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É relevante para este trabalho a discussão acerca do “terceiro setor”, para, no capítulo seguinte, pensarmos sua relação/conseqüência com/para o Serviço Social, em face ao desmonte do Estado no que se refere às políticas públicas.

Com a expansão do ideário neoliberal e o afastamento do Estado de sua responsabilidade social, abre-se uma cisão no atendimento à população e, assim, entra em cena um novo ator: o “terceiro setor”; com ele também se deslocam algumas possibilidades de trabalho do assistente social, fazendo com que seja extremamente necessário entender melhor que novo ator é esse. Quais são as possibilidades que ele proporciona ao assistente social, enquanto empregador? Que frentes de trabalho abre para o atendimento à população? Acreditamos que para analisarmos as peculiaridades do mercado profissional no campo do “terceiro setor”, devemos nos debruçar sobre o sentido histórico deste objeto de estudo, inserido em um contexto social amplo, com base nos ditames do projeto neoliberal e sua conseqüente reforma nas bases do Estado.

Cabe aqui relembrarmos o fato de que, historicamente, o Serviço Social sempre trabalhou com entidades sociais e que a presença do setor filantrópico é uma constante no trabalho social, especialmente na Assistência Social. Como podemos observar desde o surgimento da profissão.7

Burguesia, Igreja e Estado uniram-se em um compacto e reacionário bloco político, tentando coibir as manifestações dos trabalhadores eurocidentais, impedir suas práticas de classe e abafar sua expressão política e social. Na Inglaterra, o resultado material e concreto dessa união foi o surgimento da Sociedade de Organização da Caridade em Londres, em 1869, congregando os reformistas sociais que passavam agora a assumir formalmente, diante da sociedade burguesa constituída, a responsabilidade pela racionalização e normatização da prática da assistência. Surgiam, assim, no cenário histórico os primeiros assistentes sociais, como

agentes executores da prática da assistência social, atividade que se

profissionalizou sob a denominação “Serviço Social”, acentuando seu caráter de prática de prestação de serviços. (MARTINELLI, 1989, p. 66).

7 O tema institucionalização do Serviço Social será retomado e melhor trabalhado no próximo

Retomando as análises sobre o “terceiro setor”, acreditamos ser salutar esclarecer a fragilidade desse conceito. Comumente esse fenômeno é estudado de forma isolada dos outros “setores”; é generalista, pois lhe falta rigor teórico devido à distância existente entre o que ele representa ser (solidariedade, filantropia, caridade...) e o que realmente é (a expressão neoliberal). Aqui o estudaremos, não como um fenômeno isolado, mas como expressão das transformações do capital. Ele possui origem norte-americana, num contexto de voluntariado e individualismo neoliberal. No Brasil chega por intermédio da Fundação Roberto Marinho, revelando- se aí, a clara intencionalidade desse fenômeno. Por conta dessas questões, utilizamos este conceito entre aspas.

Assim, o termo é constituído a partir de um recorte do social em esferas: o Estado (“primeiro setor“), o mercado (“segundo setor”) e a “sociedade civil (“terceiro setor”). Recorte este [...] claramente neopositivista, estruturalista, funcionalista ou liberal, que isola e autonomiza a dinâmica de cada um deles, que, portanto, desistoriciza a realidade social. Como se o “político” pertencesse à esfera estatal, o “econômico” ao âmbito do mercado e o “social” remetesse apenas à sociedade civil, num conceito reducionista. (MONTAÑO, 2002, p. 53).

Embora não concordemos com o termo “terceiro setor”, utilizamo-lo pelo sentido já disseminado entre as pessoas, como explica Fernandes. Também porque consideramos as outras terminologias ainda mais equivocadas, como o conceito de nonprofit sector, algo que se constrói por fora do mercado e do Estado, ou até Independent Sector, setor independente. No decorrer do trabalho, demonstraremos o contrário, que há muita relação entre esses setores.

O Terceiro Setor é um conceito, uma expressão de linguagem entre outras. Existe, portanto, no âmbito do discurso e na medida em que as pessoas reconheçam o seu sentido num texto ou numa conversação. (Fernandes, 2000, p. 25).

É importante, deixar claro que “terceiro setor” e “sociedade civil”8 não são sinônimos; fortalecer a sociedade civil é fortalecer seu espaço decisório dentro do âmbito estatal, pois é neste espaço que se pode exigir os direitos.

8 “A sociedade civil é constituída de variados organismos, ou seja, ela é o conjunto complexo; o seu

Não cabe conjecturar sobre qualquer capacidade do TS9 de

responder pelo conceito de sociedade civil. Isso seria trocar a parte pelo todo. Explicando melhor: a sociedade civil manifesta-se e apresenta-se pela conformação de uma opinião pública regulada pelas tensões; o TS, admitindo-se para ele alguma forma de organicidade, manifesta-se também por meio de grupos ou instrumentos de pressão. Aqueles que estabelecem essa identidade querem fazer crer que a manifestação do TS, mesmo que com capacidade desproporcional de repercussão, guardaria a única representatividade de se expor no lugar de um ambiente extraordinariamente mais complexo do que ele. O conceito de sociedade civil diz respeito a outra instância de reflexão social e organiza uma totalidade que difere, radical e conceitualmente, de qualquer grupamento organizado, identificado por propriedades comuns. (CABRAL, 2008, p. 51).

Também é importante a explicação de Dagnino (2006, p. 15) quanto ao conceito de sociedade civil como um ator não homogêneo e permeado de projetos que disputam entre si.

Uma primeira insatisfação é a insistente tendência a tratar a sociedade civil como um ator unificado, sem reconhecer sua heterogeneidade intrínseca, vício recorrente na análise política latino- americana. Uma das maneiras de não somente reconhecer essa heterogeneidade, mas de expô-la de modo a contribuir para um estudo mais complexo das diferentes configurações do processo de construção democrática é identificar os distintos projetos em disputa em torno desse processo.

Assim como a sociedade não pode ser pensada de forma homogênea, o “terceiro setor” também deve ser entendido a partir da sua heterogeneidade, visto

conteúdo, segundo as categorias sociais que atinge. Assim, a sociedade civil pode ser considerada sob três aspectos complementares.

• Como ideologia de classe dirigente, ela abrange todos os ramos da ideologia, da arte à ciência, incluindo a economia, o direito etc;

• Como concepção de mundo difundida em todas as camadas sociais para vinculá-las à classe dirigente, ela se adapta a todos os grupos; advém daí diferentes graus qualitativos: filosofia, religião, senso comum, folclore;

Como direção ideológica da sociedade, articula-se com três níveis essenciais: A ideologia propriamente dita, a “estrutura ideológica”, isto é, as organizações que a criavam e defendem – e , o “material ideológico”, ou seja, os instrumentos técnicos de difusão da ideologia (sistema escolar, mídia, bibliotecas, etc)” (PORTELLI, 1997, p. 22 apud NASCIMENTO, 2004, p. 04).

que nele encontramos atores diferenciados tanto por sua natureza, quanto por seus interesses e objetivos sociais.

Pode parecer estranho incluir numa mesma categoria organizações que vão desde abrigos para indigentes até museus ou universidades, que compreendem desde uma entidade para defesa dos povos indígenas na Amazônia até uma sociedade para a restauração de antigos cemitérios nas cidades do interior da Estônia. Mas é exatamente a produção e discussão da idéia (...) que está na base dos inúmeros debates, publicações e centros de pesquisa que se vêm desenvolvendo, em âmbito internacional, sobretudo a partir dos anos 80, mobilizando e relacionando gente do campo acadêmico e das próprias entidades sem fins lucrativos. (LANDIM, 1993, p. 5). Mesmo que hoje esse termo (sociedade civil) tenha sido apropriado pelo projeto neoliberal e, neste cenário, signifique justamente o contrário, o enfraquecimento das responsabilidades do Estado, atualmente, o espaço da sociedade civil pode significar tanto a arena de luta pela hegemonia, na concepção gramsciana10, quanto um espaço despolitizado que usa a filantropia para ser funcional ao neoliberalismo e abre um espaço para a privatização das políticas públicas.

Percebemos que o discurso do “terceiro setor” é cercado de interesses ideológicos11. Assim é crucial entender que

[...] o debate do terceiro setor, por escamotear e mistificar os reais processos de transformação social, por criar uma resignada cultura do ‘possibilismo’, desenvolve um campo fértil para o avanço da ofensiva neoliberal de retirar e esvaziar as históricas conquistas sociais e dos trabalhadores, contidas no chamado ‘pacto keynesiano’12, gerando maior aceitação e menor resistência a este

10 “A hegemonia expressa a direção e o consenso ideológico (de concepção de mundo) que uma

classe consegue obter dos grupos próximos e aliados. A conquista progressiva de uma unidade político-ideológica – de uma direção de classe – requer a busca do consenso dos grupos sociais aliados, alargando e articulando seus interesses e necessidades”. (DURIGUETTO, 2005, p. 85).

11 É por meio da ideologia que “o ponto de vista, as opiniões e as idéias de uma das classes sociais –

dominante e dirigente – tornam-se o ponto de vista e opinião de todas as classes e de toda sociedade. A função principal da ideologia é ocultar e dissimular as divisões sociais e políticas, dar- lhes a aparência de indivisão e de diferenças naturais entre os seres humanos.” (CHAUÍ, 2002, p. 174).

12 No pacto keynesiano “coube ao Estado viabilizar salários indiretos por meio das políticas sociais

públicas, operando uma rede de serviços sociais, que permitisse liberar parte da renda monetária da população para o consumo de massa e conseqüente dinamização da produção. Esse acordo entre

Estado, empresariado e sindicatos envolveu uma ampliação das políticas públicas, que passaram a

dispor de ampla abrangência, permitindo que fosse liberada parcela da renda familiar para o consumo.” (IAMAMOTO, 2001, p. 115).

processo. Por conta disso, este debate soa aos ouvidos de Ulisses como um sedutor ‘canto de sereia’, que o empurra às profundezas do mar. (MONTAÑO, 2002, p. 23).

Através da veiculação da mídia, a retórica neoliberal se reproduz e ganha força não só no âmbito das empresas, entre seus funcionários, mas também na sociedade em geral, que passa a acreditar na postura de solidariedade da empresa e acaba cooperando com a ofensiva neoliberal na medida em que a sociedade assume o papel de responsável pelas políticas sociais.

Quando mediamos a ajuda ao próximo pelo consumo de produtos, acabamos por transformar o outro em produto: desodorante (menor carente), tintura para cabelos (abrigo para idosos), sandália feminina (deficientes físicos). E transformar o outro em produto é inseparável da transformação do eu em produto, gerando uma sociedade onde não há reconhecimento da alteridade, onde tudo é mercado, até a miséria. (EZEQUIEL, 2006, p. 146).

Sader (2004, p. 06) aponta para os perigos do mercado em controlar a vida social.

Quando se impôs ao senso comum o “mercado” como regulador das relações sociais e econômicas, o que não se diz é que isso se faz às custas dos direitos e da democracia. Por que cada vez que algo cai na esfera do “mercado”, sai do controle da sociedade, deixa de ser passível da cidadania por meio do poder público, para ser decidido pelo poder do dinheiro, que é quem comanda “os mercados”.

Costa (2006, p. 165) também aponta para os perigos do mercado na gestão da vida social e mais ainda, para a necessidade do Estado em fazer essa gestão.

Já existe um consenso de que o mercado é eficiente para alocar recursos, dinamizar a produção, mas incapaz de criar uma sociedade mais igualitária. Para criar padrões de igualdade social é necessária a ação reguladora do Estado. Nem tudo se resolve via mercado. É preciso discutir padrões éticos e socialmente aceitáveis para a convivência humana. Não se pode transformar o conceito de cidadão em consumidor, não podemos confundir interesse público com produção de mercadoria, nem tudo pode ser bem de mercado numa sociedade que se afirma democrática.

Ezequiel (2006) utiliza o conceito de sociedade do espetáculo de Debord (1967), para entender a publicidade em torno da responsabilidade social.

“Assim, a sociedade moderna é a sociedade do espetáculo, reino absoluto do fetichismo e do consumo, manifestando-se num mundo fragmentado, separado. [...] uma campanha publicitária para venda de produtos ou melhoria da imagem institucional que utiliza uma estratégia com apelo “social” – também denominada “responsabilidade social empresarial” – repassa a responsabilidade pela “ajuda” aos necessitados para o consumidor e concede à empresa protagonista, num passe de mágica, o título de “cidadã”, um diferencial competitivo “espetacular” que potencializa as vendas e fortalece a imagem da empresa, mas não ameniza as seqüelas da “questão social”; pelo contrário, dificulta-lhe o entendimento e a possibilidade de superação. (EZEQUIEL, 2006, p. 140, 148).

Entendemos que a vida na sociedade do espetáculo sofre uma diminuição da criatividade e a possibilidade de imaginar e acreditar em um outro projeto societário torna-se mais difícil, já que todos os espaços da vida social são perpassados pela alienação.

A sociedade foi totalmente remodelada sob a “aparência” da democracia, não sendo permitida a concepção de nenhuma alternativa. Esse mundo integrado favorece a expansão do neoliberalismo, pois nunca o poder foi mais perfeito. Consegue-se falsificar qualquer coisa, até os próprios movimentos contestatórios. E, como ninguém consegue verificar nada pessoalmente, só resta verificar em imagens, imagens que os outros escolhem. (EZEQUIEL, 2006, p. 141).

Para conseguir esses resultados, as empresas utilizam o que a filósofa Marilena Chauí entende por discurso competente, aquele que perdeu as amarras com seu tempo histórico, com o seu significado social e sua capacidade de ser instituinte, ou seja, capaz de criar e transformar a realidade. Por isso, o discurso “humanizador” é capaz de com eficiência ocultar a exploração de uma classe sobre a outra, as desigualdades sociais e as contradições entre os interesses de cada classe e as lutas que possuem. A ideologia é formada por um sistema de representações e normas que nos “ensinam” a como entender e agir no mundo. Ela é a linguagem do especialista que faz desaparecer a experiência humana e nós nos sentimos obrigados a interiorizar esse discurso para sermos “competentes”. Eficiência conseguida por uma educação que não deseja formar pessoas críticas, ou seja, que vão às raízes, às explicações e motivos que o sistema capitalista camufla

do nosso entendimento, pois, camufladas, elas dão coerência a esse discurso. Assim, diz Martins (1978 p. XI):

Entendo que o modo capitalista de produção, na sua acepção clássica, é também o modo capitalista de pensar e deste não se separa (...) O modo capitalista de pensar, enquanto modo de produção de idéias, marca tanto o senso comum quanto o conhecimento científico. Define a produção das diferentes modalidades de idéias necessárias à produção das mercadorias nas condições da exploração capitalista, da coisificação das relações sociais e da desumanização do homem. Não se refere estritamente ao modo como pensa o capitalista, mas ao modo de pensar necessário à reprodução do capitalismo, à reelaboração das suas bases de sustentação – ideológicas e sociais. (...) O modo capitalista de pensar é a mediação necessária na produção e reprodução em crise da alienação que subjuga quem não é capitalista, invertendo o sentido do mundo e dando uma direção conservadora e reacionária à ação que deveria construir a sociedade transformada, desvinculando o contraponto entre si e o saber e a prática.

Percebemos pela citação anterior que a ideologia permeia múltiplas dimensões da vida social e provoca uma valorização da política empresarial, ou do “modo capitalista de pensar”; isso resulta na adoção dessa política por vários âmbitos, incluindo os setores públicos e as instituições sociais que passam a se adequar às exigências de qualidade do mercado como se fossem empresas lucrativas, buscando os tão desejados selos de qualidade e certificações, pois, com isso, angariam respeito e notoriedade, tornando mais fácil conseguir parcerias privadas. Como Iamamoto (2001, p. 120) bem cita:

[...] Demonstra, na óptica governamental, o esgotamento da “estratégia estatizante” e a necessidade de superação de um estilo de administração pública burocrática a favor do “modelo gerencial”; descentralizado, voltado para eficiência, o controle de resultados, com ênfase na redução dos custos, na qualidade e na produtividade. Apóia-se nos princípios da confiança, descentralização de decisões e funções, formas flexíveis de gestão, a horizontalização das estruturas, incentivos à criatividade, orientação para o controle de resultados e voltada ao “cidadão cliente”.

A única forma de enfrentamento a esse crescente processo que ganha espaço e aceitação na sociedade é a análise crítica; cabe ao profissional de Serviço

Social que se coloca como comprometido com a classe trabalhadora ser um questionador, buscar com argumentos e ações desvendar os reais motivos por trás da noção de responsabilidade social e as suas conseqüências para a população; colaborar, ainda, para um processo de desmistificação desse fenômeno, das contradições e desigualdades que a ideologia tenta ocultar para reproduzir o projeto dominante.

O projeto neoliberal encontrou no “terceiro setor” uma forma de responder às carências deixadas pelo Estado no atendimento às políticas básicas: de forma paliativa e pontual a população recebe um atendimento, mesmo que esse seja de baixa qualidade e não solucione os problemas em longo prazo. Um outro caráter desse atendimento é o critério cada vez menos universal e mais seletivo, descaracterizando o sentido do direito.

As políticas sociais – já precárias, pouco cidadãs e universais -, com o agravamento das condições econômicas e do mercado de trabalho, sofreram triplamente. Primeiro, pela redução de recursos que acompanhou os diversos ajustes fiscais e deteriorou qualitativamente e quantitativamente os serviços sociais básicos, sobretudo nas áreas com elevada participação de recursos da esfera federal, como a saúde. Segundo, pela redução do uso de políticas universalistas e pela generalização do uso de programas sociais extremamente focalizados, sem estratégia, assistencialista e clientelista na relação com o público-alvo. Terceiro, porque estas mudanças vieram, quase sempre, acompanhadas de propostas de reformas sociais explicitamente privatizantes, favorecidas pela falência organizada dos serviços públicos. (MATTOSO, 2000, p. 37)

Talvez pelo populismo presente em nosso país, que substitui os direitos sociais pelas relações de troca de favores, na qual presenciamos a apropriação da coisa pública para servir a interesses privados, exista um espaço tão propício para divulgação da solidariedade e do projeto de desmonte do Estado. Por retirar a responsabilidade do Estado e atribuí-la à sociedade civil, o projeto neoliberal reitera o que existe de mais arcaico, o sentimento de comunidade para dar-lhe ares de moderno.

A pobreza no Brasil gera comoção, ela nunca provocou revolução e nem mesmo mudança ética no padrão de relacionamento entre as elites e os segmentos populares. Uma sociedade fundada num patrimonialismo que fez do privilégio a regra, na qual a cidadania

como condição de igualdade em direitos e deveres ainda convive com a apologia ao mando tradicional, precisa mais do que mudanças legais. É necessário construir um novo padrão entre as classes e ampliar o poder político dos que vivem na base desta sociedade. A democracia, se reduzida às regras de transição de governos ou método para tomada de decisão, se esvazia do conteúdo revolucionário da luta pela igualdade entre os homens. (COSTA, 2006, p.142).

Dagnino (2006, p. 17) chama atenção para um fenômeno extremamente importante na compreensão do discurso ideológico contido no “terceiro setor”, que é a situação que denomina “confluência perversa”, diferentes projetos se utilizam de um discurso comum dando a ele diferentes interpretações, sem torná-lo claro o suficiente.

“A utilização dessas referências que são comuns, mas que abrigam significados muito distintos, instala o que se poderia chamar de uma crise discursiva: a linguagem corrente, na homogeneidade de seu vocabulário, obscurece diferenças, dilui matizes e reduz antagonismos. Nesse obscurecimento se constroem sub- repticiamente os canais por onde avançam as concepções neoliberais, que passam a ocupar terrenos insuspeitos.”

Quanto aos terrenos insuspeitos citados pela autora podemos considerar a solidariedade. Como estratégia para incentivar a prática voluntária pela sociedade civil, o Estado adota o discurso da solidariedade e da responsabilidade social; trata- se de uma estratégia ideológica e por isso não posta claramente na realidade; ela é capciosa, apropria-se do desejo da sociedade em ver solucionados os problemas sociais e coloca seu projeto de ajuda mútua como a única forma das pessoas alcançarem esse objetivo; “se cada um fizer a sua parte, a coisa vai melhorar”. Analisando somente essa frase tão propagada no senso comum, podemos identificar os ”lucros” do capitalismo com o “terceiro setor”:

• Cria uma cultura de ações individualistas;

• Desarticula a sociedade civil, enquanto coletividade, e assim consegue enfraquecer as reivindicações;

• Reduz a responsabilidade pelas políticas públicas do âmbito estatal;

• Colabora para criação de “superávit primário”, reversa para pagamento da dívida externa, fruto dos cortes nos serviços sociais.

Ao realizar uma análise mais atenta, percebe-se que o próprio fato da “parceria” entre Estado e sociedade civil já dá indícios dos resultados das transformações que vivenciamos. Concordamos com o dizer de Iamamoto (2001, p. 126), ao afirmar que atualmente presenciamos:

[...] um crescimento de parcerias do Estado com Organizações Não

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