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Retomando o tema da pluriatividade, proposto inicialmente por José Graziano da Silva, emergem novos estudos a respeito dessa temática no Rio Grande do Sul. Nesse sentido, Sérgio Schneider torna-se o principal expoente da moderna literatura sobre a agricultura familiar pluriativa. No ano de 2009, o autor publicou a segunda edição do seu livro “A Pluriatividade na Agricultura Familiar”, impondo um caráter essencialmente sociológico.

Na concepção de Schneider, a pluriatividade é:

Um fenômeno através do qual membros das famílias de agricultores que habitam no meio rural optam pelo exercício de diferentes atividades, ou mais rigorosamente, optam pelo exercício de atividades não-agrícolas, mantendo a moradia no campo e uma ligação, inclusive produtiva, com a agricultura e a vida no espaço rural (SCHNEIDER, 2009, p. 97).

Partindo dessa premissa, vale salientar algumas diferenças entre os argumentos de Graziano da Silva (novo rural) e Schneider (estratégia de reprodução social das famílias). De

acordo com o primeiro, a pluriatividade adquire uma conotação voltada para a propriedade, isto é, mesmo que existam ocupações não-agrícolas, a propriedade poderá gerar atividades como o lazer e o ecoturismo. Por outro lado, Schneider considera essa valorização na propriedade uma característica da multifuncionalidade da agricultura, capaz de diversificar suas atividades. Em outras palavras, esta agricultura proposta por Graziano seria multifuncional e não pluriativa.

Outro ponto destacado por Schneider, diferentemente dos teóricos do “novo rural”, compreende a função social da pluriatividade. Longe de servir apenas como uma forma alternativa de subsistência, a pluriatividade é uma estratégia para a reprodução das famílias, configurando um processo permanente no espaço rural. Além disso, Schneider (2009) relata que não se pode confundir o estudo da pluriatividade com as atividades não-agrícolas. Segundo o autor, o crescimento das atividades não-agrícolas pode ser consequência das mudanças nos mercados de trabalho rurais. Por sua vez, a pluriatividade é caracterizada pelas múltiplas ocupações dos membros de uma mesma família. Desse modo, um dado crescimento das ocupações não-agrícolas não significa um aumento no número das famílias pluriativas.

Souza, R. e Souza, M. (2008) apontam outras diferenças entre essas duas vertentes teóricas. Os autores relatam que a origem do fenômeno da pluriatividade é visto de forma diferente. Por um lado, os teóricos do “novo rural” consideram a pluriatividade do ponto de vista macroestrutural. Por outro lado, a vertente que enxerga a pluriatividade como “estratégia da reprodução social” considera o fenômeno do ponto de vista microestrutural.

No tocante a reforma agrária, os autores relatam que os primeiros partem de uma justificativa social, isto é, a reforma agrária seria importante para evitar a ampliação do êxodo rural. Os segundos acreditam que a reforma agrária se justificaria no âmbito produtivo, na medida em que incentivaria a pluriatividade vis-à-vis as atividades agrícolas.

Por fim, mesmo ambos considerando o meio rural como um espaço heterogêneo, o novo rural acredita que o processo de diferenciação social no campo é resultado do avanço do capitalismo nessas regiões. Em contrapartida, a perspectiva da estratégia de reprodução social acredita que esse processo é fruto de movimentos históricos diferenciados, bem como de estratégias familiares diferenciadas (SOUZA, R.; SOUZA, M., 2008).

Em síntese, a pluriatividade na visão de Schneider (2009) compreende um dinâmica intra-familiar. Ora, é a capacidade de alguns membros da família de se relacionarem com um ambiente institucional, econômico e social, que torna os agricultores pluriativos. São vínculos, intercâmbios, novas relações sociais com o meio urbano e inserções na nova divisão do trabalho, que estão configurados sob o aspecto da pluriatividade e que agem como uma

estratégia para a reprodução social da família. Abstrai-se, portanto, que a pluriatividade pode ser a propulsora do desenvolvimento rural.

Partindo das mudanças provocadas pela globalização no meio rural e buscando propor estratégias para o desenvolvimento rural, Schneider (2005), citado por Souza, R. e Souza, M. (2008), tece algumas políticas públicas: (i) combinar instrumentos de estímulo às atividades agrícolas e outros mecanismos que fortaleçam e expandam as atividades não- agrícolas; (ii) investigar quais instrumentos seriam os mais adequados para estimular um ambiente social e econômico favorável ao aparecimento da pluriatividade; (iii) promover a conciliação entre os diferentes níveis de governo (local, estadual e federal) para que não haja sobreposição e que a ação de uma esfera não gere impedimentos a atuação da outra; (iv) diferenciar as iniciativas de geração da pluriatividade, segundo as características locais e regionais, o que implica em instrumento e ações diferenciadas; e (v) criação de infraestrutura (estradas, meio de comunicação) para auxiliar no desenvolvimento de atividades não- agrícolas.

Não obstante, vale destacar algumas críticas que cercam o tema da pluriatividade. Na verdade, as grandes contestações feitas ao modelo se assemelham as críticas já realizadas ao novo rural brasileiro proposto por Graziano. De acordo com Carneiro (2005), citado por Souza, R. e Souza, M. (2008), a junção de atividades agrícolas com ocupações não-agrícolas realizadas por alguns membros de uma mesma família é uma prática antiga.

Buainain et al. (2003), conforme demonstram Souza, R. e Souza, M. (2008), corroboram com essa visão. Os autores vão além e relatam que a perspectiva teórica da pluriatividade desconsidera na sua análise as assimetrias existentes entre o Brasil e os países capitalistas desenvolvidos, isto é, desconsideram, por exemplo, que as inserções no mercado de trabalho nesses dois espaços são bastante diferentes.

Nesse âmbito, os autores destacam que o processo de êxodo rural nos países capitalistas desenvolvidos foi equilibrado e impulsionado pelo aumento das oportunidades de emprego urbano-industrial. Por sua vez, o processo de êxodo rural no Brasil foi em função da falta de perspectivas de sobrevivência no campo. Apontam ainda que o próprio crescimento do emprego não-agrícola representou uma oportunidade para elevar a renda familiar nos países capitalistas desenvolvidos. Em outros termos, uma estratégia de sobrevivência para o homem do campo.

O desenvolvimento rural pode ser analisado, também, por uma ótica que vai além da existência de ORNA’s. Mais do que desempenhar diferentes atividades como forma de subsistência e reprodução social, os indivíduos possuem a capacidade de promoverem seu

desenvolvimento a partir de aspectos intangíveis, como cultura, costumes, crenças, conhecimento, cooperação, etc. Baseando-se na somatória desses princípios, têm-se a configuração de um território, sendo esta capaz de potencializar ou limitar o processo de desenvolvimento rural. Visando entender melhor o enfoque territorial do desenvolvimento rural, busca-se, a seguir, revisitar as principais contribuições teóricas dessa vertente.