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2. O DIREITO FUNDAMENTAL À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO PENAL

2.1 O TEMPO NO PROCESSO PENAL

2.1.1 O tempo do julgador

Preliminarmente, é fulcral recordar as sábias lições de PEDRO LESSA, citado por JOSÉ RENATO NALINI:

131 GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Risco e processo penal: uma análise a partir dos direitos fundamentais do acusado. Salvador: Editora JusPODIVM, 2009, p.209-210.

132LEONE, Giovanni. TrattatodiDirittoProcessualePenale, v.1, p. 247. Apud. LOPES, Aury. Direito Processual Penal. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 726.

Tratai bem os juízes, tendo sempre em mente as continuas injustiças com que eles são julgados, devido às paixões e aos interesses contrariados pelas sentenças, e a leviandade e precipitações que presidem as apreciações dos interessados133.

O juiz é a figura central do processo, ou o sujeito “piú eminente” da relação processual134. O artigo 125 do Código de Processo Civil dispõe sobre certas atribuições do magistrado, entre elas velar pela rápida solução do litígio. O artigo 251 do Código de Processo Penal, também regulamenta a atividade judicante. Tal dispositivo dispõe que ao juiz caberá prover a regularidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos atos.

No desempenhar da função jurisdicional, o juiz desenvolve uma atividade judicante, solucionando, em face dos elementos de prova, de avaliar livremente, para formar sua convicção sobre a existência material da infração penal, sobre a autoria e a responsabilidade penal135. No processo penal muito se fala do princípio da verdade real, entretanto, é importante afirmar que ninguém detém o monopólio da verdade, ou seja, quando se fala de verdade real ou material, não significa que o juiz deva ter a pretensão de alcançar uma verdade absoluta dos fatos, mas, e apenas, se está fazendo referência aos instrumentos conferidos ao magistrado para, no mínimo, se aproximar da real construção do que realmente ocorreu.

A busca pela verdade processual traduz-se em um valor que legitima a atividade jurisdicional, não se pode considerar como justa uma decisão que não seja baseada em um processo que tenha em perspectiva uma correta verificação dos fatos136. É importante salientar que certeza e verdade, embora sejam conceitos que se aproximem não se confundem. A verdade está nos fatos a certeza, por sua vez, está no sujeito, a verdade é una, no entanto, certeza é algo que pode variar subjetivamente.

A certeza, por conseguinte, constitui a manifestação subjetiva da verdade, sendo um estado de ânimo seguro da verdade de uma determinada proposição. Tendo por base a criteriosa doutrina do professor italiano FRANCESCO MAURO IACOVIELLO, pode-se

133

Pedro Lessa, Discursos e conferências, Apud NALINI, José Renato. Éticageral e profissional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 603.

134 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2.ed. Volume II, Campinas: Millenium, 2000, p. 1.

135

ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de processo penal brasileiro anotado. Volume III. Atualizadores: José Geraldo da Silva e Wilson Lavorenti. Campinas: Bookseller, 2000, p. 289.

afirmar que “a certeza do juiz é a verdade do processo”137

. A atividade do julgador se assemelha muito à do historiador, isto, pois, os dois profissionais vem reconstruir fatos pretéritos, e isso jamais os conduzirá a uma certeza absoluta, a certeza que o juiz no processo pode alcançar será sempre relativa138.

Todavia, o juiz deve estar em busca da verdade, sob pena, de realizar injustiças, aliás, nesse sentido GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ afirma:

Mesmo que se aceite a impossibilidade de se atingir um conhecimento absoluto ou uma verdade incontestável dos fatos, não é possível abrir mão da busca da verdade. Tal renúncia significaria abdicar de uma decisão justa, reduzindo o processo a um mero método de resolução de conflitos de partes, no qual o fim de pacificação social pode ser atingido independentemente do modo de atuação e da exigência de uma reconstrução verdadeira dos fatos139.

Percebe-se que o magistrado necessita de determinado tempo para reconstruir o fato pretérito que é o crime, ou seja, assim como o historiador o juiz necessita de certo tempo para constatar os fatos que ocorreram no passado, e sobre eles construir alguma certeza sobre seus elementos e tomar uma decisão e, além disso, resguardar a regularidade do processo e a manutenção da ordem concatenada de todos os atos processuais. Com efeito, a atividade jurisdicional exige tempo, necessita de um prazo razoável.

Não obstante, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), ou seja, a Lei Complementar N.º 35 de 14 de março de 1979, em seu artigo 35, incisos II e III prevê os deveres do magistrado, haja vista o necessário cumprimento dos prazos legais140. Todavia, muito difícil, quiçá impossível, que os magistrados possam cumprir os prazos previstos nos Códigos de Processo Civil e Penal, no geral, os dispositivos que regulamentam os prazos processuais não tem qualquer eficácia no que tange aos magistrados, haja vista tratarem-se de prazos impróprios.

Os mencionados dispositivos tutelam o bom e célere andamento da justiça, na medida em que estabelece deveres a serem perquiridos pelos magistrados, evitando que os jurisdicionados sejam prejudicados por desídia ou negligência dos julgadores.

137 IACOVIELLO, Francesco Mauro. La motivazionedellasentenzapenale e il suo controllo in Cassazione. Milano: Giuffre, 1997, p. 34.

138

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do garantismo penal. 4.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 55.

139BADARÓ, Gustavo Henrique RighiIvahy. Ônus da Prova no Processo Penal. São Paulo: Ed. RT., pág. 24. 140

“Artigo 35. São deveres do magistrado: II – não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar; III – determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais”.

Ademais, a Resolução N.º 70, de 18 de março de 2008 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) dispõe sobre o planejamento e a gestão estratégica do Poder Judiciário. Conforme o disposto no artigo 1.º, inciso IV um dos objetivos estratégicos do Judiciário é exatamente a eficiência operacional, para viabilizar agilidade nos trâmites judiciais e administrativos.

Aliás, a Resolução N.º 135, de 13 de julho de 2011, veio para regulamentar e uniformizar o procedimento administrativo disciplinar aplicável aos magistrados (trata-se dos PADsMag). Tal procedimento terá aplicação em hipóteses de violação aos deveres expressamente previstos na LOMAN, como por exemplo, a ocorrência de ineficiência na prestação jurisdicional, o escopo é garantir celeridade, utilizando-se para isso, de repressão administrativa.

Os prazos processuais previstos tanto no Código de Processo Civil, como no Código de Processo Penal, talvez fossem adequados, no momento de suas respectivas edições, pois, o número de processos era menor em relação ao volume astronômico que existe nos dias atuais. Atualmente, com esse número extremamente elevado de processos, não há como o magistrado manter seu serviço jurisdicional dentro dos prazos, ainda que conte com assessores excepcionais.

Não se pode outorgar ao magistrado a perspectiva da 'eficiência econômica', pois, este também possui dignidade humana, não se pode exigir que renuncie totalmente à sua vida pessoal pelo trabalho jurisdicional.

Como foi salientado, o magistrado precisa de tempo hábil para decidir os processos com imparcialidade, sob pena de prolatar decisões pouco técnicas e fundamentadas de maneira insatisfatória. Ademais, deve ser grande a preocupação com a possibilidade de erro judiciário. A Constituição Federal reflete a preocupação que se deve ter com a mera possibilidade de injustiças, nesse sentido é o disposto no artigo 5.º LXXV, que determina

Ipsis litteris: "O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar

preso além do tempo fixado na sentença".

Destarte, para que haja diminuição substancial da simples possibilidade da ocorrência de erro judiciário, deve o juiz ter tempo hábil e adequado para julgar, sob pena de, em nome da eficiência, cometer graves injustiças.

Com efeito, essa busca interminável por eficiência na prestação jurisdicional tem o condão de proporcionar inúmeros erros judiciários. Até porque o tempo que o juiz necessita para formar sua convicção sobre os fatos é diferente do tempo da sociedade ou das partes. O juiz deverá formar seu convencimento de maneira serena, não sendo justo, racional e legítimo

exigir do magistrado metas com base na eficiência econômica, sua função jurisdicional não deve ter por base a eficiência econômica, do contrário, não haverá justiça, mas sim, e somente economia do tempo e, fuga de processos administrativos disciplinares de magistrado.

Entrementes, não deve o magistrado exceder os prazos de maneira exponencial, o que se pretende é a razoabilidade que só será encontrada tendo em perspectiva os outros tempos processuais. O tempo do magistrado é diferente dos demais sujeitos processuais, ele é relativo à sua posição no processo. Para o magistrado o tempo correrá de maneira mais vagarosa naturalmente, e isso, em decorrência do princípio da inércia jurisdicional.