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Foi Benjamin Coriat (1994), dentre os escritores ocidentais, quem dedicou um estudo importante sobre esse processo de reorganização do trabalho que veio do Japão. Ele apresenta-nos os “dois pilares” sobre os quais se ergue o toyotismo:

109 . Há muitos autores e definições para o termo. Queremos citar a definição dada por um ex-torneiro

mecânico do ABC-SP: “Consiste em um processo de mudanças tecnológicas (Informática, Automação, microeletrônica ou novas formas de gerenciamento da produção) que visa alcançar maior flexibilidade e integração interna e externa. Deriva de um ambiente social, político e econômico marcado pela crise dos anos sessenta e setenta. Diante dos conflitos sociais (ele quer dizer, da luta de classes) e da concorrência, é preciso se reestruturar e a integração e a flexibilidade das empresas se apresentam como forma de aumentar a produtividade e a competividade”. Cf. NETO, Jerônimo de Almeida. Glossário da Reestruturação Produtiva: a linguagem do trabalho. Santa Catarina: VisualBooks, 2003; pág. 60.

“Na representação que dá de suas próprias inovações e, logo, de sua contribuição, Ohno insiste ininterruptamente em dois pontos. O método Toyota é, diz ele, a combinação de dois princípios (que ele mesmo designa como sendo dois “pilares” sobre os quais sua construção repousa). Esse pilares são, segundo os próprios termos do mestre japonês, ‘1) a produção just in time, 2) a ‘auto-ativação’ da produção’, Ohno (1978-1989), p. 16”110.

Todo o resto do edifício são procedimentos e técnicas de execução ou pré- condições para que o sistema funcione. Em uma linguagem militar diríamos que há “duas estratégias” e todos os demais procedimentos são as “táticas” que levarão a consumação dos objetivos propostos. O “estoque zero”, por exemplo, seria apenas uma dessas técnicas, mas não é o método Toyota em si, como nos explica Coriat, “o

estoque zero é apenas um dos resultados aos quais ele conduz, perseguindo um objetivo muito mais geral”. Na verdade, a essência do método Toyota é “pensar não o grande, mas a pequena série; não a padronização e a uniformidade do produto, mas sua diferença, sua variedade”111.

Se o estoque é o ponto de partida do toyotismo, é porque por trás dele há um “excesso de pessoal”, excesso de pessoas empregadas em relação ao nível da demanda solúvel e efetivamente escoada. Coriat nos chama a atenção para este que pode ser o eixo norteador do toyotismo, o que ele denomina de “fábrica

mínima”; “no espírito de Ohno, a fábrica mínima é primeiramente e antes de tudo a

fábrica de pessoal mínimo”. E citando literalmente o próprio Ohno, Coriat (1994) nos faz ver a essência do método Toyota:

“Na toyota, o conceito de economia é indissociável da busca da ‘redução de efetivos’ e da ‘redução de custos’(grifo nosso). A redução dos efetivos é, com efeito, considerada como um meio de

110 . Cf. CORIAT, Benjamin. Pensar pelo avesso: o modelo japonês de trabalho e organização.

Tradução de Emerson S. da Silva. Rio de Janeiro: Revan: UFRJ, 1994 (1ª edição em francês, 1991)., pág. 29.

realizar a redução dos custos que é claramente uma condição essencial da sobrevivência e do crescimento de um negócio”112.

Como podemos ver, o objeto e método do sistema Toyota é “emergir à superfície o excesso de pessoal”. Talvez o próprio Weber (1999a) ficasse admirado com tanta racionalidade vinda do oriente, pois como ele mesmo dissera, “o ‘capitalismo’ e empresas ‘capitalistas’, inclusive com uma considerável dose de racionalização capitalística, existiram em todos os países da Terra”, mas apenas “o

Ocidente desenvolveu uma gama de significados do capitalismo, e, o que lhe dá consistência...que nunca antes existiram em parte alguma”113.

É importante que nos detenhamos em mais uma citação feita por Coriat (1994), onde Ohno reafirma que o método Toyota significa essencialmente “reduzir pessoal”:

“Há duas maneiras de aumentar a produtividade. Uma é a de aumentar as quantidades produzidas, a outra é a de reduzir o pessoal de produção(grifo nosso). A primeira é, evidentemente, a mais popular. Ela é também a mais fácil. A outra, com efeito, implica repensar, em todos os seus detalhes, a organização do trabalho( grifo nosso). Ohno, id. p. 71”114.

O mais interessante para Coriat é que a introdução destes dois pilares do sistema Toyota, a “auto-ativação” e o “just in time”, que tem no método “kan-ban” sua materialização, constituem de fato “um movimento de racionalização do trabalho no sentido clássico do termo” e no caso do kan-ban pode ser considerado em

112 Cf. CORIAT, Benjamin. Op. cit., pág. 33.

113

Cf. WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. 13ª ed. São Paulo: Pioneira, 1999; p. 6. É importante considerar, ainda, que para Weber foi o Ocidente que conheceu, na era moderna, um tipo completamente diverso e nunca antes encontrado de capitalismo: a organização capitalística racional assentada no trabalho livre.

matéria de gestão de produção “a maior inovação organizacional da segunda

metade do século”115.

Tal como a introdução da manufatura no alborecer do capitalismo no século XVI, que fez uma revolução na organização do trabalho ao introduzir o parcelamento das funções, destruindo o saber das corporações, no sistema just in time e no kan- ban, não há nada de tecnológico, a inovação é “puramente organizacional”: o operário que operava apenas uma máquina no modelo fordista agora vai operar até cinco; se antes se armazenava as mercadorias em estoques permanentes, agora o estoque será “zero”, apenas o necessário para os pedidos do mercado.

Não queremos aqui esgotar todas as análises do modelo toyotista feitas por Coriat (1994), mas apenas considerar que no essencial o modelo da “fábrica mínima”, que em última instância significa “reduzir pessoal”, trouxe sérias implicações para a organização do movimento sindical em todas as partes onde foi introduzido. A teoria “idílica” da democratização das relações no toyotismo contra a estandardização e o chicote das “gerências” do fordismo impactou inclusive Coriat, para quem esse modelo era superior do ponto de vista dos operários, por causa da abolição dos “supervisores” e “gerentes” do chão das fábricas116.

Mas, como o próprio Coriat (1994) é obrigado a reconhecer, a “redução de pessoal” é que está por trás do modelo. Na outra ponta do “estoque zero” e da “redução de pessoal” está uma cadeia de subcontratação sem precedentes na

115

. Idem ibidem; pág. 56.

116

. Cf. a crítica à escola da regulação feita por GOUNET, Thomas. Fordismo e Toyotismo na

civilização do automóvel. SP: Boitempo, 1999; principalmente o capítulo “Pensar Pelo Avesso o

Capitalismo: a visão reformista de Benjamin Coriat e Alain Lipietz sobre o toyotismo”, pp. 55-117. Gounet resume categoricamente sua crítica assim: “...A crise é inerente ao sistema capitalista, ao passo que para Coriat e Lipeitz é inerente ao modelo de desenvolvimento. Além disso, ela evidencia a anarquia do sistema capitalista e, por isso mesmo, seus limites como modo de produção capaz de elevar o bem-estar da sociedade. Para a escola da regulação, a crise indica a necessidade de adotar uma nova organização do trabalho, um novo grande compromisso, um novo pacto salarial apto a impulsionar a economia de volta à idade de ouro...”; pp. 84-85.

história do capitalismo; é assim que se fecha o ciclo do toyotismo, uma grande rede de empresas subcontratadas117 que não precisam garantir emprego fixo, estabilidade e condições de trabalho dignas para seus trabalhadores.

Como havíamos exposto acima ao nos reportarmos a Marx (1996), é da própria essência do modo de produção capitalista, do seu impulso para o lucro, para a extração de mais-valia, modificar constantemente suas tecnologias e sua organização do trabalho. Aliás, essa é a “gaiola de ferro”118 dos capitalistas, da qual não podem sair; estabelece-se um “ciclo vicioso”, onde os melhores é que sobrevivem.

Para manter a produtividade e o lucro advindo desta, o capital precisa investir constantemente em “capital constante” (máquinas, ferramentas, infra-estrutura da fábrica, etc.), e nesse movimento percebe que a força de trabalho, o “capital variável’ acaba se tornando um obstáculo no caminho a ser percorrido. Só que, contraditoriamente, é do “trabalho vivo”, os operários presentes no processo de produção, que precisa extrair sua mais-valia, o trabalho não pago, conforme Marx (1996). Seria muito esquisito os capitalistas pagarem salários para as máquinas ou computadores, e mais ainda, as máquinas se transformarem em “consumidores” de suas mercadorias!

Assim – a não ser que os teóricos da sociedade “pós-industrial”119 e do “pós- capitalismo”120 estejam certos – o Capital precisa para se reproduzir do trabalho

117

. Mais adiante veremos como a Albrás e a Alunorte seguem à risca esse modelo de subcontratação.

118 . Cf. TOURAINE, Alain.Crítica da Modernidade; pág. 256.

119

. Desde 1972 que MANDEL, Ernest. Op. Cit., vem combatendo essa noção de “sociedade pós- industrial” de Daniel Bell. No capítulo intitulado “A Ideologia na Fase do Capitalismo Tardio”, ele diz que “A noção de uma ‘sociedade pós-industrial’, na qual se supõe que a estrutura social é dominada por normas de ‘racionalidade funcional’, corresponde à mesma tendência ideológica [no caso, aqueles que defendiam a supremacia absoluta da onipotência da tecnologia]”; pág. 351.

120

. ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho, já havia feito essa crítica àqueles que abandonaram o referencial marxista sobre a centralidade do trabalho no mundo atual. Ele dizia: “Os críticos da

humano, do contrário não poderá existir o capitalismo. É por isso que as teses de Gorz (1982) sobre o desaparecimento do proletariado e do surgimento da “classe dos não-classe” soaram mais como polêmica acadêmica do que como uma tese real, que abarcasse todo o mundo capitalista conhecido. Bastaria ver o número de empregos industriais que foram criados na Ásia (particularmente nos Tigres asiáticos), na China, com as inversões capitalistas nas “zonas liberadas”, nos países do “terceiro mundo”, para ver que as análises de Marx se baseiam em uma “lógica de ferro” deste modo de produção, de que “acumular capital é, portanto, aumentar o

proletariado”121.

No essencial, o toyotismo cumpriu com estes requisitos básicos de funcionamento do modo de produção capitalista. Na história do capitalismo “aumento de produtividade” nem sempre coincidiu com “introdução de maquinaria”, basta ver o longo período em que a manufatura vigorou sem o tear mecânico; aliás, como colocou Mandel (1985), “O capitalismo é incompatível com a produção

plenamente automatizada na indústria e na agricultura, porque essa situação não mais permite a criação de mais valia ou a valorização do capital”122. E, Mandel (1985) apóia-se em uma citação de Marx dos Grundrisse, que vale a pena reproduzirmos, para reafirmar sua tese de que na época do “capitalismo tardio” é impossível que a automação conquiste a totalidade das esferas da produção:

“Tão logo o trabalho na forma direta deixa de ser a fonte básica da riqueza, o tempo de trabalho deixa de ser a sua medida, e

sociedade do trabalho, com honrosas exceções, contatam empiricamente, a perda de relevância do trabalho abstrato na sociedade moderna, convertida em sociedade ‘pós-industrial’ e de ‘serviços’ e, conseqüentemente, deduzem e generalizam, a partir daquela constatação, o ‘fim da utopia da sociedade do trabalho’ em seu sentido amplo e genérico”; págs. 85-86.

121 . Cf. MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro 1, volume II. 15ª ed. Bertrand

Brasil, 1996. pág. 714, no capítulo “A Lei Geral da Acumulação Capitalista”.

122

. Cf. MANDEL, Ernest O Capitalismo Tardio. Tradução de Carlos Eduardo Silveira Matos, Regis de Castro Andrade e Dinah de Abreu Azevedo. 2ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985; pág. 146.

conseqüentemente o valor de troca [deve deixar de ser a medida] do valor de uso. A mais-valia da massa não é mais a condição para o desenvolvimento da riqueza geral, assim como o não-trabalho de uns poucos, para o desenvolvimento dos poderes gerais da mente humana. Com isso, sucumbe a produção baseada em valores de troca, e o processo direto, material de produção, é arrancado das formas da penúria e da antítese”123.

Como muito bem explicitou Coriat (1994), o modelo japonês toyotista, implica muito pouca inovação tecnológica, a não ser na fase de “auto-ativação”, onde é preciso introduzir alguns dispositivos nas máquinas para que possam parar “automaticamente” em caso de algum funcionamento defeituoso. O resto do sistema se apóia inteiramente em mudanças organizacionais (por exemplo, “um homem, cinco máquinas”) tais como fizeram a manufatura e o próprio Taylor, com a introdução do cronômetro nas linhas de produção.

Isso não significa que o tempo todo os capitalistas, por conta da eterna concorrência do modo de produção capitalista, não estejam inventando novas tecnologias e incorporando parte delas no processo produtivo. Ao contrário, como veremos no capítulo III, há muita inovação no campo do controle através de

software, os programas de computadores. É uma lei intrínseca a este modo de

produção. Assim, para a “Escola de Regulação”124, tivemos o taylorismo, o fordismo

123 . Apud MANDEL, Ernest. Op. cit., pág. 146. É interessante completar a argumentação de Mandel.

Se o capitalismo fosse capaz de transformar todos os trabalhadores em “cientistas”, isso implicaria uma supressão radical da divisão do trabalho entre manual e intelectual, e que “tal mudança básica no conjunto da formação social e na cultura do proletariado solaparia toda a estrutura hierárquica da produção fabril e da economia, sem a qual seria impossível a extorsão de mais-valia do trabalho produtivo”, e complementa, “as relações de produção capitalistas entrariam em colapso”.

124

. Para uma crítica mais atual da Escola da Regulação ver BRAGA, Ruy. A Nostalgia do

Fordismo: modernização e crise da teoria da sociedade salarial. São Paulo: Xamã, 2003. É uma

das críticas mais veementes à Escola da Regulação. Dentre outras coisas, o autor diz (p.228): “Sinteticamente, a Teoria da Regulação apresenta, desde as origens, sua vocação: representar, do

ponto de vista teórico, o suposto destino dos trabalhadores em colaborar inevitavelmente com a burguesia (grifo nosso). Por intermédio do produtivismo teórico, as determinações políticas da

classe trabalhadora são sacrificadas no altar das ‘necessidades sistêmicas’ capitalistas. O formalismo da análise expulsa, progressivamente, as referências aos antagonismo sociais, eliminado a contradição: a relação salarial assume o espaço da luta de classe”.

e agora o modelo japonês (toyotismo), como formas de organizar a acumulação capitalista.