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Antes, porém, de tratarmos dos enquadramentos estéticos das notícias na Folha Corrida vale ressaltar o tempo, suas personificações no presente e nas narrativas jornalísticas. Inicialmente, tratamos da temporalidade, mas como conceituar o tempo, propriamente dito?

Essa seria uma discussão improvável para essa dissertação já que o tema é amplo e de enorme abrangência, portanto, para nós, é apenas uma breve explanação escrita com base na coletânea Tempo dos Tempos (2003) desenvolvida sobre esse vasto campo de estudo.

Na antiguidade, a marcação do tempo, nos estudos, apresentando o cosmos como objeto, se dava a partir dos astros e de sua movimentação. O tempo era delimitado como expressão sazonal dos acontecimentos, sendo os ciclos produtivos baseados na caça e na colheita. Nesse contexto, marcava-se o tempo a partir das sucessões solares dos dias, das noites e das estações do ano.

Os gregos, por sua vez, ao utilizarem figuras geométricas para representar os seres e seus acontecimentos, designaram o círculo para a representação do tempo. Platão

o classifica como a imagem móvel da eternidade, enquanto Aristóteles conceitua o tempo como à medida do movimento.

Na Grécia, tempo e temporalidade, enquanto personagens de diversificadas reflexões, não se encontravam sob a tutela exclusiva da Filosofia. Na mitologia grega, três divindades regiam a temporalidade: Aiôn (a eterna presença), responsável pela perenidade imóvel que abarca o passado e o futuro; Khronos (o deus da sucessão dinástica) que encarna a consecutividade das épocas; e Kairós (o deus das encruzilhadas), regente das diferentes opções no que concerne aos momentos oportunos para diferentes caminhos.

Na abordagem do profeta Zoroastro, que se evidencia contrária às concepções gregas e incorporadas à filosofia judaico-cristã e ao pensamento bíblico, o tempo assume uma dimensão linear, com começo, meio e fim, marcado por eventos únicos, portanto não mais cíclicos, tais como os conceitos de Criação, Gênesis e Apocalipse.

A conciliação dessas duas formas, até então defendidas como antagônicas, se concretiza a partir da Idade Média, quando então os teólogos Santo Agostinho e Tomás de Aquino defendem a concepção de tempo linear e cíclico ligado à Eternidade, a Deus e ao Homem.

Na clássica obra XI das Confissões, Agostinho (1990) defende que o tempo não tem ser, centrando suas concepções na existência de três presentes. O autor entende que a aporia dessa discussão se inscreve no ser e no não-ser do tempo, haja vista a interpretação de que o futuro ainda não é; e o passado não é mais.

A análise do tempo está, assim, inserida em uma meditação relativa à eternidade, uma vez que, como já se afirmou, a aporia dessa discussão se inscreve no ser e no não-ser do tempo. Assim, somente é possível mensurar algo que, de algum modo, é (presente). O paradoxo no pensamento agostiniano incrusta-se no distentio animi, na distensão do tempo por meio da alma humana.

Segundo ele, tratamos de medir a duração do tempo afirmando ser longo ou curto, observando sua extensão e realizando medições, mas, somente o fazemos com o passado, que se alonga, e com o futuro, que se encurta. Tais classificações, por assim dizer, não se enquadram em relação ao presente, considerando ser ele o momento, o instante. Para Agostinho (1990), o que medimos é o futuro compreendido como espera e o passado compreendido como memória.

O religioso afirma ainda que “onde estejam, quaisquer que sejam as coisas futuras ou passadas, só estão aí como presentes”. (AGOSTINHO, 1990. p. 18-23). A argumentação apoia-se numa tríplice equivalência do presente, dizendo: “o presente do passado é a memória, o presente do presente é a visão (contuitus) e o presente do futuro é a espera” (AGOSTINHO, 1990. p. 20-26). Assim, o presente é elemento do tempo que não pode ser dividido em parcelas de instantes, não possui espaço num instante pontual, logo, não possui extensão.

Nessa dialética dos três presentes, narramos e predizemos acontecimentos. Ricoeur (1994), a partir das concepções agostinianas, afirma que narração implica memória e previsão, espera. “É graças a uma espera presente que as coisas futuras estão presentes a nós como porvir” (RICOEUR, 1994, p.27).

O autor ressalta, portanto, que a medida do tempo se faz em determinado espaço e que todas as relações entre intervalos de tempo concernem a „espaços de tempo‟. Afirma ainda que, diferente de outros filósofos, como Aristóteles e Platão, que medem o tempo pela movimentação dos astros, apenas Agostinho admite falar de espaço do tempo – um dia, uma hora – sem referências cosmológicas. Nesse contexto, o que medimos na verdade são “os tempos que passam”, não passado, futuro ou presente.

Nas interpretações de Motta (2004) sobre as teorias de Ricoeur, há uma estrutura pré-narrativa da experiência temporal do mundo que permanece implícita nas mediações simbólicas da ação, que ele considera indutora da narrativa. A prática cotidiana ordena e articula o passado, o presente e o futuro.

Valendo-se das aporias de Santo Agostinho para explicar a estrutura temporal primitiva (do mundo da práxis), Motta (2004) também observa que não há tempo passado nem tempo futuro, somente um intercâmbio que a ação efetiva faz surgir entre as dimensões temporais, um tríplice presente – das coisas passadas, futuras e presentes.

A partir da ótica jornalística, os acontecimentos seriam como matéria-prima da ação dos meios de comunicação. Nesse sentido, o termo „presentismo‟:

[...] aparece como uma constatação de que a perspectiva temporal que alicerçou a forma como na vida moderna percebemos o mundo – não apenas da maneira individual, mas fundamentalmente em termos sociais – baseada em uma idéia de passado, presente e futuro de um ontem, de um hoje, e de um amanhã se manifesta em certa crise. (ANTUNES, 2007, p.9)

As noções de temporalidade também são investigadas por Ricoeur (1994), por meio das concepções aristotélicas, cuja tessitura da intriga (muthos) e a atividade mimética (mimese) de imitação e reconfiguração dos acontecimentos formam uma réplica invertida do distentio agostiniano. Nesse mecanismo de concordância e discordância se propõe que o muthos temporal dos acontecimentos prepara as narrativas para seus enquadramentos. A mimética, portanto, acentua ainda a imitação criadora da experiência temporal vivida pelo desvio da intriga.

Ao propor uma compreensão da lógica narrativa e de sua temporalidade, Ricoeur (1994), fazendo uma análise das representações aristotélicas como tratado sobre a arte de compor intrigas, procura entender e conceituar a narrativa como uma categoria globalizadora, uma espécie que incorpora a ficção e a história, cujo paradigma de ordem é aplicável ao conjunto do campo narrativo.

É nesse contexto de construção da narrativa a partir da reformulação do tempo que se constitui o mecanismo informativo da Folha Corrida, que agrupa fragmentos de várias notícias para dar coesão a um todo pragmático e significativo. A partir das notícias escritas no jornal Folha de São Paulo, a Folha Corrida, por meio de suas colunas, reclassifica, em seu espaço, informações, que ganham nova “roupagem” e se tornam elementos próprios, de vida própria, proporcionando ao leitor mais uma

porta de entrada do jornal. O tempo dá o tom, ele é o que liga a materialidade ao conteúdo.