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O processo de retração das instituições estatais: o paradoxo do Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina

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Academic year: 2021

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O PROCESSO DE RETRAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES ESTATAIS – O

PARADOXO DO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DE SANTA

CATARINA.

Dissertação apresentada à banca examinadora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Serviço Social.

Orientadora: Profª. Drª. Beatriz Augusto de Paiva

FLORIANÓPOLIS 2008

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ALEXANDRE ARGOLO MESSA SAMPAIO

O PROCESSO DE RETRAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES ESTATAIS – O

PARADOXO DO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DE SANTA

CATARINA

Dissertação submetida à avaliação da Banca Examinadora para obtenção do

título de Mestre em Serviço Social e aprovada, atendendo às normas da

legislação vigente da Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de

Pós-graduação em Serviço Social.

BANCA EXAMINADORA:

________________________________________

Profª Drª Beatriz Augusto de Paiva (UFSC)

______________________________________

Profª Drª Heloisa Maria José de Oliveira

_______________________________________

Profª Drª Ivete Simionatto

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Agradecimentos

Palavras sempre me pareceram áridas e verdadeiras algemas à expressão dos sentimentos.

Ao concluir essa etapa no meu eterno processo de formação, vêm-me a memória a admiração e respeito com os quais meu pai fala dos Mestres e dos Doutores Honoris Causa quando se referia à grandes conhecedores de alguma causa. Pois bem... Por tudo que são e que fazem de suas vidas e nas vidas dos outros, ainda não encontrei mestres maiores nessa existência terrena que o Seu João e a Dona Maria. Obrigado por seus exemplos que convencem e arrastam.

A minha filha, a pequenina Maria Clara, que surgiu de repente, no meio do mestrado, para me fazer rir ao transformar os livros que em determinado momento estavam me parecendo hostis, em escadas para alcançar o teclado com suas mãozinhas miúdas.

Ao meu filhote Mateus, pela sua doce presença e pelos abraços e carinhos nas costas cansadas e pelas 678 vezes que me perguntou: pai, tu já acabasse?

A minha esposa Simone, heroína que suporta as mudanças constantes de rota daquele aluno do Colégio Técnico em Agropecuária que conheceu há 20 anos atrás.

As Professoras e Professores do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social pela forma sempre afetiva, atenciosa e profissional com que fui atendido.

A Profª Drª Beatriz, a Biá, orientadora na Graduação e no Mestrado, pelo estímulo a pesquisa e a busca de fontes muito além daquelas que eu poderia imaginar estarem a origem dos fatos por mim pesquisados.

As Professoras Ivete Simionatto e Heloísa Maria José de Oliveira que comporão a banca, pelas – desde já eu sei - indispensáveis palavras de correção, apoio e incentivo.

Ao Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina, por ter muitas vezes permitido a conciliação entre os estudos e o trabalho e em especial ao Tenente Coronel Knhis pelas valiosas contribuições no decorrer do processo de construção deste.

A todos os Bombeiros, Militares, Comunitários e Voluntários, pelo espírito despreendido com o qual se revestem quando a sineta estridente toca e as sirenes e luzes vermelha avançam em direção ao inesperado.

A Paulo Freire, por ter me permitido compreender que é possível conciliar fé e razão. Assisti-lo dizendo que “... Quanto mais eu li Marx, tanto mais eu encontrei uma certa

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mundanidade a procura de Cristo na trascedentalidade.” me permitiu fazer a opção além de

Cristo, também por Marx enquanto revolucionário social. Ao Sol que, despercebido e desavisado, aquece e ilumina. A Deus, pela constante presença em minha vida.

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Eu vejo que ele sangra A dor que tem no peito Pois ama e ama... Um homem se humilha Se castram seu sonho Seu sonho é sua vida E vida é trabalho... E sem o seu trabalho O homem não tem honra E sem a sua honra Se morre, se mata...

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LISTA DE SIGLAS

ACORS – Associação de Oficiais Militares de Santa Catarina

ANDIFES - Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior APRASC – Associação de Praças do Estado de Santa Catarina

BC – Bombeiro Comunitário BC – Banco Central

BV – Bombeiro Voluntário

CBMSC – Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina CBVSC – Corpo de Bombeiros Voluntários de Santa Catarina CBVJ – Corpo de Bombeiros Voluntários de Joinville

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito DOE – Diário Oficial do Estado

IBGE – Intituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBPT - Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano

FECABOM – Federação Catarinense de Bombeiros Comunitários e Voluntários FMI – Fundo Monetário Internacional

FUNREBOM – Fundo de Reequipamento do Corpo de Bombeiros FHC – Fernando Henrique Cardoso

MEC – Ministério da Educação

MTE – Ministério do Trabalho e Emprego ONGs – Organizações Não Governamentais OTS – Organizações do Terceiro Setor PMSC – Polícia Militar de Santa Catarina PND – Programa Nacional de Desestatização

PPGSS – Programa de Pós Graduação em Serviço Social PT – Partido dos Trabalhadores

PTB – Partido Trabalhista Brasileiro SEST – Serviço Nacional do Trasporte

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SSP – Secretaria de Segurança Pública SUS – Sistema Único de Saúde

UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina UNESCO – Organização das Nações Unidas

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LISTA DE TABELAS

Tabela 01 - Brasil – Evolução das privatizações e ajuste do emprego nos setores estatais entre 1979 e 1999... 30

Tabela 02 - Brasil – Percentual de municípios atendidos por Corpos de Bombeiros nos Estados brasileiros...72

Tabela 03 - Vínculo institucional da força de trabalho empregada no CBMSC em dezembro de 2007...76

Tabela 04 - Quantidade de Quartéis Estabelecidos entre a data da criação do Corpo de Bombeiros e o ano de 2007...80

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01: Carga Tributária em relação ao PIB...51 Gráfico 02: Origem das arrecadações destinadas ao CBVJ...69 Gráfico 03: Evolução presença efetivo salva-vidas temporários – 1997/2002...79

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RESUMO

SAMPAIO, Alexandre Argolo Messa. O processo de retração das instituições estatais: o paradoxo do Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina. 2008. 85 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Serviço Social, Departamento de Programa de Pós Graduação em Serviço Social, UFSC, Florianópolis, 2008.

Esta dissertação propõe-se a investigar a paradoxal expansão da instituição estatal Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina, em meio a um concomitante processo de retração dos investimentos do Estado em suas instituições. O recorte privilegiado eleito para a investigação foi o período compreendido entre os anos de 1990 e o os dias atuais. Entende-se que foi neste período, posterior à implementação pelo governo federal do programa nacional de desestatização, que houve um aguçamento no processo de retração de investimentos por parte do Estado e simultaneamente um maior investimento da instituição em alternativas que permitissem sua considerável expansão no período. Resgataram-se os mecanismos mais expressivos que possibilitaram a expansão da instituição, como a institucionalização da força de trabalho voluntária e a implantação de fundos municipais de arrecadação, como elementos fundamentais que tanto reafirmam o processo de retração do Estado como também indicam que uma nova institucionalidade se molda na estrutura estatal. Através de pesquisas bibliográficas, documentais e entrevista, buscou-se interpretar e compreender as alternativas adotadas pela instituição para garantir não só sua manutenção e expansão, em função da demanda requerida como também como forma de enfrentamento do crescimento de entidades privadas que usurpam função pública. Constatou-se que está em andamento, processo de terceirização de alguns serviços anteriormente prestados exclusivamente pelo Estado, como a atividade de salva-vidas, bem como um particular processo de precarização da força de trabalho com a assunção do voluntário aos postos de trabalho anteriormente ocupados por trabalhadores amparados tanto previdenciária quanto salarialmente. Enfim, buscou-se desvelar os efeitos das alternativas encontradas de maneira focalizada por uma instituição estatal, ou seja, superar a aparência deste fato, e interpretá-la numa perspectiva da totalidade social.

Palavras-chave: Privatização, Corpo de Bombeiros Militar, Voluntariado, Retração da Força de Trabalho.

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ABSTRACT

SAMPAIO, Alexandre Argolo Messa. The process of retraction of state institutions: the paradox of the Military Fire Brigade of Santa Catarina. 2008. 85 F. Dissertation (Masters) - Course of Social Service, Department of the Graduate Program in Community Service, Ufsc, Florianopolis, 2008.

This thesis proposes to investigate the paradoxical expansion of the institution State Military Fire Brigade of Santa Catarina, in the midst of a concomitant process of retraction of investments in its state institutions. The privileged part under investigation is the period between 1990 and today. We understand that it is since then, after the implementation by the federal government of the national privatizing program, that there is a keener retraction of investment by the state and simultaneously a greater investment of the institution in alternatives that would permit its remarkable expansion since then. Rescues is the most expressive mechanisms that allowed the expansion of the institution, like the institutionalization of voluntary workforce and the deployment of funds for municipal collection, as key elements that both reaffirm the process of retraction of the state and indicate that a new form of institution shaping the state structure. Through literature research, documentary and interviews, we try to interpret and understand the alternatives adopted by the institution to ensure not only their maintenance and expansion, according to the required demand, but also as a way of confronting the growth of private entities that usurp a public function. It was seen that it is in progress the process of outsourcing some services previously provided exclusively by the state, as the activity of life-guarding, and a particular process of insecureness of the workforce with the rise of the volunteer for jobs previously occupied by workers protected by the social security. Finally, we try to unveil the effects of found alternatives so focused on a state institution, meaning that we try to overcome the appearance of this fact and interpret it in the perspective of the whole society.

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SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS ... 06 LISTA DE TABELAS ... 09 LISTA DE GRÁFICOS ...10 RESUMO ... 11 ABSTRACT...12 INTRODUÇÃO...15

1 A POLÍTICA PRIVATISTA NO BRASIL : referenciais políticos ideológicos em questão ...25

1.1 REFORMA DO ESTADO: Pressupostos políticos legais ...28

1.2 DO VOLUNTARIADO E SEUS MITOS ...37

2 O CRESCIMENTO DAS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS: O CARÁTER CONTROVERSO DO “TERCEIRO SETOR”...42

2.1 O “TERCEIRO SETOR” E A FÁBULA DO MUNDO ENCANTADO ...44

2.2 O DEBATE: SERVIÇOS PÚBLICOS X SERVIÇOS PÚBLICOS DE INICIATIVA PRIVADA ...46

2.2.1 Responsabilidade Social: mercantilização da solidariedade? ...50

2.3 O TERCEIRO SETOR, O JOIO E O TRIGO ...52

3 A RETRAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES ESTATAIS E O PARADOXO DO CORPO DE BOMBEIROS DO ESTADO DE SANTA CATARINA ...56

3.1 AMPLIAÇÃO DA DEMANDA x CARÊNCIA DE RECURSOS : PARA ONDE CORRER?...59

3.1.1 O Bombeiro Militar ...59

3.2 O CENÁRIO DA PRECARIZAÇÃO ... 62

3.3 A ESTRANHA HISTÓRIA DOS BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS ASSALARIADOS ...68

3.4A CONTROVERSA AMPLIAÇÃO DO ATENDIMENTO...72

3.5 O BOMBEIRO COMUNITÁRIO – POLÍTICA INSTITUCIONAL ...74

3.5.1 Retração da força de trabalho ...77

3.5.2 Estrutura física...80

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4 INDICAÇÕES CONCLUSIVAS ...88

5 REFERÊNCIAS ...93

6 ANEXOS ...100

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INTRODUÇÃO

O Brasil vem produzindo um estoque cultural da lógica privatista, num processo historicamente marcado pelo coronelismo, populismo, de apropriação de fundos públicos em favor de interesses particulares e da elite. O resultado tem sido o aumento acelerado de instituições regidas pelo estatuto privado e conseqüentemente uma retração dos espaços públicos, deflagrando uma recusa de responsabilização de obrigações do Estado, ou seja, o interesse privado legitima-se como medida de todas as coisas.

Neste estudo, têm-se a clareza deste processo histórico produzido e acumulado. Contudo, o recorte cronológico deste trabalho será balizado pelo período pós-institucionalização da cultura privatista adotada pelo governo brasileiro, que teve início nos anos 1990, retomando uma discussão de um passado muito presente.

O Presidente Fernando Collor de Mello institui o Programa Nacional de Desestatização - PND, tendo continuidade nos governo Itamar Franco e de uma forma mais incisiva e efetiva nos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso, a partir de Janeiro de 1995. Nos governos destes dois Presidentes, por suas orientações explicitamente neoliberais, os princípios dessa política foram paulatinamente implementados. Dentre eles, as privatizações têm sido a medida mais contundente e tradutora desses princípios.

Com a assunção do Governo Lula, em 2003, havia uma expectativa por parte de muitos setores, sobretudo os trabalhadores e servidores públicos, de que se paralisaria o processo de privatização das instituições estatais e também das políticas públicas. Todavia, cinco anos de mandato demonstram outra tendência.

Um especial processo de privatização tanto do ensino superior quanto na área da saúde, ao que parece, podem ser reveladores desta hipótese de que as privatizações seguem em franca implementação no Brasil, o que revela a importância e a atualidade deste tema no debate acadêmico do Serviço Social.

A ideologia salvacionista que aos poucos foi imposta e absorvida pela sociedade, é a da solidariedade. Esta promove desde alianças entre classes antagônicas, em que se pleiteia o distributivismo dos excessos, até a ascendente proliferação das organizações não governamentais (ONGs). Terminam por fomentar uma aura de eficiência por tudo que é privado, ou fora do âmbito estatal, tecendo uma impressão bastante difundida de que o Estado

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e suas instituições estão em uma crise que não lhes permite assumir seus papéis regimentais. (MOTA, 1995).

Juntamente com os processos de privatização, tomou fôlego o surgimento de incontáveis organizações privadas de distintas naturezas, agrupadas em torno da denominação “terceiro setor”1 em um fenômeno ao mesmo tempo correlato, mas distinto, como poderá ser

apreciado.

E assim, começam a se delinear, de uma forma segmentada e atendendo à funcionalidade da “reestruturação do capital, particularmente no que se refere ao afastamento do Estado das suas responsabilidades de resposta às seqüelas da questão social” (MONTAÑO, 2007), as organizações do “terceiro setor”. E estas vão se arvorando por entre espaços deixados à mercê pelo Estado.

Por outro lado, na busca incessante por espaço no mundo produtivo, os indivíduos têm-se submetido ao trabalho voluntário dentro e fora das instituições, pois desta forma muitos destes indivíduos, mesmo não inseridos no mercado de trabalho, estariam incluídos ainda que não economicamente, ao menos socialmente. No entanto, desigualdades se ampliarão resultantes dessa lógica do “mercado” do voluntariado, contraditoriamente absorvida pelo Estado. A inserção dos indivíduos nos espaços abertos existentes, nas lacunas deixadas pela política de redução de investimentos em recursos humanos, não garante a estes primeiros a relação de troca de seu trabalho por uma justa inserção econômica. A cidadania não está garantida ao cidadão que não tem salário. Ribeiro (2000), a respeito das transformações no mundo do trabalho, afirma que a precarização das relações de trabalho trazem em seu bojo também a vulnerabilidade social. E que este, sendo um projeto da agenda neoliberal, encontra terreno fértil na América Latina.

O tema central que motiva as reflexões, objeto desta dissertação, versa então, sobre o danoso e controverso processo de retração das instituições estatais, e a concomitante ampliação e institucionalização das estruturas que agregam trabalhadores voluntários

Porém, a retração das instituições estatais, de uma forma geral, é percebida de maneira mais contundente pelos cidadãos que nelas trabalham. Através da presente dissertação, investigou-se, de forma mais específica, o processo de retração de uma instituição estatal no Estado de

1 Segundo Montaño (2007), as organizações de “terceiro setor” têm sua origem vinculada a visões

segmentadoras da realidade social, e tem também um forte vínculo com o atual processo de reestruturação do capital, principalmente no que se referem ao afastamento do Estado das suas responsabilidades quando acionado para as devidas respostas às mais diversas manifestações da “questão social”.

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Santa Catarina, o Corpo de Bombeiros, e a proporcional expansão dos bombeiros voluntários (chamados comunitários) dentro do mesmo segmento institucional.

Desde o ano de 1994, quando iniciei minhas atividades como servidor militar estadual, sempre pude observar, na condição de expectador privilegiado, as dificuldades encontradas pela instituição no sentido de prover recursos humanos e financeiros para compor suas guarnições2 e materiais dentro dos quartéis.

Muito embora a condição de membro da instituição possa induzir a percepção de que não haveria o distanciamento necessário entre este pesquisador e o objeto a ser pesquisado, preocupação constante esta, receoso que a propositura de Weber, em que “cada

vez que um homem de ciência faz intervir seu próprio julgamento de valor, não há mais compreensão integral dos fatos” (Weber, por Michael Lowy – pg. 14), as inquietações

surgidas com as estratégias adotadas pela instituição para expansão de sua estrutura e manutenção de sua infra-estrutura, com relação aos recursos humanos e financeiros, sempre me pareceram fatos que necessitavam de um apurado desvelamento.

A adoção do ideário Bombeiro Comunitário, que em nosso Estado encontra suas origens na proposição de Lazzaris (1989), e a instituição dos fundos municipais de reequipamento para os Bombeiros a partir do ano de 1986, em todos os municípios em que existam quartéis de Bombeiros Militares no Estado, instigaram a busca pela investigação de que movimento é este, que em primeira instância parece indicar retração do Estado em seu papel de responsável estatutário pelas atividades de manutenção da tranqüilidade e da ordem pública.

Tal inquietação impulsionou o estudo para entender a expansão da instituição bomberil militar estatal, baseada na força de trabalho do cidadão que se dispõe compor uma tropa de bombeiros comunitários sem vínculos empregatícios ou previdenciários e, por outro lado, identificar o Estado assumindo o ideário do bombeiro comunitário.

É de grande relevância refletir acerca da contraditoriedade dos processos sócio-históricos que atravessam a política privatista no Brasil, especialmente em relação à retração das instituições estatais, levadas a cabo pela instituição Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Santa Catarina – CBMSC. Neste aspecto, o recorte temporal é preciso: desde 1996 a corporação passou a incorporar força de trabalho voluntária para, retoricamente, não

2 “guarnição” é a denominação que se dá a um grupo de profissionais qualificados para desempenharem

determinadas funções atribuídas ao Corpo de Bombeiros. Ex: Guarnição de Guarda-vidas; Guarnição de combate a incêndios florestais; Guarnição de mergulho dentre outras.

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comprometer a qualidade dos serviços prestados à população. Sob tal paradoxo, baseia-se a investigação em tela.

Assim, o resgate do processo histórico que estabelece/institucionaliza o trabalho voluntário no Brasil, com ênfase na precarização da força de trabalho permeou todo processo investigativo. Averiguou-se como se dá o processo da paradoxal expansão da instituição Corpo de Bombeiros Militar no Estado de Santa Catarina, sem a correspondente contratação de força de trabalho. Analisou-se o surgimento do Bombeiro Comunitário, sujeito voluntário, na estrutura do CBMSC. Foram realizadas análises relativas aos investimentos em recursos humanos, financeiros e relação com a ampliação da estrutura da instituição no Estado de Santa Catarina.

As dissonâncias encontradas a partir da conjunção das estruturas existentes e àquelas que pretendem estabelecer-se, é que flagram o mérito deste trabalho, que falam por si, e denunciam ou anunciam, sejam quais forem os casos, os avanços ou retrocessos a que a sociedade de uma forma geral estará submetida.

Com base no objeto, definiram-se como objetivos deste estudo: Objetivo Geral:

Investigar o processo de minimização da intervenção estatal na instituição Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Santa Catarina – CBMSC.

Desta forma, desdobraram-se os seguintes objetivos específicos:

a) Analisar especificamente algumas categorias teóricas (explicativas da realidade social) que permeiam as contradições intrínsecas ao processo de expansão e suas alterações no Corpo de Bombeiros Militar no Estado de Santa Catarina – Estado e Voluntariado;

b) Conhecer a realidade que conduziu a instituição CBMSC, à inclusão do bombeiro comunitário (voluntário) nos quadros da corporação;

c) Conhecer a realidade que conduziu a instituição CBMSC a adotar os Fundos Municipais, como forma alternativa de arrecadação de recursos para o Corpo de Bombeiros;

d) Compreender e analisar como a instituição percebe a incorporação desses novos elementos (fundos municipais e bombeiros comunitários).

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O percurso teórico-analítico embasou-se no legado de Marx. Na análise critico-dialética a realidade é compreendida a partir da totalidade da questão considerando as transformações a que ela é submetida ao longo de sua história.

Marx, dedicado à apropriação/elaboração do método dialético, é contundente ao reivindicar a superação das aparências dos fenômenos e das análises a partir da pura contemplação e incita-nos a buscar uma correlação entre o concreto existente a partir de suas relações com a totalidade social e com a sua própria história. “[...] o concreto é concreto por ser a síntese de múltiplas determinações, logo unidade na diversidade.” (MARX, 1983, p. 228)

A busca pelo caráter material dos processos sociais concretos, tal o caráter histórico pelos quais Marx revelou as relações sociais e como também os homens e mulheres vinham se organizando para a produção e reprodução da vida até então, orientará os rumos deste trabalho. E por ser construído dentro desta lógica, a análise propõe-se partir da realidade concreto-empírica para uma realidade pensada, através das múltiplas variantes que o compõe – o concreto pensado. A análise das contraditoriedades que envolvem a ampliação da força de trabalho precarizada, disponibilizada pelas organizações não governamentais, e a retração das instituições estatais, extrapolam as aparências do senso comum, e adentram uma esfera de relações e de processos a serem decifrados, que são próprios do concreto real.

Foram duas as demandas de estudos conjugadas dialeticamente. De partida consideraram-se os elementos que compõe o emaranhado de relações que se estabelecem entre Estado e sociedade civil, tendo como lócus privilegiado de estudo, uma instituição estatal catarinense, o Corpo de Bombeiros Militar. Lá houve a implantação do projeto Bombeiro Comunitário que, em primeira análise, é a inserção de força de trabalho voluntária sanando a demanda de falta de efetivo para composição do quadro funcional, como elemento de apoio na ampliação do número de unidades de bombeiros no Estado.

Num movimento de complementaridade, outra etapa da pesquisa constituiu-se na análise das informações coletadas e em um processo de apreensão crítica dos acontecimentos que culminaram com o cenário atual, em especial, analisando as causas que possibilitaram a expansão de instituições mesmo em um cenário em que muitos consideram de crise do Estado.

Buscando alcançar os objetivos pretendidos, e objetivando alcançar os resultados desejados nesta pesquisa, serão as proposições do método dialético, que nortearão a mesma.

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Para Marx, a sociedade, o Estado, as leis, as normatizações determinantes da forma de se relacionar com as pessoas, coisas e classes sociais, nada mais são do que criação do homem e não resultados naturais. Crendo também desta forma, e querendo compreender, um destes fenômenos sociais criados e fomentados pela própria sociedade é que adotamos esse método de pesquisa.

O modo como conduziu seus trabalhos e as análises que realizou sobre o sistema capitalista e seus resultados econômicos e sociais deixaram marcas suficientes para imprimir a originalidade e abrangência quanto aos seus procedimentos metodológicos. Quando Marx expõe seu método na Introdução de Para Crítica da Economia Política3, onde o compara com

os estudos que vinham sendo empregados na época, destacou: a necessidade de produção de conhecimentos a partir do real, de busca da transformação, da visão de totalidade, das relações e contradições que tornam o fenômeno concreto (o concreto pensado), a retomada do fenômeno na realidade, construindo novos conhecimentos, como produto humano e que representam o real. (ANDERY, 1988).

De acordo com Paula (1992), a compreensão sempre atualizada do método dialético implica reconhecer que:

(...) o marxismo se propõe, se debruça sobre o mundo, o mundo que é alienado, o mundo que é resultado de forças contraditórias, de movimentos contraditórios. A única forma de compreender esse movimento do mundo é através de um método capaz de ele próprio, ser dialético. O que significa dizer, a respeito de renovação, da permeabilidade do método, da flexibilidade do método, que ele está aberto para o novo, não é ossificado, não se cristaliza como dogma. (PAULA, 1992, p.74).

E por compreendermos, tal qual Paula, o método dialética como uma opção adequada à elaboração do conhecimento científico, é que o elegemos como método de pesquisa a ser utilizado neste trabalho.

O método, no entanto, não será o limite duro para a apuração da verdade. Será um mecanismo de apoio que pretendo nos permita transpor a aparência dos fatos. Para tanto realizarei pesquisa documental em arquivos do próprio Corpo de Bombeiros e da Polícia Militar, instituição a qual o CBMSC era atrelado desde o início de suas atividades em 1926, até o ano de 2004.

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Outras fontes, como leis municipais, atas de associações e federações de bombeiros comunitários, e todo e qualquer documento que puder apresentar fatos que corroborem para o enriquecimento desta pesquisa serão utilizados.

A pesquisa terá um caráter exploratório, dado a escassez de estudos e elaborações teóricas referentes ao objeto estudado, e em face de necessidade de alcançar maior familiaridade com a questão em pauta, com vistas a torná-lo mais explícito, detalhando-o de forma a defini-lo com uma maior precisão e compreensão. Serão relevantes também, as informações obtidas através das pesquisas documentais, que será onde, através de um quadro comparativo, efetivamente, poderá ocorrer à verificação entre os recursos aplicados pelo Estado na instituição ao longo do recorte definido pela pesquisa.

A face da aparência que me estimulou a desvelar o paradoxo que se estabelece entre a retração dos investimentos em instituições estatais e a contraditória expansão dessas instituições pode oferecer múltiplas linhas de interpretação, principalmente ao considerarmos a possibilidade da expansão de uma estrutura estatal baseada na inclusão da força de trabalho de voluntários. A captura dos pormenores desta trama é o que Marx (1987) chama de método investigativo. Assim é que só depois desse trabalho, de analisar as diferentes formas de desenvolvimento e de identificar as diversas formas de interação entre elas é que se pode descrever o real com precisão.

Desta forma, ordenaram-se os procedimentos de análise: uma relação dialética entre o debate teórico e a realidade empírica.

A partir desta concepção foram realizados os seguintes movimentos investigativos: a) Levantamento histórico da formação da instituição Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina.

Este levantamento foi realizado através de pesquisa em documentos públicos disponíveis em bibliotecas ou bancos de dados eletrônicos que versam sobre o assunto. Cabe esclarecer que há no Centro de Ensino da Polícia Militar, instituição da qual o Corpo de Bombeiros fazia parte até sua emancipação em 2003, uma biblioteca que concentra produções bibliográficas resultante de cursos de especialização realizados pelos membros do oficialato das duas corporações. Estes documentos são consideráveis produções teóricas a respeito da história e do desenvolvimento da instituição.

b) Análise das informações, relacionando estas com o momento histórico em que se encontram inseridas.

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O processo de estudo também envolveu a análise de legislações. Uma delas teve privilegiada atenção, foi a Lei do Voluntariado (anexo 6.4), materializada através da lei nº 9.608 de 18 de fevereiro de 1998. Contudo, outras também foram estudadas, como a Portaria nº 395 da gerência de Recursos Humanos da Secretaria de Segurança Pública e Defesa do Cidadão de 11 de abril de 2003, que regula o Projeto Bombeiro Comunitário implantado no CBMSC em 1997. Também foi abordada a fim de ampliar os limites da compreensão do que significa este fato. O regulamento geral da atividade voluntária no corpo de bombeiros (anexo 6.3) foi pesquisado com o intuito de delimitar a ação dos voluntários na esfera estatal. Nesse sentido, foi adotado o cuidadoso procedimento de base legal institucional a partir da qual são elaboradas as justificativas oficiais. Também mereceu dedicada análise, o artigo produzido pelo Coordenador de projetos Comunitários do CBMSC, onde por um lado são apontados os aspectos legais que regulam a existência do Corpo de Bombeiros, e por outro, denunciam a existência de irregularidades na formação e funcionamento de Corpos de bombeiros voluntários que exercem de forma ilegal suas atividades (anexo 6.2).

Objetivando ampliar a gama de informações para compreensão da realidade, foi realizada uma entrevista4 sem profundidade onde se buscou definir e interpretar quais são as

diretrizes adotadas pelo Corpo de Bombeiros de Santa Catarina, e confrontá-las com os referenciais teóricos pesquisados, no intuído de produzir um conhecimento que permita afirmar ou não que esta instituição estaria dentro de uma proposta de incentivo a retração do Estado e de readequação ao modelo de organização não governamental.

Importa dizer também que, embora escolhida uma instituição como recorte para facilitar o delineamento deste estudo, o que pretendemos não é traçar um perfil desta ou daquela instituição, mas, tão somente, promover uma reflexão sobre as contraditórias relações que se estabelecem entre o avanço de determinados modelos fomentados pelo Estado e a retração de outros.

Para a análise dos dados teóricos e empíricos processaram-se consultas pormenorizadas aos conteúdos estudados no decorrer do curso no programa de pós-graduação em Serviço Social, além das produções recentes a respeito das temáticas em questão, e que

4 concordando com Paula (1992, p.42) “Todas as possibilidades de capturar o empírico são legítimas”,

realizou-se também uma entrevista com o Coordenador de projetos comunitários no CBMSC, Coronel José Luiz Masnik, conseqüentemente, o responsável pela regulação das atividades desenvolvidas pelos voluntários dentro da corporação. Por tratar-se de instituição militar, em que as determinações atendem uma rígida cadeia de comando (anexo 6.1), baseado no paradigma que alicerça a instituição – Hierarquia e Disciplina este será o único entrevistado, pois dele demandam todas as diretrizes e entendimentos sobre o voluntariado dentro da instituição. Há que se ressaltar o caráter altamente hierarquizado da instituição fiel aos ritos militares, o que confere a esta abordagem um relativo grau de imprecisão.

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expressem com ressonância as investigações produzidas pelo campo teórico e adequem-se a linha de pesquisa – Estado, Sociedade Civil e Políticas Sociais, na qual me insiro dentro do PPGSS / UFSC.

A partir do material averiguado, foram criados indicadores de análise para facilitar o processo de investigação. Estes são em suma, os desdobramentos das dimensões analisadas, primeiramente de maneira particularizada, para após envolvê-los no necessário e dialético movimento que possibilita a compreensão dos fatos de uma maneira mais precisa e não sob a ótica de um ou de outro segmento. Os indicadores foram balizados pela pertinência e pela homogeneidade do conteúdo consultado. E um grande desafio na elaboração deste trabalho, foi à eleição destes, pois restaram resultantes de um trabalho investigativo prévio, onde houve a necessidade de agrupar por afinidade, assuntos que estavam contidos nas mais diversas fontes de consulta. Esquivar-se das categorias pré-concebidas para enveredar-se pelo obscuro caminho daquelas que necessitam ainda de uma postulação, nos levam a uma observação mais pormenorizada dos fenômenos presentes na realidade observada. Assim, foram categorizados como indicadores qualitativos:

a) Retração da força de trabalho; b) Estrutura física e

c) Fontes de fomento.

Cada um desses indicadores qualitativos é resultado de uma série de elaborações, que resultam nestas terminologias, onde mesmo considerando as singularidades relacionam-se entre si. Individualmente, corresponderam a uma descrição analítica, que orientará a busca nesse retorno as fontes, pelas informações importantes para a composição do resultado da pesquisa.

O processo de análise das informações, tanto dos registros já produzidos quanto da entrevista, tem-se realizado atrelada a leitura sistemática do material disponível, resultando em uma complexa produção de informações que por sua vez produzem um constante reajustamento nos conceitos dos indicadores qualitativos eleitos, não sendo, portanto, um processo de análise fechado, e sim, ao contrário, um processo aberto a novas interações com a realidade e com o conhecimento com o qual no decorre da pesquisa irá se tiver contato. A busca é por um sentido lógico ao conhecimento hora produzido, sem que para isso haja necessidade de deturpação ou redução da riqueza de significações de cada indicador qualitativo pesquisado.

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Assim o tratamento do estudo foi organizado em três seções, que se articulam e desvelam o objeto aqui proposto, num movimento de complementaridade. Na primeira seção apresentam-se o debate teórico e os argumentos dos estudiosos acerca do processo de privatização das instituições no Brasil. Muitos autores têm dado a tônica oficial a este debate creditando ao caráter intervencionista do Estado questões como o aumento do déficit estatal, ineficiência na prestação de serviços, atraso tecnológico, bem como excesso de encargos gerados com os servidores inativos do poder público estatal (NUNES, 1998).

Na segunda seção averiguou-se, com uma maior profundidade, o desenvolvimento das organizações não governamentais e o caráter controverso que se tem dado ao “terceiro setor”. As fontes pesquisadas contemplam informações sobre o surgimento, a expansão e/ou enraizamento deste modelo de organização nas sociedades capitalistas.

A terceira seção é uma síntese das interlocuções até aqui realizadas, alimentadas pelas pesquisas documentais em arquivos, atas, ordens internas,

O desafio maior desta dissertação foi a partir dos dados empíricos e da conjunção com os conhecimentos teóricos, elaborar um movimento dialético entre as diversas dimensões da realidade corrente com as variáveis que os compõe. Espero, no entanto ter atingido este desafio a contento.

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1 A POLÍTICA PRIVATISTA NO BRASIL : referenciais políticos ideológicos em questão

[...] É importante destacar que o compromisso fundamental do Estado não é o de realizar dentro de seu aparelho todas as funções demandadas pela sociedade. Ao invés, é o de assegurar ou facilitar a sua realização sempre que possível o que deverá implicar a adoção de mecanismos inovadores de operação e funcionamento. (BRASIL, 1995,61).

O Brasil, a partir do ano de 1995, baseado nas intenções do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, passa a ter dentre as novas doutrinas vigentes, a retirada progressiva do Estado dos setores produtivos para que esses, através de regulações próprias, aumentassem sua capacidade de ação. Dentro desta mesma doutrina, o Estado voltar-se-ia, então, para ações centradas no desenvolvimento social do país.

Dados do IPEA configuram-se como constatações cabais de que estas proposições não se efetivaram ao longo deste período, conforme se averigua a partir da constatação de que

[...] apesar de o montante do gasto público social brasileiro, em valor absoluto e na sua relação com o PIB, parecer expressivo, ele ainda não o é em dimensão suficiente para dar conta das necessidades sociais insatisfeitas da população brasileira, tanto em quantidade quanto em qualidade. (IPEA, 2003, p 43).

Ainda de acordo com essa análise, houve a constatação de que não há uma regularidade no Gasto Social Federal. Este se expande quando há recurso orçamentário disponível, mas que no entanto, se contrai, quando há dificuldades na situação financeira no setor público.

Muito embora, tenha sido promulgada a Constituição Federal de 19885, atribuída como

constituição cidadã pela ênfase que dá aos direitos fundamentais dos indivíduos e também pela instituição da participação popular na formulação das políticas públicas e no controle social, como por exemplo em seu artigo 204, II, no qual foi estabelecido que a “participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis” (SAMPAIO, 2004), não houve desde então uma correspondência entre os compromissos públicos recomendados e os investimentos financeiros necessários para o propalado desenvolvimento social do país.

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Por outro lado, diferentes mandatários federais passaram a utilizar exacerbadamente a expressão “crise de Estado”, tentando atribuir às demandas sociais, a crise de governabilidade e a necessidade da política de ajuste fiscal do Estado Brasileiro.

Costa (2006) afirma que, a partir da segunda metade do século XX, os chamados países em desenvolvimento transformaram-se em verdadeiros agentes de incrementação dos “processos de industrialização e modernização da estrutura produtiva”. E em virtude da adoção deste caráter interventivo por parte do Estado nos mecanismos de produção do país, as questões sociais foram relegadas ao segundo plano priorizando definitivamente os investimentos necessários para a reprodução do capital. Esta autora vai além em suas análises sobre as relações entre o Estado e a sua capacidade interventiva na sociedade. Nas últimas décadas do século XX, o capitalismo tornou mais complexo as relações entre Estado e a economias nacionais. Exigiu a redução dos direitos sociais, a crescente desregulamentação dos direitos trabalhistas e a conseqüente minimização da capacidade do Estado em tributar e regular o capital, sobretudo em face de sua internacionalização, resultado dos processos de globalização da economia. Estas são variantes que alteram substancialmente as projeções de garantia de padrões atuais.

Frente a este quadro de desregulamentação e de minimização estatal, entra em cena e toma corpo o ainda enigmático terceiro setor.

Gohn (2000) afirma que nos estudos sobre o temático terceiro setor, duas linhas de pesquisa têm maior destaque: a primeira delas considera que a ascensão do terceiro setor, baseia-se na decadência do Estado enquanto principal provedor das políticas públicas e que seu desenvolvimento confronta a organização dos trabalhadores, principalmente por ganharem corpo na década de 80, período em que ocorreram grandes manifestações sindicais e que as organizações populares se desenvolveram de uma forma mais ampliada.

A segunda linha considera o terceiro setor como uma contribuição que impulsiona as novas formas de associativismo, funcionando como verdadeiros catalisadores, incentivando, articulando e mediando a instituição e a manutenção das políticas públicas. Esse argumento considera que o Estado deveria preocupar-se com questões mais ampliadas, enquanto as ligadas as micro-esferas da sociedade ficariam por conta das entidades orgânicas existentes na comunidade.

Cardoso (1998) foi figura de relevante importância no fortalecimento dos conceitos de sociedade segmentada em primeiro, segundo e terceiro setores. Em um de seus discursos,

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afirmou que: “Nem o Estado é suficiente, nem o mercado. Ambas são, entretanto, partes que compõem o mundo contemporâneo. O que há de novo agora é, precisamente, o terceiro setor6”.

O que se tem visto a respeito do debate a cerca do terceiro setor é a defesa apaixonada por ambas as correntes, que possuem argumentos doutrinários fortíssimos, que aos desavisados sobre as duas linhas certamente restariam muitas dúvidas sobre qual doutrina apoiar.

A opção por uma ou por outra linha de pensamento provavelmente esteja na concepção sobre o significado da presença das instâncias de terceiro setor no seio da sociedade. Para alguns, uma organização que representa a articulação da comunidade local como forma de enfrentamento as questões sociais produzidas a partir da exclusão social e da precária ação estatal e, para outros, um “receptáculo” da transferência das responsabilidades outrora atribuídas ao Estado e agora servindo como mecanismo de apoio a retração ou mesmo a para a substituição das ações do Estado.

Segundo Montaño7, a respeito do debate sobre a definição sociedade civil X terceiro

setor, este último enseja uma concepção setorializada a respeito da realidade social, de forma autônoma, de maneira tal que passa haver uma compartimentação nas formas de atendimento das demandas das questões sociais, o que estimula alternativa de ação baseada na organização dos carenciados, na ajuda mútua, na ação entre classes, onde o conflito entre estas deixaria de existir em função das relações filantrópicas que se estabelecem. Inversamente, a terminologia “sociedade civil” ensejaria uma noção de totalidade, integraria um sentido de heterogeneidade de organizações, de lutas e de diferentes interesses sociais, que resultariam e constantes conflitos.

Resta-nos pensar: a quem interessaria então a confusão pela introdução de terminologias supostamente análogas à sociedade civil? Montaño (2008) responde a essa questão: A proposta do grande capital é a de aparentemente, incluir cada vez mais os cidadãos-consumidores na condição de partícipes das esferas sociais sem, no entanto para isso, abrir mão do poder econômico. E são vários os nomes das portas de entrada para esse “novo mundo” inclusivo. Economia solidária, terceiro setor, organização não governamental,

6 Fernando Henrique Cardoso. Discurso na cerimônia de sanção da lei do voluntariado. Palácio do Planalto, 18

de fevereiro de 1998.

7 Montaño. Palestra realizada no Centro de Ciências da Educação, a respeito das relações Estado X terceiro

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quaisquer que seja a forma de acesso, estará garantindo, tão somente, a manutenção da ordem social vigente, sem, no entanto superá-la.

1.1 REFORMA DO ESTADO: Pressupostos políticos legais

O posicionamento histórico do Estado brasileiro como agente de desenvolvimento do país, seja através de seus investimentos em atividades siderúrgicas, transportes, telecomunicações, portos, energia dentre outros, também sempre esteve associado a crises econômicas e políticas.

Dentro do contexto do tema em estudo, e pela limitação desta abordagem, partiremos de uma análise pós anos 80. Nesta década o país viu-se em meio a uma crise econômica ocasionada pelo rompimento dos fluxos financeiros externos e pela própria fragilidade econômica (Espíndola, 2002). Conseqüência direta, nas empresas estatais passa-se a observar a precarização de seu funcionamento. A descapitalização de suas estruturas comprometia a sustentação do modelo desenvolvimentista existente naquele período.

Neste quadro, ganham forças os discursos pró-privatização e a reforma do Estado parece ser um caminho inevitável para a manutenção do equilíbrio socioeconômico do Brasil.

O processo de desestatização, não é um privilégio de uma ou outra entidade. Foi formalmente instituído no governo Collor, pela lei n. 8.031, de 12 de abril de 1990. Estava desta forma, lançado pela união, um programa que tinha como um de seus objetivos fundamentais, permitir que a administração pública concentrasse seus esforços nas atividades em que a presença do Estado fosse prioritária para a consecução das prioridades nacionais. Esta Lei refere-se às instituições vinculadas diretamente a União. Mas nem por isso, os efeitos da lei não deixaram de “respingar” nas esferas estaduais de todo país. Resultado disso foram também às privatizações nos Estados, incrementadas após a criação dos programas estaduais de desestatização. As empresas objetos dessas privatizações não estão claramente especificadas nem no programa Nacional, nem nos programas estaduais. Significa dizer que não existe instituição no país isenta da possibilidade de desestatização ou mesmo de privatização.

É necessário definir duas importantes divisões a respeito do setor público no Brasil. Segundo Pochmann (2001), a primeira destas divisões relaciona-se com as funções de

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governo: administração direta nos três níveis, autarquias e demais atividades que dependem única e exclusivamente do orçamento público. E a segunda divisão, está relacionada às empresas públicas que por sua vez subdividem-se em dois segmentos específicos: o setor produtivo estatal, que compreende as empresas e subsidiárias vinculadas à base econômica do governo e as empresas e organismos desvinculados das atividades produtivas, como aquelas inseridas nas áreas de serviços, transportes e especificamente adequando-se ao nosso objeto de análise, as organizações destinadas à segurança pública, caso do Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina.

Há de se considerar que as relações de interdependência desenvolvidas entre instituições, Estado, e o mundo, acompanham as tendências mundiais de subserviência à lógica de integração e de subordinação principalmente de países periféricos às economias “das chamadas centrais, dominantes ou metropolitanas” (MARINI, 2000, p. 11).

Segundo Nogueira (2004), Estado e mercado permeiam-se e repelem-se o tempo todo. O resultado desse processo tem sido na atualidade o fortalecimento do mercado, que tem se soltado das regulações do Estado, exercendo tanto sobre a sociedade como sobre os governos uma operação de cerco e sufocamento. Conseqüência direta deste fortalecimento do mercado está o enfraquecimento do Estado e a retração de suas instituições (NOGUEIRA, 2004, p.125). Conseqüência direta deste enfraquecimento resultou na busca por parte do CBMSC de alternativas que possibilitassem as mínimas condições de manutenção e reaparelhamento dos quartéis em funcionamento no Estado. Essas alternativas, vias paralelas através das quais se busca a perpetuação da instituição, trazem em seu bojo, as contradições e as distorções que hoje permeiam princípios basilares desta instituição.

Marini (2000, p.99) afirma que o Brasil com sua estrutura capitalista, no ímpeto de atender as demandas imperialistas norte americanas, promovendo um sobrelucro a estes que considera o sócio maior do Brasil, têm agravado de maneira intensa a exploração da força de trabalho a fim de ver reduzidos os custos de produção. Nesse sentido, não há como deixar de perceber esse mesmo movimento de super-exploração da força de trabalho também junto aos servidores estatais, dada a redução dos quadros de efetivos, e a criação de novas frentes de trabalho ocupadas de forma precarizada pelos servidores com diferentes vínculos empregatícios.

O passado recente do Brasil submete-nos a uma amarga sensação de que rumamos para um modelo sócio-econômico ainda desconhecido, mas certamente precarizador da

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existência humana sem a regulação direta do Estado. O quadro a seguir demonstra, de maneira inequívoca, o surgimento de verdadeiros exércitos de desempregados resultado dos processos de privatização das empresas públicas.

Tabela 01: Brasil – Evolução das privatizações e ajuste do emprego nos setores estatais entre 1979 e 1999

Período Número de empresas

privatizadas Saldo líquido dos empregos criados ou destruídos

1979/84 20 146.980

1985/89 18 82.125

1990/92 44 -198.136

1993/94 35 -47.732

1995/99 84 -300.120

Fonte: SEST, MTE. (elaboração própria)

Este quadro é representativo do fundamentado temor das alterações realizadas em função da política privatista e suas conseqüências sociais que atingem frontalmente e de maneira privilegiada os possuidores de tão somente sua força de trabalho como mecanismo de troca pelos recursos necessários pela manutenção de suas existências e de seus núcleos familiares.

Tal retração do setor público, identificada através da redução dos postos de trabalho, é a face mais contundente da Reforma do Estado, explicitada nos seguintes termos:

O resultado dessa reforma será um Estado mais eficiente, que responda a quem de fato deve responder: o cidadão. Logo, será um Estado que estará agindo em parceria com a sociedade e de acordo com os seus anseios. Será um Estado menos voltado para a proteção e mais para a promoção da capacidade de competição. Será um Estado que não utilizará burocratas estatais para executar os serviços sociais e científicos, mas contratará competitivamente organizações públicas não-estatais. Será o que propusemos chamar de um Estado Social-Liberal, em substituição ao Estado Social-Burocrático do século vinte. (BRESSER-PEREIRA8, 1997)

8 Luiz Carlos Bresser Pereira é professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo

Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), e considerado um dos ideólogos de maior proeminência no cenário nacional da estratégia privatista.

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A globalização da economia submete as nações a alterações rápidas e muitas vezes traumáticas. O ordenamento social é alterado para que se acomode uma nova rede de relações sociais na qual a sociedade política muitas vezes tem servido como protetora dos interesses próprios das classes detentoras dos recursos econômicos.

Bresser Pereira (1997. p.14) afirma em um de seus trabalhos que o processo de globalização tornou-se um impulsionador de importantes mudanças qualitativas às nações, pois impôs uma “pressão adicional para a reforma do Estado”. Segundo este autor, após a verificação da inviabilidade do ideário de Estado mínimo, proposta conservadora engajada pelos então neoliberais no início dos anos 90, a reforma do Estado externou sua verdadeira natureza:

Uma condição necessária da reconstrução do Estado – para que este pudesse realizar não apenas suas tarefas clássicas de garantia da propriedade e dos contratos, mas também seu papel de garantidor dos direitos sociais e de promotor da competitividade do seu respectivo país. (BRESSER PEREIRA, 1997, p 7)

E a partir desta mistificadora premissa, vão se formatando os meios para que a reforma seja efetivada.

Bresser Pereira afirma que os principais problemas, embora se permeiem, são perfeitamente distintos uns dos outros na temática reforma do Estado. O primeiro deles, de caráter econômico-politico, seria a delimitação do tamanho do Estado e a redefinição do papel regulador do Estado, um segundo problema, econômico-administrativo, trata-se do resgate da governabilidade que poderia ser mais bem apontado como a recuperação da capacidade administrativa e financeira do Estado de por em prática as decisões políticas do governo. Outro problema, de caráter político, seria o aumento da capacidade de intermediação de interesses por parte do governo, e a garantia de sua própria legitimidade enquanto governo.

O autor em questão afirma que a crise do Estado associa-se a dois processos conjuntos. De um lado, o caráter cíclico da intervenção estatal, e de outro o processo de globalização que restringe a autonomia das políticas tanto econômicas quanto sociais das nações. Cita ainda a grande depressão, chamada também de crise de 29, que embora tenha sido caracterizada como um período de grande recessão econômica, uma crise econômica, ou de mercado, foi também uma crise do Estado liberal. E que como resultado deste processo surge o Estado social, que se dedicou a proteção dos direitos sociais em conjunto com a

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promoção do desenvolvimento econômico. E dentro desta nova perspectiva, o Estado assume três distintas formas, variando de acordo com o grau de desenvolvimento ou orientação política do país: Estado de bem estar social nos países desenvolvidos; o Estado desenvolvimentista nos países em processo de desenvolvimento e o Estado comunista naqueles países em que predominava o modo de produção estatal.

Resultado destes arranjos, as economias nacionais têm uma recuperação considerável. Em virtude deste fato, na década de 50, era corrente conceber que era atribuição do Estado articular estratégias que promovessem tanto a acumulação do capital quanto o progresso técnico da nação, cabendo-lhe ainda, a responsabilidade por uma distribuição de renda equilibrada. Como resultado desta conjuntura, o Estado brasileiro toma a forma social-burocrata na busca do desenvolvimento econômico e do bem-estar social da nação. Passa a contratar como funcionários públicos, médicos, assistentes sociais, professores, etc.

No entanto, segundo Bresser Pereira (1997) com a ampliação da capacidade arrecadadora e de transferência dos impostos, as discrepâncias não tardaram a surgir. Grandes empresários, a classe média e burocratas públicos passaram a capturar recursos estatais em prol de seus interesses especiais. Ou seja, as empresas estatais que em determinado momento mostravam-se um poderoso instrumento de produção de lucro monopolista e ampliadora da capacidade de investimentos pos parte do Estado, com o passar dos anos sucumbiram ao papel burocrático de suas administrações.

O autor segue afirmando que a administração pública burocrática, que ao longo das décadas de 50, 60 e 70 mostrou-se eficaz no combate a corrupção e ao nepotismo no então pequeno Estado liberal, passa a demonstrar pendências nesta postura diante da demanda dos agora cidadãos-clientes do Estado social. Por este fato o Estado foi entrando em crise fiscal que segundo Bresser Pereira (1997), apareceu sob a forma da crise da dívida externa.

Neste contexto supra exposto, surge a crise de governança que tinha sua face mais aparente através dos seqüentes episódios de hiperinflação. A partir de então, “o Estado, de agente do desenvolvimento, se transformava em seu obstáculo.” (BRESSER PEREIRA, 1997. p.14). De acordo com este autor, foi inevitável o encaminhamento para uma reforma do Estado, e esta seria composta por quatro componentes básicos:

a – delimitação do papel do Estado através dos processos de privatização, publicização e terceirização;

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c – o aumento da governança (aumento da capacidade fiscal e administrativa) e

d – o aumento da governabilidade (aumento do poder político democrático dos governantes).

Mas foi em 1990 que as privatizações tornaram-se parte integrante das reformas econômicas iniciadas pelo governo federal. A criação do Programa Nacional de Desestatização, peça chave do ajuste fiscal pretendido, passa a compor o rol de medidas supostamente de saneamento financeiro do Estado. Desta forma, durante a década de 90 o Estado brasileiro busca redefinir seu papel de regulamentador das atividades privadas, a fim de evitar os excessos de intervenção e também a sua retirada gradual dos setores produtivos sob a justificativa de que são atividades importantes para o desenvolvimento do país, mas não lhe são próprias, e de que o setor privado iria realizar as mesmas atividades com melhores resultados.

Estas ações parecem corroborar para os acordos havidos no Consenso de Washington9.

Este encontro propôs avaliar e elaborar recomendações para as reformas econômicas em curso na América Latina (Negrão, 1998). As recomendações elaboradas, embora em princípio de caráter acadêmico, de fato tornaram-se políticas impostas a risca pelas agências internacionais ante a concessão de créditos. O FMI, por exemplo, deixou alinhavado que os países que solicitassem créditos deveriam ajustar suas economias às novas recomendações, que resumidamente orientam as seguintes regras universais (Negrão, 1998, p.42):

1. Disciplina fiscal, através da qual o Estado deve limitar seus gastos à arrecadação, eliminando o déficit público;

2. Focalização dos gastos públicos em educação, saúde e infra-estrutura;

3. Reforma tributária que amplie a base sobre a qual incide a carga tributária, com maior peso nos impostos indiretos e menor progressividade nos impostos diretos;

4. Liberalização financeira, com o fim de restrições que impeçam instituições financeiras internacionais de atuar em igualdade com as nacionais e o afastamento do Estado do setor;

5. Taxa de câmbio competitivo;

9 Expressão cunhada pelo economista inglês John Willianson, para o encontro promovido pela entidade a qual

presidia, o Institute for International Economics no ano de 1989. Reuniram-se neste encontro, vários economistas latino-americanos de perfil liberal, além de componentes do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), do Fundo Monetário Internacional e também economistas do governo norte-americano.

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6. Liberalização do comércio exterior, com redução de alíquotas de importação e estímulos á exportação, visando a impulsionar a globalização da economia;

7. Eliminação de restrições ao capital externo, permitindo investimento direto estrangeiro;

8. Privatização, com a venda de empresas estatais;

9. Desregulação, com redução da legislação de controle do processo econômico e das relações trabalhistas e

10. Propriedade intelectual.

E estas ações “modernizadoras” impostas às economias latino-americanas, impulsionaram firmemente a internacionalização da nossa economia. A partir de então que se tem observado é a desregulamentação do mercado, a abertura comercial e financeira e a retração tanto do tamanho quanto do papel do Estado.

Bresser Pereira, em artigo publicado no jornal de circulação nacional Folha de São Paulo em abril de 2008, reconhece numa espécie de autocrítica tardia, que houve “o fracasso das reformas e da macroeconomia neoliberais em promover o desenvolvimento econômico nos países periféricos que a aceitaram”. O autor finda seu artigo declarando extinto o neoliberalismo, e afirmando que o capitalismo só encontrará o bem-estar econômico se este for permeado pelos benefícios do desenvolvimento político democrático, ou seja, sem contar com a ação corretiva e regulatória do Estado democrático e social, o qual faz parte de um mercado livre, mas regulado, opondo-se desta forma aos então extintos ideário neoliberal de livre mercado. Desta forma, entendemos que também reconhece o fracasso da reforma do Estado tão propagada por ele, e ainda em curso como mecanismo de pretenso desenvolvimento socioeconômico do país.

Foi na década de 80 que se fortaleceram no Estado Brasileiro os rumores de que as privatizações seriam alternativas importantes que facilitariam ao país, a retomada de sua capacidade de formular e implementar políticas econômicas e sociais.

Fortaleceu-se também, a idéia de que o Estado deveria redefinir seu papel na economia, onde o mesmo estabelecer-se-ia tanto como o disseminador da modernização quanto do progresso social. Desta forma, caberia ao Estado reduzir sua intervenção nas esferas produtivas, retirando-se do papel de executor e engrandecendo-se no papel de regulador da economia.

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Diante deste quadro apocalíptico em que as privatizações são colocadas como mecanismo de alcance de uma economia enxuta e saudável, Werneck (1989) afirma que:

Como parte de um esforço mais geral de reforma e modernização do setor público e de aumento do grau de eficiência com que opera a economia brasileira, a privatização poderá contribuir de forma significativa para a retomada do crescimento econômico e social. (WERNECK, 1989, p.297)

E dentro desta concepção saneadora das contas públicas através do processo de sucateamento e posterior privatização das empresas públicas estatais, foram ocorrendo as vendas do patrimônio público ao setor privado.

O argumento da ineficiência das empresas estatais também foi largamente utilizado pelos setores interessados no repasse destas para iniciativa privada. Diversos autores utilizam-se deste argumento para justificar e referendar a venda destas empresas. Pinheiro e Giambiagi (1993, p.278) em publicação do IPEA, concluem que:

Um dos motivos pelos quais um governo pode optar pela transferência de uma empresa estatal para o setor privado é a possibilidade de aumentar a eficiência em níveis macro e microeconômicos.

Estes mesmos autores sustentam que a eficiência das empresas estatais seria maior sob a administração da iniciativa privada em virtude de, dentre outras adjetivações, maior clareza em suas metas, pois empresas estatais nem sempre possuem objetivos comerciais, mas políticos, o que em função da duplicidade de intenção, gerariam impactos negativos a respeito da eficiência econômica destas empresas, além de que, estas empresas, por terem trânsito privilegiado aos recursos do tesouro nacional, poderiam sustentar grandes prejuízos sem terem necessariamente que fechar suas portas.

É necessário considerar, ou melhor, fazer com que os adeptos das privatizações das empresas públicas considerem além do caráter doutrinário, o caráter social que as empresas do governo desempenham no seio da sociedade. A hoje empresa privada Vale anteriormente conhecida como Vale do Rio Doce, do ramo da mineração, é um bom exemplo desta questão. Em matéria publicada no jornal O Estado de São Paulo, de circulação nacional, vinculou-se no dia 22 de fevereiro de 2006, notícia do requerimento por parte do deputado federal Marcos Vicente do PTB do Espírito Santo, de abertura de uma CPI sob o seguinte argumento:

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A empresa tem praticado todo tipo de abuso do poder econômico contra as pequenas mineradoras e empresas exportadoras, sufocando a concorrência e dominando o mercado de forma desleal e sem limites. O seu poder de controle se estende a aproximadamente 70% da malha ferroviária nacional, incluindo as ferrovias de que é proprietária e aquelas das quais é sócia. Atualmente a empresa responde por cerca de 78% do total da produção nacional de minério de ferro. As demais mineradoras são expelidas do mercado, ao serem impedidas de escoar a sua produção pelas ferrovias controladas de forma arbitrária e iníqua pela CVRD, que obriga os demais concorrentes a se submeterem a contratos leoninos. (O ESTADO DE SÃO PAULO, 22 FEV 2005)

Embora interesses políticos possam ter permeado tal pedido de investigação, é razoável crer que a empresa, outrora pública e agora privatizada, tenha passado a perseguir interesses voltados ao monopólio da produção do minério em sua região de atuação, forçando outras empresas de menor porte a fecharem suas portas, tendo como conseqüências mais diretas, o desemprego e o agravamento da questão social nas localidades onde se dão os entraves entre as empresas.

A lei 8.031 de 12 de abril de 1990, que cria o programa nacional de desestatização, em seu artigo primeiro tenta impingir um caráter social as privatizações quando argumenta que dentre seus objetivos fundamentais está a “democratização da propriedade do capital das empresas que integram o programa”. Na verdade o que se observa através das privatizações é a transferência de propriedades públicas para oligopólios, quando não monopólios privados, que não tem semelhança alguma com programas de transferência de renda ou de emancipação social e econômica da sociedade.

É leviano afirmar que empresas estatais são sinônimos de ineficiência. Ser privado ou estatal não garantirá a quem quer que seja atestado de competência ou garantirá uma gestão mais ou menos qualificada. Tem-se no Brasil exemplo recente das dificuldades administrativas e financeiras por qual passou uma grande empresa privada: a VARIG. Este fato gerou todas as nefastas conseqüências que a situação envolve: dívidas previdenciárias, trabalhistas e tributárias, desemprego, instabilidade no mercado financeiro, receio de investimentos externos na economia nacional, dentre outros. Enfim, pertencer ao núcleo privado da economia não garante eficiência ou gestão qualificada às empresas.

Por outro lado promover a defesa das estatais, necessárias para os avanços socioeconômico do país, não significa corroborar com as distorções e irregularidades que historicamente tem permeado estas esferas e nem mesmo compartilhar dos paternalismos, corporativismos, e outras situações igualmente nocivas a toda sociedade. A defesa da propriedade estatal é também a defesa da soberania nacional, a defesa da propriedade

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