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3. Tempo de trabalho: da lei à realidade

3.2 O tempo legal de trabalho

As duas tabelas seguintes apresentam informação acerca do tempo máximo de trabalho semanal e diário, incluindo ou excluindo horas suplementares. Tal como é referido no estudo Developments in Working Time 2015-2016 (Eurofound, 2017b: 9), os países subdividem-se essencialmente em dois grandes grupos no que diz respeito ao máximo de horas semanais de trabalho, excluindo horas suplementares: o dos que estatuem esse limiar nas 48 horas – que é o limite estabelecido pela Diretiva do Tempo de Trabalho; e o dos que definem esse limite num patamar inferior.

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Quadro 41. Máximo legal de horas semanais de trabalho, excluindo ou incluindo horas suplementares, países europeus (2016)

Máximo de horas semanais Máximo de horas semanais, incluindo horas suplementares MHS-MHSS Noruega 40 69 29 Alemanha 48 60 12 Holanda 48 60 12 Áustria 40 50 10 Croácia 40 50 10 Bélgica 38 50 12 Chipre - 48 - R. Unido - 48 - Dinamarca 48 48 0 Irlanda 48 48 0 Malta 48 48 0 Bulgária 40 48 8 R. Checa 40 48 8 Estónia 40 48 8 Grécia 40 48 8 Hungria 40 48 8 Itália 40 48 8 Letónia 40 48 8 Lituânia 40 48 8 Luxemburgo 40 48 8 Polónia 40 48 8 Portugal 40 48 8 Roménia 40 48 8 Eslováquia 40 48 8 Eslovénia 40 48 8 Suécia 40 48 8 França 35 48 13 Espanha 40 41,75 1,75 Finlândia 40 - -

Fonte: Relatório “Developments in working time 2015- 2016” (Eurofound).

Nota: Países ordenados de acordo com o valor para o indicador “máximo de horas semanais, incluindo horas suplementares”.

A Alemanha, a Holanda, a Dinamarca, a Irlanda e Malta formam o grupo minoritário de países cujo tempo máximo de trabalho por semana (excluindo horas suplementares) é de 48 horas. Excetuando a França e a Bélgica, cujos valores que apresentam para esse indicador ficam abaixo do apurado para os restantes países (35 e 38 horas, respetivamente), todos os outros fixavam, em 2016, o limiar máximo em causa nas 40 horas.

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Quadro 42. Máximo legal de horas diárias de trabalho, excluindo ou incluindo horas suplementares, países europeus (2016)

Máximo de horas diárias incluindo horas suplementares Máximo de horas diárias,

Noruega 9 16 Dinamarca - 13 Estónia 8 13 Irlanda - 13 Suécia 8 13 R. Unido - 13 Malta - 12,5 Croácia 8 12 Grécia 8 12 Hungria 8 12 Lituânia 8 12 Holanda 9 12 Roménia 8 12 França 7 10 a 12 Bélgica 8 9 a 12 Eslováquia 8 9 a 12 Áustria 8 10 Bulgária 8 10 Alemanha 8 10 Luxemburgo 8 10 Portugal 8 10 Eslovénia 8 10 Espanha 9 9,29 Letónia 8 Variável Chipre - - R. Checa 12 - Finlândia 8 - Itália - - Polónia 8 -

Fonte: Relatório “Developments in working time 2015-2016” (Eurofound). Nota: Países ordenados de acordo com o valor para o indicador “máximo de horas diárias, incluindo horas suplementares”.

Quando se tem em linha de conta as horas suplementares, constata-se que a grande parte dos países definem o horário máximo semanal nas 48 horas previstas na Diretiva 2003/88/CE. A Noruega é o país onde esse limiar é mais elevado (69 horas) – o que representa um adicional de 29 horas face às 40 horas de trabalho semanal, excluindo horas suplementares –, na Alemanha e na Holanda esse limiar estava fixado nas 60 horas e na Áustria, Croácia e Bélgica nas 50 horas.

101 Tal como é possível observar no quadro 42, o valor modal do limiar máximo de trabalho diário é de oito horas. Quando se tem também em consideração as horas suplementares, esse valor varia entre as nove horas (Bélgica e Eslováquia) e as 16 horas na Noruega.

Os anos da crise foram marcados por alterações legislativas em torno do horário máximo de trabalho e do seu cálculo em certo países. Em Portugal e na Irlanda, no âmbito dos programas de intervenção da denominada troika, foram implementados aumentos dos horários semanais de trabalho na função pública (Lang, Clauwaert e Schömann, 2013). Na Hungria, na Polónia, na Roménia e, mais recentemente, na Bélgica e no Luxemburgo os períodos de referência para o cálculo do tempo de trabalho foram alargados (Eurofound, 2017b; Clauwaert e Schömann, 2012).

Outro aspeto que importa sublinhar neste plano analítico prende-se com a flexibilização da gestão dos tempos de trabalho por parte da entidade patronal. No quadro dos limites legalmente estatuídos do tempo máximo de trabalho diário ou semanal, tem-se assistido em vários países à tentativa de aumentar o poder da entidade patronal na “alocação variável dos tempos de trabalho” (Lang, Clauwaert e Schömann, 2013). Ou seja, ao uso da mão-de-obra de acordo com as necessidades da empresa. Em Espanha, a Lei 3/2012 passou a permitir à entidade empregadora alocar 10% do tempo de trabalho anual de forma flexível (em vez dos anteriores 5%), na Hungria a entidade empregadora passou a poder alterar os horários de trabalho devido a circunstâncias inesperadas com quatro dias de antecedência (redução face aos sete dias anteriormente previstos) e na Bulgária os patrões passaram a poder aumentar as horas de trabalho num determinado dia, compensando esse acréscimo com a redução do tempo de trabalho noutros dias (Eurofound, 2017b; Lang, Clauwaert e Schömann, 2013).

A reforma laboral de 2012 introduziu alterações ao regime do banco de horas, o qual permite à entidade empregadora aumentar o trabalho diário até um certo limite, sem que esse acréscimo seja contabilizado e, portanto, remunerado, como trabalho suplementar – ver arts. 208º - A e B do Código do Trabalho. Em relação ao banco de horas individual, tal como é mencionado no Livro Verde sobre as Relações Laborais

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2016 (Dray et al., 2016), ele consiste num acordo direto entre o trabalhador e a

empresa que não necessita (tal como era anteriormente previsto) da intervenção dos sindicatos e do recurso à negociação coletiva. Esta figura jurídica passou a permitir que o tempo normal de trabalho fosse aumentado em duas horas diárias (50 horas semanais no máximo) durante um determinado período. O banco de horas grupal, por seu lado, possibilita “a extensão do regime de banco de horas a determinada equipa, secção ou unidade económica quando 75% dos trabalhadores que as integram tiverem aceitado a aplicação deste regime” (idem: 145).

Previu-se igualmente, seguindo as orientações do Memorando de Políticas Económicas e Financeiras assinado com a troika, a redução temporária do período normal de trabalho ou a suspensão do contrato de trabalho em situação de crise empresarial. A questão das horas suplementares de trabalho conheceu também desenvolvimentos nos últimos anos. As mudanças que a este nível foram introduzidas em vários países seguem duas lógicas distintas. A primeira consiste no aumento e/ou flexibilização das horas de trabalho suplementar legalmente permitidas. Na Lituânia, o trabalho suplementar foi liberalizado em 2010 (anteriormente o seu uso era bastante restrito). Na Bélgica, na Hungria e na República Checa o número máximo de horas suplementares de trabalho permitidas por lei foi alargado. Mais recentemente, o recurso a este tipo de regime na Bélgica e na Bulgária foi flexibilizado (Eurofound, 2017b; Clauwaert e Schömann, 2012).

Em Portugal, durante o último governo PSD/CDS e no contexto da intervenção da troika, as alterações introduzidas no regime do trabalho suplementar incidiram sobre o seu custo. No ponto 4.6, II do Memorando definiu-se o objetivo de “Revisão da retribuição especial pela prestação de trabalho suplementar prevista no Código do Trabalho”, em particular a “(i) redução para o máximo de 50%; (ii) eliminação do descanso compensatório correspondente a 25% do trabalho suplementar prestado”.19 O objetivo de se reduzir o custo do trabalho suplementar foi vertido no Código do Trabalho, nomeadamente no art. 268º. Segundo esta disposição, “o trabalho

19 Ver “Tradução do Memorando de Entendimento Sobre as Condicionalidades de Política Económica”,

103 suplementar é pago pelo valor da retribuição horária com os seguintes acréscimos: a) 25 % pela primeira hora ou fração desta e 37,5 % por hora ou fração subsequente, em dia útil; b) 50 % por cada hora ou fração, em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em feriado”.20

Em Portugal, a alteração do regime do tempo de trabalho suplementar consistiu, portanto, no embaratecimento do seu custo e não na extensão da possibilidade da sua utilização. As alterações introduzidas significaram um corte para metade dos acréscimos do trabalho suplementar. O valor da primeira hora de trabalho suplementar em dia normal de trabalho passou de um acréscimo de 50% para 25%; o das horas ou frações subsequentes de 75% para 37,5%; e o do trabalho suplementar em dia de descanso semanal ou feriado de 100% (duplicação do valor da retribuição) para 50%. O acréscimo de 50% da retribuição anteriormente previsto para a primeira hora de trabalho suplementar em dia normal de trabalho passou a ser o valor a pagar pelo trabalho suplementar em dia de descanso semanal ou feriado. Eliminaram-se também os benefícios ao nível dos tempos de descanso decorrentes da prestação de trabalho suplementar.

A análise dos tempos máximos de trabalho nos países deve, portanto, ter em linha de conta os níveis de flexibilidade às regras legalmente estatuídas. O Livro Verde sobre as

Relações Laborais, na sua versão atualizada (GEP/MTSSS, 2018: 10), refere que mais de

2/3 dos trabalhadores por conta de outrem do sector privado estavam, em 2016, “abrangidos por uma modalidade flexível de organização do tempo de trabalho.” Segundo o mesmo estudo, “53,6% dos trabalhadores estão abrangidos por regime de adaptabilidade estabelecido em sede de contratação coletiva e 13,1% por regime de adaptabilidade acordado individualmente” (idem). Tal como se referiu, as alterações introduzidas, em 2012, ao Código do Trabalho pelo governo PSD/CDS, no contexto da intervenção da troika no país, aumentaram a flexibilidade das entidades empregadoras na organização dos tempos normais de trabalho, atomizaram a decisão no processo de utilização da figura do banco de horas, e embarateceram o custo do recurso ao trabalho suplementar.

20 Ver versão do Código do Trabalho de Abril de 2016, disponível em

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