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3. A instituição imaginária: a literatura

3.2 O texto como processo

O texto também não é necessariamente uma identidade discutida em termos binários: ou ele em si próprio, ou as leituras feitas. Ao contrário, é uma complexidade supradeterminada de níveis sobrepostos, dentro dos quais ele, texto, adquire relativa identidade.

21MACHEREY,P.Para uma teoria da produção literária.Trad.Ana Maria Alves.Lisboa.Estampa.1971. p.73-79

^EASTHOPE,A.Literary into cultural Studies.op.cit.p.25."The identity of a text is both determinate and indeterminate, and every reading of the text is just that, a reading of the text, the signifier simultaneously opening and closing the text in and for the subject situated in a context." Grifo no original.

Easthope distingue quatro níveis nessa complexidade. O primeiro é o nível físico, posto que os textos dependem de um meio físico de transmissão. Como tal, persistem trans-historicamente fora do discurso e porque são meios físicos, estão sujeitos a perdas, mudanças, danos. Esse nível físico é condição necessária para sua existência no nível do significante, posto que é o físico que anota a sucessão de elementos na cadeia sintagmática, a organização linear segundo a qual o texto é lido. O nível do significante, também material como o físico, garante a permanência do texto em uma identidade: é a existência desses significantes nessa ordem sintagmática e não de outros quaisquer. Mesmo nesse nível, o texto não existe por si, porque os significantes são considerados como tal na sua relação com um sujeito ao qual se destinam.

O terceiro nível, do significado linguístico, diz respeito ao sistema sintático e semântico de uma língua, sistema que, codificado em gramáticas e dicionários, torna possível começar a trabalhar com os significantes do texto para produzir significados adequados. Não é uma questão de simples palavras, de palavras isoladas, mas de como as conotações de cada uma são interligadas para produzir sentido. Os textos, assim como as sentenças, adquirem significado de acordo com o discurso dentro do qual são construídos e do contexto no qual são lidos. Mesmo assim, o texto permanece relativamente opaco e é apenas quando chegamos ao quarto e último nível, o do significado discursivo, que o texto passa a ser lido no sentido de ser interpretado.

Esses quatro níveis, que só podem ser isolados abstratamente, se relacionam entre si e a sedimentação dessas possíveis relações é que permite que o texto persista em uma identidade relativamente autônoma e fixa, que é tão real quanto qualquer objeto do mundo físico.

Segue-se, pois, que literatura certamente será referida em diferentes modos, e funcionará diferentemente através de diferentes períodos históricos, mas isso não significa que literatura não exista. Não existe enquanto essência, entidade, objeto, mas existe enquanto processo, enquanto função e a identidade do texto literário, por

sua vez, é uma identidade material relativa, que pode dar origem a uma repetição no e pelo leitor, com tudo o que a idéia de repetição implica em termos de diferença, seja uma repetição pelo mesmo leitor em tempos diferentes ou por diferentes leitores no mesmo tempo.23

Um texto é pensado e tem sentido em um determinado contexto, mas a polissemia é infinda, como deixa bem claro Derrida, e, portanto, o caráter universal da linguagem implica que nenhuma intenção específica pode saturar o texto, o qual, em virtude dessa universalidade, tem a capacidade de romper com cada contexto determinado e engendrar novos contextos infinitamente. Assim, ao mesmo tempo em que um texto não tem sentido fora de um contexto, seu sentido não pode ser limitado a ser único; o transbordamento de sentido além de um dado contexto é a condição para que ele seja recuperado em um novo contexto - que ele novamente excederá. O potencial do texto para escrituras e reescrituras infinitas torna reducionista qualquer tentativa de fixar o texto em um dado contexto. Isso implica em dizer que textos não podem ser adequadamente analisados se relacionados a uma definição de um determinado contexto histórico e social. Eles excedem tal contexto diacronicamente - sempre temporalmente indo além de uma dada leitura - mas também sincronicamente - sempre disponíveis para uma outra leitura ao mesmo tempo - até no suposto momento"originar no qual foram primeiramente produzidos.24

A minha proposta de análise de A Confederação dos Tamoios, pois, longe de adotar uma postura historicizante do texto literário, tenta pensar a relação entre uma prática histórica e uma prática significante, que deve ser antecedida da análise e da resposta à forma. Ou seja, a análise poética precede a hermenêutica.

^Ibid. p.54. 24lbid. p.112-3.

Um Poema

Pensar a relação entre prática histórica e prática significante exige, como visto, que eu principie pela análise poética de A Confederação dos Tamoios em sua versão original, para atingir, por meio da análise hermenêutica, a representação de nação que minha leitura me permite fazer. Assim, ao revelar, através da análise do discurso, o que sempre esteve, ao mesmo tempo, presente e escondido pelo próprio discurso, poderemos entender o sistema que produziu e sustentou essa representação.

É preciso começar pela leitura das leituras de A Confederação dos Tamoios, revelando o que elas descobriram e encobriram, e fazer, a partir dessa reflexão, a minha leitura dessa escritura. Ao realizá-la, produzirei a minha escritura dessa leitura, no incessante movimento de proliferação de sentidos de que nos falam Derrida e Kristeva.

TAMOYOS.

POEMA POR

D. J. G. DE MAGALHAENS.

IEOCMDA KDIÇÃO. KETtETA. CORRFCTA B AC REfCEXTA PA P IL O ACCTOK.

RIO DE JANEIRO

L I V R A R I A D E B. L. O A R N I E R UH A DO O ü T ID O I I I * « .