problema - como la acción civil, lãs regulaciones de policía o jurídico-técnicas, las sanciones no penales etc. - Por ello se denomina a la pena como la "ultima ratio de la política social" y se define sumisión como protección subsidiaria de bienes jurídicos. Em la medida en que el Derecho penal sólo protege una parte de lós bienes jurídicos, e incluso ésa no siempre de modo general, sino frecuentemente (como el patrimionio) sólo frente a formas de ataque concretas, se habla también de la naturaleza "fragmentaria" del Derecho penal159. (Grifos do original)

Entrementes, vem prevalecendo no Brasil um Direito Penal, excessivamente intervencionista e preventivo, com fundamento na infusão do medo na população e na sugestão da suposta garantia da tranquilidade social. Em uma visão psicossocial, observa-se a sociedade sendo continuamente provocada pelo discurso do populismo penal midiático160 com o protagonismo do jornalismo justiceiro requerendo veementemente a expansão do Direito

156 ASSIS, Machado de, Helena; O alienista. São Paulo: Três livros e fascículos, 1984. 157

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 15.ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 43-45.

158 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 14.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012, p. 47-49. 159

ROXIN, Claus. Derecho penal: Parte General. Traducción e notas Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel Díaz y Garcia Conlledo; Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 65.

160"Segundo Luis Flávio Gomes o Populismo Penal pode ser definido como o conjunto de técnicas especializadas para obtenção de consenso ou de apoio em torno da expansão de um poder, o punitivo. Quando o populismo penal ou discurso hiperpunitivista é realizado pelos meios de comunicação ele é denominado populismo penal midiático, geralmente realizado por meio de jornalismo justiceiro". GOMES, Luiz Flávio. Populismo penal midiático: caso mensalão, mídia disruptiva e direito penal crítico. São Paulo: saraiva, 2013, p. 53, 99 e 106.

Penal e, no mais, a “super eficiência” do processo penal. Trata-se mais minuciosamente da denominada criminologia midiática, da qual trata EUGENIO RAÚL ZAFFARONI:

[...] existe uma criminologia midiática que pouco tem a ver com a acadêmica. Poder-se-ia dizer que, em paralelo às palavras da academia, há uma criminologia que atende a uma criação da realidade através da informação, subinformação e desinformação midiática [...] o discurso, se é que pode chamar assim, da criminologia midiática atual não é outro senão o chamado neopunitivismo dos Estados Unidos, que se expande pelo mundo globalizado. A característica central da versão atual desta criminologia é proporcionada pelo meio técnico empregado: a televisão161.

Esse discurso neopunitivista causa insegurança na sociedade que passa a aceitar como única solução possível o estabelecimento de um sistema legal extremamente repressivo, severo e, acima de tudo, eficiente. Tal sistema penal e processual penal, à força de ser abrangente e rigoroso, acaba por produzir um efeito contrário, qual seja, em vez de garantir as liberdades individuais do cidadão, limita o exercício de tais liberdades. No âmbito do processo penal, como visto anteriormente, tal discurso clama por eficiência, trata-se de um autêntico discurso neoliberal que pretende contaminar o processo penal.

E é nesse rumo que o discurso neoliberal "vende", por meio da mídia o princípio da eficiência como uma norma verdadeiramente "salvadora", uma "lei que liberta", na feliz expressão de FRANÇOIS OST162. Lei que liberta porque é livremente assumida por todos. Este é o jogo, pois faz-se todos pensarem que através da ação mais eficiente os problemas do Poder Judiciário estariam todos resolvidos e, por conseguinte, libertando-se do "burocrático" e "obsoleto" Estado e entregando-se ao "bondoso"163 mercado, todos seriam mais livres e mais felizes. Lembrando LYRA FILHO, jargões desta ordem como "lei que liberta", "mercado que liberta", são tão perigosos quanto aquele "Nacional-Socialismo" que se colocou sobre o nazismo164.

Muitos seguem praticando e repetindo o discurso eficientista sem se darem conta do que realmente este significa. No geral há um manifesto desconhecimento do direito, isto é, um

161 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. A palavra dos mortos: Conferências de criminologia. Coordenadores Luiz Flávio Gomes, Alice Bianchini. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 303-305.

162

OST, François. Contar a lei: as fontes do imaginário jurídico. Tradução Paulo Neves. São Leopoldo: Unisinos, 2005, p. 71.

163 No sentido dado por Agostinho Ramalho Marques Neto. MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. O Poder Judiciário na perspectiva da sociedade democrática: o Juiz Cidadão. In: Revista ANAMATRA. São Paulo, n. 21, p 1994, p. 50.

desconhecimento por parte da sociedade quanto ao seu verdadeiro alcance165. A sociedade obedece e pratica a lei que lhe é ditada, e agora de maneira eficiente, sem realmente compreendê-la, sem se dar conta das consequências desse discurso, cumpre-se a lei como um imperativo categórico moral.

Com efeito, a sociedade pós-moderna clama por eficiência no que tange à resposta penal. A concepção do senso comum social é de que o sistema de Justiça Penal é muito lento e, que o Poder Judiciário é extremamente moroso. Há que se relembrar que o Direito, notadamente o Direito Penal, é uma forma de instituição social de controle do tempo, e a sociedade pós-moderna inserida nessa ideia de tempo curto, na qual o referencial é a velocidade, clama incessantemente por urgência na resolução de conflitos criminais. Para a sociedade o processo penal dura muito tempo de maneira desnecessária, ou seja, não há a menor preocupação com as garantias constitucionais do acusado, para a sociedade o processo penal deve durar o mínimo possível.

Dessarte, a sensação de tempo para a sociedade é diferente do tempo do acusado e do juiz, para a sociedade o tempo corre com mais lentidão no que tange ao processo penal. A sociedade clama por urgência, precisa constatar a punição de maneira muito rápida, isto, pois, o seu tempo relativo é curto, ou seja, para os olhos da sociedade, por exemplo, 1 (um) ano de prisão provisória de um acusado de crime grave é pouco tempo, na verdade pretende-se que o individuo permaneça permanentemente preso.

O tempo do Direito é diferente do tempo da sociedade, para esta última a sensação de passagem do tempo, ou seja, de duração é sempre menor, não se conformando com os prazos processuais e, nem mesmo com os prazos prescricionais. Para o acusado, o tempo que passou no cárcere ou sendo processado, ainda que em liberdade provisória é uma eternidade, já para a sociedade em geral o tempo não passa na mesma velocidade, não se conforma, em geral, com a mera possibilidade de prescrição ou de duração razoável da prisão.