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2.1 – Reorganização do mundo do trabalho e a “crise do

sindicalismo”

Era inevitável que a crise do capitalismo mundial e sua “reação” para sair da mesma trouxessem graves conseqüências para o movimento operário100 e seus sindicatos. As novas tecnologias e a reestruturação produtiva começavam a colocar abaixo o “compromisso fordista” e inauguravam a época da “acumulação flexível”, nos termos colocados por Harvey101. A rigidez do fordismo, que era a base do sindicalismo nos principais países imperialistas, não dava mais conta de superar a crise de acumulação capitalista. O choque do petróleo e a profunda recessão de 1973 advinda deste colocaram em movimento um conjunto de processos que estremeceram o modelo fordista. Justamente, a “acumulação flexível” é uma luta

100 . Por“movimento operário” entendemos todas as ações, greves, lutas e manifestações levadas a

cabo pelos operários, seja de forma espontânea ou organizada, através de suas organizações sindicais, como os sindicatos e centrais sindicais ou de seus partidos e correntes políticas. Definimos Movimento Operário no melhor estilo dado por Engels em “A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra”, mais exatamente no capítulo “Os Movimentos Operários”: “A freqüência inaudita das paralisações do trabalho é a melhor prova da extensão assumida pela guerra social na Inglaterra. Não passa nenhuma semana, quase dia nenhum, sem que se deflagre uma greve em qualquer parte – contra uma redução de salário, como a propósito da recusa de um aumento; porque se empregaram knobsticks, ou ainda porque o patrão se tinha recusado a pôr fim a abusos e melhorar instalações deficientes; ou porque foram introduzidas novas máquinas, ou por cem outros motivos. Estas greves não são, é verdade, senão escaramuças dos postos avançados, por vezes também combates mais importantes; elas não decidem nada definitivamente mas são a prova mais segura que a batalha decisiva entre o proletariado e a burguesia se aproxima. São a escola de guerra dos operários, onde eles, onde eles se preparam para o grande combate a partir de agora inevitável; são os pronunciamentos de diferentes ramos do trabalho, que consagram a sua adesão ao grande

movimento operário”(grifo nosso). Cf. ENGELS, F. A situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra.2ª ed. São Paulo: global, 1985; pág. 253. Sobre a história do Movimento Operário

consultar RIAZANOV, D. Marx e Engels e a história do Movimento Operário. São Paulo: Global, 1984.

101 . Cf. HARVEY, David. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da Mudança

Cultural. Tradução de Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. 13ª edição, São Paulo: Loyola,

2004 (1ª edição em português, 1992; edição inglesa, 1989). Consultar especificamente o capítulo 9: “Do Fordismo à Acumulação Flexível”.

direta contra o fordismo e o poder de fogo dos sindicatos. É esclarecedor o que diz o criador do termo:

“A acumulação flexível (grifo nosso), como vou chamá-la, é

marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo102. Ela

se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimentos de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças nos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado “setor de serviços”, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas (tais como a ‘Terceira Itália”, Flandres, os vários vales e gargantas do silício, para não falar da vasta profusão de atividades dos países recém-industrializados). Ela também envolve um novo movimento que chamarei de “compressão do espaço-tempo” (ver parte III) no mundo capitalista – os horizontes temporais da tomada de decisões privada e pública se estreitaram, enquanto a comunicação via satélite e a queda dos custos de transporte possibilitaram cada vez mais a difusão imediata dessas decisões num espaço cada vez mais amplo e variado”103.

As questões chaves levantadas por Harvey (2004) já vinham incomodando diversos pensadores das Ciências Sociais e militantes políticos da esquerda marxista há alguns anos. Produto de sua crise econômica, o capitalismo mundial se viu obrigado a mudar radicalmente seu processo produtivo, a fim de garantir a produtividade necessária inerente ao eterno ciclo de competição intercapitalistas. Esse movimento começou com a introdução de novas tecnologias nos países

102 . Sintetizaremos o conceito de fordismo a partir de Antunes: “...entendemos por fordismo

fundamentalmente comoa forma pela qual a indústria e o processo de trabalho consolidaram-se ao longo deste século [século XX], cujos elementos constitutivos básicos eram dados pela produção em massa, através da linha de montagem e de produtos mais homogêneos; através do controle dos tempos e movimentos pelo cronômetro fordista e produção em série taylorista; pela existência do trabalho parcelar e pela fragmentação das funções; pela separação entre elaboração e execução no processo de trabalho; pela existência de unidades fabris concentradas e verticalizadas e pela constituição/consolidação do operário-massa, do trabalhador coletivo fabril, entre outras dimensões”. Cf. ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as Metamorfoses do Mundo do

Trabalho. 3ª ed. São Paulo: Cortez; Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1995; pág.17.

capitalistas avançados e com a transferência de fábricas e empresas para regiões onde se poderia garantir a retomada das margens de lucro.

Não é nosso objetivo aqui analisar todos os pensadores que, de uma forma ou de outra, se sentiram impactados com a “nova fase” de desenvolvimento do capitalismo. A maioria deles teve uma formação marxista ou foi militante da velha ou nova esquerda européia, e muitas das caracterizações que colocam acerca desse processo são discutíveis como “pós-industrialismo”, “pós-capitalismo”, “sociedade informacional”, etc.

Foi André Gorz (1982) quem abriu um longo debate nas Ciências Sociais e na esquerda acerca do papel do proletariado e do trabalho nessa nova fase do capitalismo. Suas teses fundamentalmente se apóiam na introdução da robótica e do processo de automação nas fábricas francesas, japonesas e européias na década de 70. De fato, os dados fornecidos por Gorz (1982) para a época (1980) eram por si só impactantes, daí porque o citamos:

“Nas fábricas da Toyota (automóveis), no Japão, um quanto de operários de montagem foram substituídos por robôs. Na Citroën, em Aulnay-sous-Bois, a soldagem das carrocerias da ‘CX’ é realizada por um robô que faz o trabalho de trinta operários. Na mesma fábrica, cinqüenta motoristas de empilhadeiras foram substituídos por cinco programadores sentados diante de suas mesas: os distribuidores de peças isoladas são automatizados e os carros que apanham e distribuem as peças são comandados por computador”104

Essa mudança tecnológica gerou um processo de desemprego estrutural e uma divisão hierárquica entre o proletariado e os que ficaram à margem do processo industrial, a “não-classe dos não-trabalhadores”. Mas, quem seria essa “não-

104 . Cf. GORZ, André. Adeus ao Proletariado: para além do socialismo. Tradução Ângela

Ramalho Vianna e Sérgio Góes de Paula. Rio de Janeiro: forense-Universitária, 1982. Anexos, pág. 158.

classe”? Ela englobaria desde os indivíduos que se encontram expulsos da produção pelo processo de “abolição do trabalho”, subempregados em suas capacidades pela industrialização, desempregados reais e virtuais, permanentes e temporários105Gorz (1982) acabou vendo, com seu impressionismo sociológico, o futuro nessa “nova classe”(?); ela seria a portadora do futuro, “a abolição do trabalho

não tem outro sujeito social possível que não essa não-classe”106.

Sua tese encontrou afinidade entre vários intelectuais que já não mais tinham como horizonte a utopia socialista e a sociedade comunista projetada por Marx. Mas, também, foi alvo das críticas mais contundentes por parte de socialistas, cientistas sociais e militantes políticos. Como disse Antunes, “se um dos seus

objetivos era instaurar um novo patamar para o debate, pode-se dizer que Adeus ao Proletariado é, deste ponto de vista, um livro vitorioso”107. Depois dele, muitos outros autores vieram destacando a mesma problemática, seja para ratificar seu ponto de vista, seja para negá-lo108.

Quase quatro décadas depois de iniciado este debate, ao nos voltarmos especificamente para uma pequena parte do mundo do trabalho, localizado no

“capitalismo periférico” e em uma região atrasada do ponto de vista capitalista – a

Amazônia Oriental – somos obrigados a voltar às mesmas questões que eles formularam: o proletariado estaria desaparecendo? Os sindicatos, enquanto instrumentos de luta histórica estariam “definhando”? O trabalho não seria mais uma categoria central de análise nas ciências sociais? A

105 . Idem Ibidem, págs. 87-88.

106 . Cf. GORZ, André. Adeus ao proletariado. Op. Cit., pág. 16.

107 . Cf. ANTUNES, Ricardo. Op. cit. Pág. 9.

108 . Como nos diz Antunes(1995), “Só a título de registro parcial, lembremos os livros ou artigos (por

certo muito distintos e heterogêneos) de Claus Offe, Benjamin Coriat, Alain Touraine, Jean Lojkine, Fergus Murray, Adam Schaff, Ernest Mandel, István Mészáros, Robert Kurz, Alain Bihr, Thomas Gounet, Frank Annunziato, David Harvey, Simon Clarke, entre tantos outros que tematizaram acerca de dimensões e problemas que dizem respeito ao presente e futuro do mundo do trabalho”; pág. 9.

chamada “crise da sociedade do trabalho” deixou de lado a possibilidade da revolução proletária? A reorganização do trabalho em seus moldes “flexíveis” é um fator determinante para a “inércia” dos trabalhadores?

Para o objetivo proposto neste trabalho é quase impossível abarcarmos todas essas questões. Entretanto, trataremos brevemente de algumas delas nos próximos tópicos, a fim de que possamos compreender minimamente os fenômenos que se passam hoje nas fábricas da ALBRÁS E DA ALUNORTE, que são nosso objeto de estudo, e que estão diretamente relacionados com a crise do sindicalismo e com o neoliberalismo.

Das características elencadas por Harvey (2004) no regime de “acumulação flexível”, interessa-nos discutir o processo de reorganização do trabalho, que tem no toyotismo sua face mais visível, e que terá para nós implicações nas fábricas da ALBRÁS E DA ALUNORTE por conta das relações bilaterais entre Brasil e Japão.