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O período de sucesso do assentamento da Fazenda Paz também pode ser analisado a partir do território e do capital social. Segundo Abramovay (2000), os territórios estão longe de compreenderem simples espaços geográficos. Assim sendo, os territórios compõem uma transfiguração das relações sociais, uma verdadeira representação das identidades culturais, configurações políticas e econômicas de uma determinada sociedade. O autor utiliza a ideia do distrito marshalliano para relativizar o poder dos territórios. Nesse âmbito, as características do distrito marshalliano (conjunto diversificado de empresas familiares, cooperação, integração entre empresas e indivíduos urbanos e rurais) estão acopladas nos territórios.

Partindo destas definições, percebe-se que a lógica territorial foi propícia ao processo de desenvolvimento do assentamento. Guardadas as devidas proporções, o distrito marshalliano se fez presente na Fazenda Paz. Em primeiro lugar, um conjunto diversificado de agricultores familiares, isto é, com capacidades e habilidades

heterogêneas, possibilitou a transmissão do conhecimento técnico e produtivo no território.

Em segundo lugar, a cooperação apresentou-se como outro fator importante. Ora, sem a cooperação, os beneficiários não teriam se organizado e adquirido a terra. Ademais, o cooperativismo estabelecido permitiu que os produtos fossem comercializados no mercado interno e externo, agregando valor aos produtos da Paz.

Por último, a integração entre empresas e indivíduos urbanos e rurais permitiu um intercâmbio de informações e conhecimentos dentro do território. O próprio empreendedorismo, trabalhado por Veiga, ganha real importância com a noção de território. Tratando-se do caso da Fazenda Paz, os agentes empreendedores, isto é, aqueles capazes de promoverem a mudança econômica, só tiveram êxito na disseminação de inovações face às características do território.

Tratando-se do capital social, Putnam (1996) o conceitua uma série de características da organização social, como confiança, normas e sistemas. Dessa forma, o capital social apresenta-se como um dos propulsores do desenvolvimento das áreas rurais e explica, em boa parte, as relações existentes nos territórios. Diante disto, observa-se que o assentamento da Fazenda Paz possuiu um capital social ativo, ainda que isto tenha ocorrido, fundamentalmente, no início do projeto, quando os resultados se mostravam satisfatórios, gerando uma confiança e reciprocidade entre os beneficiários.

Logicamente, a não existência desse capital social ativo dificultaria o alcance dos objetivos propostos pelo projeto. Nesse sentido, a confiança no trabalho coletivo, no conhecimento do próximo e nas ações realizadas atuou de suma importância para a implantação do projeto. Não obstante, a crença de que todos pagariam a dívida contratada permitiu a tomada de crédito via PNCF e PRONAF.

O conjunto dos fatores anunciados até aqui foram contribuíram para o desenvolvimento do assentamento. Esse período áureo durou até o final de 2011, quando o empreendimento passou a enfrentar sérios problemas, culminando na descontinuidade do projeto coletivo e desativação da COOAPAZ. Atualmente, apenas a Associação permanece formalmente constituída. É neste cenário conflituoso que a análise do próximo capítulo residirá. Busca-se, portanto, entender e achar explicações para o declínio do assentamento da Fazenda Paz. Mais do que salvar um empreendimento da agricultura familiar, almeja-se tirar lições para possíveis políticas públicas de desenvolvimento rural.

4 O “MAU” E O “FEIO” NA TRAJETÓRIA DO ASSENTAMENTO DA FAZENDA PAZ: OS DETERMINANTES PARA A DESCONTINUIDADE DO PROJETO

O caso do assentamento da Fazenda Paz ganhou representatividade à nível nacional e era enxergado como uma experiência exitosa na agricultura familiar. A trajetória da Associação e da Cooperativa chegou a ser apresentada em Estados como Brasília e Rio de Janeiro. A ideia era que o modelo implementado na Fazenda Paz servisse de exemplo para outros arranjos de agricultores familiares que estivessem incorrendo em problemas.

Entretanto, no ano de 2012, os assentados da Fazenda Paz procuraram diversas instituições públicas e federais para que “salvassem” o projeto. Era o indício de que algo que não estava bem. Segundo os relatos, a receita do empreendimento não conseguia mais cobrir os custos de produção e o pagamento dos financiamentos contraídos. De caráter ainda mais importante, problemas internos pareciam desmotivar e desacreditar o grupo de 80 famílias que tinha adquirido a terra.

Diante desse cenário, pretende-se, nesta segunda parte do estudo, analisar os fatores que levaram a descontinuidade do projeto. Para tanto, acredita-se que as instituições, isto é, as regras formais e informais presentes na Fazenda Paz, apresentaram-se de forma ineficiente para a devida coordenação das ações dos agentes, sobretudo, a partir do período crítico vivenciado pelo assentamento, permitindo a não coordenação das ações humanas.

Procurando investigar as causas dessa descontinuidade, buscou-se selecionar e entrevistar atores chaves que participaram ativamente desde o processo de formação da ACAPAZ e da COOAPAZ, passando pela fase de sucesso do empreendimento até o período de descontinuidade. Para a análise deste capítulo, realizaram-se sete entrevistas com nove pessoas, divididas da seguinte forma: (i) um assentado da Fazenda Paz; (ii) uma assentada da Fazenda Paz; (iii) duas representantes da atual diretoria da ACAPAZ; (iv) dois representantes da FETARN; (v) um membro do MDA; (vi) um representante da EMATER; e (vii) um membro da OASIS. Com o intuito de preservar a identidade dos entrevistados e o caráter sigiloso das informações, adverte-se que os nomes dos entrevistados não serão citados na análise dos resultados.

As entrevistas foram realizadas de forma semiestruturada. Segundo Manzini (2012), a entrevista semiestruturada tem como característica um roteiro com perguntas

abertas e é indicada para estudar um fenômeno com uma população específica. O autor destaca que este tipo de entrevista contempla um conjunto de perguntas flexíveis, de modo que o entrevistador pode realizar questionamentos não previstos para entender o fenômeno.

Tratando-se deste estudo, o roteiro seguiu alguns tópicos previamente estabelecidos e que estavam relacionados a investigação dos problemas da Fazenda Paz, tais como a origem dos assentados, as regras formais e informais existentes, problemas com a produção e comercialização e falta de apoio do Estado. Ademais, as entrevistas não se restringiram a esses tópicos, de modo que foram surgindo outros questionamentos a partir dos discursos dos atores. Feitas essas considerações, busca-se, a seguir, analisar os principais resultados das entrevistas realizadas.

4.1 FALTA DE TRANSPARÊNCIA DA GESTÃO E QUEBRA DE CONFIANÇA: A