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A existência de um tecido organizado, comunitário, estruturado de diversas formas é o elemento essencial, é a condição essencial que permite dizer que a comunidade não só deseja participar, mantem todas as condições organizativas e de estruturação para participar de uma

forma propositiva e organizada, e isso é muito importante. (ROLNIK, 2003. p.2).

Diante da presente citação, pode-se ter a falsa impressão de estímulo às organizações não governamentais. Desavisados são esses. A comunidade organizada a partir de forças endógenas no sentido de organizar lutas e resistências coletivas e espontâneas buscando preservar seus interesses, nada tem em comum com o grupo de pessoas impregnadas de sentimentos filantrópicos arrebanhadas pelo Estado através de suas instituições buscando através destas ocupar os vãos existentes para a manutenção de políticas o bom andamento destas instituições. É, portanto necessário que se faça uma clara distinção entre as formas de redes de organizações civis, sem que, no entanto caiamos na rotina de mudança de nomenclaturas para instâncias que tem o mesmo objetivo diante da sociedade. Scherer- Warren (2005), segmenta as redes de movimentos sociais em oito tipos de redes: Ações Voluntárias, Economia Solidária, Terceiro Setor, Ações Humanitárias, Redes Identitárias, Ações Educativas, Democracia Participativa e Cidadania Planetária. Este tipo de segmentação conduz a uma gama variada de análises destas organizações, desviando para tanto, o foco da visão mais contundente que são as organizações privadas de defesa dos interesses públicos ocupando os mesmos espaços das antigas cruzadas assistencialistas, no entanto agora encouraçadas por uma roupagem mais encantadora, através das mais diversas denominações que se atribuem à estas entidades.

Foi através da lei número 9.790 de 23 de março de 1999, que qualifica as pessoas jurídicas de direito privado, declaradas sem fins lucrativos, como organizações da sociedade civil de interesse público, que se deu início a uma nova era no campo social no Brasil.

A emergência desta nova esfera produziu (e produz) políticas sociais focalizadas, afastando-se dos princípios de universalização dos direitos. Os serviços prestados reduzem-se

em sua quantidade e em sua variedade, pois os atendimentos passam a ser realizados de acordo com as necessidades pontuais dos grupos sociais atendidos pelas ONGs, e a população, a partir deste advento, passa a ser atendida de acordo com os recursos financeiros que são destinados as entidades inseridas na comunidade.

Na cidade de Florianópolis, Estado de Santa Catarina, tem-se um objetivo exemplo de assunção pela sociedade civil de objeto de responsabilidade do Estado. O Lar Recanto do Carinho – organização não governamental - é criado em 1992, a fim de preencher uma lacuna existente no serviço de saúde do Estado. Crianças e adolescentes eram abandonadas em entidades de assistência social e/ou internadas em hospitais, por terem seus testes para confirmação da presença do vírus da AIDS positivados. O Grupo de Apoio e Prevenção a AIDS, diagnosticando tal situação, e ciente da necessidade de dar novo presente e futuro a estas crianças e adolescentes, cria o Lar, que se destina ao público, filhos de pais portadores do HIV e/ou doentes de AIDS, crianças estas órfãs ou em situação de risco de morte.

A situação narrada pode ser observada por dois distintos ângulos de análise. Um em que está explicito o desenvolvimento de uma atividade pública por organização particular, de relevante função social pela resposta inequívoca àquela necessidade, ligando o indivíduo, sujeito de necessidades, à organização responsável pela resolução do problema identificado, exacerbando, desta forma, os valores da solidariedade humana, da atividade voluntária, de altruísmo, e do compromisso com o bem comum. O outro ângulo de análise fica por conta da visão crítica em relação à postura omissa do Estado diante das necessidades sociais cuja obrigação legal pelo atendimento, cabe a si.

O retumbante e ascendente crescimento do terceiro setor no Brasil, e a intrínseca relação deste com o Estado, caracteriza contraditoriamente pela simpatia que tem causado a alguns grupos da sociedade e a aversão que tem causado a outros segmentos sociais. Caracteriza-se pela relação figadal que tem se estabelecido entre esta esfera e o Estado, e em alguns casos pela forma e ação que desempenham, tem-se tornado verdadeiros apêndices da ação estatal, servindo, então, dentre outros atributos, para liberar o Estado dos vínculos com a manutenção e expansão das estruturas físicas bem como a desresponsabilização deste com os vínculos profissionais com os trabalhadores que muitas vezes desempenham funções constitucionais estritamente estatais.

A proposição da implantação, de bombeiros mistos (hoje chamados bombeiros comunitários), em que militares estaduais trabalhariam em conjunto com os cidadãos que de

maneira voluntária, depois de submetidos a um prévio treinamento pelo Corpo de Bombeiros Militar, foi feita de maneira formal por Milton Antonio Lazzaris, oficial do Corpo de Bombeiros, no ano de 1989, em sua dissertação de conclusão do Curso Superior de Polícia Militar. E esta questão é articuladora da análise desenvolvida neste trabalho.

Aos assistentes sociais, profissão que tem espaço privilegiado na composição do corpo funcional das organizações de terceiro setor, é necessário ter bem definido o papel que o terceiro setor cumpre frente à reforma estatal. Urge assim ao debate profissional e teórico do serviço social reconhecer a contraditoriedade que se desvela a cada análise mais aprofundada sobre a inserção do terceiro setor nas atividades de cunho público, sem que isso implique na perda da qualidade dos serviços prestados aos usuários.

2.2 O DEBATE: SERVIÇOS PÚBLICOS X SERVIÇOS PÚBLICOS DE INICIATIVA