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Em face às ideias que temos defendido até aqui, temos convicção que um possível caminho para a formação continuada de professores, com vistas a desencadear um processo reflexivo sobre a prática, passa por um trabalho com dimensões colaborativas (NACARATO, 2009).

Adotar essa perspectiva, no âmbito da pesquisa educacional, interessada pela reflexão crítica do processo formativo (PIMENTA, 2010), significa conceber que a reflexão sobre a prática envolve tanto um mergulho no conhecimento teórico quanto no mundo da experiência.

Entendido dessa forma, o processo investigativo sobre a prática, pautado pela colaboração, se configura como uma atividade de coprodução de saberes, de formação, reflexão sobre prática e desenvolvimento profissional. Cenário em que pesquisadores e professores agem interativamente, com o objetivo de compreender e transformar determinada realidade educativa. Nesse sentido, concordamos com Fiorentini (2006, p. 132), quando afirma: “[...] pesquisar colaborativamente exige o envolvimento de professores da escola e da universidade em projetos que enfrentam o desafio de mudar as práticas escolares e de contribuir para o desenvolvimento de seus participantes”.

Ibiapina (2008, p. 21) argumenta que a investigação colaborativa reconcilia, no seu bojo, duas dimensões da pesquisa em educação: a construção de saberes e a formação continuada de professores. Em outras palavras, do ponto de vista

da pesquisa educacional, a investigação colaborativa propicia ao pesquisador uma compreensão mais acurada e crítica a respeito do que pensam os professores e como eles refletem sobre a sua prática. Já do ponto de vista dos professores, significa que na medida em que eles se percebem como capazes de analisar, refletir e alterar suas práticas, eles se fortalecem como pessoas e como profissionais.

De todo modo, diversos pesquisadores Boavida & Ponte (2002); Fiorentini (2006); Ibiapina (2008); Castle (1997); Olson (1997), entre outros, têm concordado que um trabalho de colaboração existe, necessariamente, uma base comum entre os diversos participantes. Dito de outra forma, para que haja um projeto coletivo, tem de existir um objetivo geral, ou pelo menos, um interesse comum, partilhado por todos, que no nosso caso, se caracterizou, por um lado, pelo nosso interesse em investigar as categorias de base concernentes ao Campo Conceitual Multiplicativo e, por outro lado, pelo interesse dos professores em melhorar o desempenho dos seus alunos em matemática.

Mas uma investigação colaborativa não se apoia apenas nesse aspecto. Ter um objetivo comum é condição necessária, mas não suficiente para sustentar o desenvolvimento de um trabalho colaborativo. Sobre esse aspecto concordamos com as reflexões de Boavida & Ponte (2002):

Um trabalho colaborativo não depende só da existência de um objetivo geral comum. As formas de trabalho e de relacionamento entre os membros da equipe têm, igualmente, que ser propiciadoras do trabalho conjunto. Se os participantes não se entendem neste ponto, mesmo com objetivos comuns, o trabalho não poderá ir muito longe. Subjacente à ideia de colaboração está, também, certa mutualidade na relação: todos têm algo a dar e algo a receber do trabalho conjunto. Se a relação é muito desequilibrada, havendo uns que dão muito e recebem pouco e vice- versa, é problemático atribuir a essa atividade um carácter de colaboração. Mas, atenção, mutualidade e equilíbrio não significam igualdade absoluta. Significam, apenas, que todos os participantes têm um papel reconhecido no projeto e beneficiam, de modo inequívoco, com a sua realização. A igualdade como meta pode ser inviável – em especial nos projetos em que existem membros com diferentes papéis dados a sua formação específica – e procurar impô-la à força pode ser não só artificial como contraproducente (BOAVIDA & PONTE, 2002, p. 6).

Contudo, há uma discussão recorrente entre os diversos pesquisadores sobre a investigação colaborativa, se é imprescindível ou não que existam objetivos comuns para que a colaboração seja bem sucedida. As posições não são consensuais, mas todos os tendem a concordar que um participante num projeto de investigação colaborativa tem de assumir um mínimo de protagonismo, não se reduzindo, por exemplo, o seu papel ao de um mero fornecedor de dados a outros participantes.

Castle (1997, apud BOA VIDA & PONTE, 2002) esclarece bem esse ponto, quando argumenta que o êxito de um projeto colaborativo não requer que todos os intervenientes participem de modo semelhante nas diversas atividades, ou que todos obtenham, com o projeto, benefícios equivalentes. Para a autora, a chave da colaboração está, antes, na natureza da interação entre os participantes, nos modos pelos quais respondem ao amplo objetivo comum, como respondem uns aos outros, aprendem uns com os outros, e negoceiam a sua relação.

Sobre esse aspecto e retomando a dupla dimensão do processo formativo sobre o viés da colaboração (pesquisa e formação), concordamos com Ibiapina (2008), quando discute que os atores envolvidos no processo não necessariamente precisam participar igualmente de todas as etapas de consecução do projeto. Os professores podem não ser necessariamente chamados a participar das tarefas formais da pesquisa, como por exemplo: definição do quadro conceitual necessário à problematização da prática e aos objetivos da pesquisa, da metodologia da construção e análise dos dados. Isso se configura como tarefa do pesquisador, que pode decidir planejá-la com ou sem a participação dos professores, de acordo com os objetivos da sua investigação.

O que não se pode perder de vista é a necessidade de engajamento dos professores no processo de reflexão sobre determinado aspecto da prática que os levará a explorar situações novas associadas à sua prática que, em última instância, a partir da reflexão, proporcionará a compreensão de teorias e a explicitação de hábitos não conscientes empregados nas suas práticas cotidianas. De todo modo, para que haja o engajamento dos professores num trabalho de colaboração, muitos estudiosos, como por exemplo: Goulet & Aubichon, (apud, BOA VIDA & PONTE, 2002, p. 7) têm apontado a confiança como sendo o

primeiro passo para a colaboração. Nessa direção Boavida e Ponte (2002) afirmam:

A confiança é fundamental para que os participantes se sintam à vontade em questionar abertamente as ideias, valores e ações uns dos outros, respeitando-os e sabendo, igualmente, que o seu trabalho e os seus valores são respeitados. A confiança está, naturalmente, associada à disponibilidade para ouvir com atenção os outros, à valorização das suas contribuições e ao sentimento de pertença ao grupo. Sem confiança dos participantes uns nos outros e sem confiança em si próprio não há colaboração (BOAVIDA & PONTE, 2002, p. 7).

Um segundo aspecto tão importante quanto à confiança é o diálogo, pois é de fundamental importância que aceite a voz pessoal, decorrente da experiência e, por outro lado, é necessário ter sempre presente que toda ideia é transitória. No entanto, pode-se notar que o diálogo, mais do que um instrumento de consenso, que serve para anular contradições, deverá ser, sobretudo, como refere Christiansen et al. (1997, apud BOA VIDA & PONTE, 2002, p. 7) “o dialogo um instrumento de confronto de ideias e de construção de novas compreensões”.

Um terceiro aspecto fundamental nos projetos colaborativos é a ideia da negociação. Segundo Boavida & Ponte (2001), “é preciso ser capaz de negociar objetivos, modos de trabalho, modos de relacionamento, prioridades e até significados de conceitos fundamentais”.

Essa negociação permeia o trabalho colaborativo do começo ao fim, sendo fundamental nos inevitáveis momentos de tensão e crise. Como salientam Christiansen et al. (1997, p. 285): “a chave para uma colaboração bem sucedida é uma negociação aberta da partilha de poder e expectativas relativamente ao papel de cada um dos participantes, à medida que um projeto se desenvolve”.

Reason (1988b, p. 25), adverte que “a fase inicial de um trabalho colaborativo é particularmente crítica, pois se as pessoas não se conhecem muito bem, têm de aprender a lidar umas com as outras”. Se se conhecem, têm, mesmo assim, de se reconhecer em novos papéis, fazendo coisas diferentes das que realizam habitualmente.

O autor ainda aponta dois pontos importantes que podem minar o trabalho colaborativo: (a) se o projeto a ser desenvolvido estiver muito fechado, com objetivos e regras bem definidas, a priori, há pouco espaço para negociação entre os seus participantes; (b) se o projeto estiver muito aberto pode dar origem à grande ambiguidade e confusão e pode levar a discussão para muito longe dos desejos e necessidades do grupo.

Nesse sentido, afiliamos as ideias de Hookey, Neal e Donoahe (referenciado por PONTE, 2002), quando sugerem cinco ações que podem facilitar o trabalho colaborativo: (a) Iniciar uma relação de trabalho, o que inclui a negociação de como, por que e quando trabalhar em conjunto; (b) Determinar propósitos vantajosos para o trabalho em comum; (c) Estabelecer contextos de apoio, que passa, nomeadamente, por negociar apoios junto das direções das escolas; (d) Manter uma relação de trabalho, o que requer enfrentar ambiguidades e negociar questões que surjam durante o trabalho conjunto e, (e) expandir os propósitos iniciais do trabalho, de modo a permitir diferentes possibilidades de desenvolvimento profissional.

A partir das ideias apresentadas na presente sessão, temos como pressupostos, nos limites do nosso estudo, que: (a) Os participantes do nosso estudo compõem um grupo com objetivos e metas comuns; (b) estão interessados em um problema que emerge em um dado contexto em que atuam; (c) Pesquisadores e pesquisados (no nosso caso professores das séries iniciais do Ensino Fundamental), colaborativamente, problematizam a realidade e com auxílio dos pesquisadores, tornem-se capazes de situá-la num contexto teórico mais amplo; (d) a possibilidade de ampliação da consciência dos envolvidos, com vistas a planejar as formas de transformação de suas ações e de suas práticas18.

Assim, acreditamos que a investigação colaborativa além de congregar duas dimensões: a da pesquisa e da formação – se configura como uma boa estratégia para se pesquisar sobre a prática, que em última análise possibilitará a

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Estamos utilizando o conectivo e para dar sentido de ação mais a prática, pois entendemos com Sacristán (1999, p. 71) que prática difere de ação. Esta pertence aos sujeitos, é própria dos seres humanos que se expressam nelas. Na ação, agimos de acordo com o que somos e, no que fazemos, é possível identificar o que somos. A prática pertence ao âmbito do social e expressa a cultura objetivada, o legado acumulado, sendo própria das instituições. É certo, no entanto, que nossas ações expressam práticas sociais e que estas são constituídas a partir dos sujeitos historicamente considerados.

criação, no contexto escolar, de uma cultura de análise sistemática para se refletir sobre essa prática, a partir do encontro entre pesquisadores e professores.

Nessa perspectiva, o grupo se torna importante como espaço de questionamentos, apresentação de dúvidas, debates, reflexões e busca ou tentativas de construção de respostas, empreendendo maior segurança ao professor no desenvolvimento de suas práticas em sala de aula.

[...] o fato de existir o grupo dentro da própria escola, e com reuniões frequentes, dá às professoras soluções aos dilemas que surgem, possibilitando que não haja interrupções no desenvolvimento das atividades com as crianças. (NACARATO, 2000, p. 285).

A autora esclarece que quando ajudado pelo grupo, as reflexões do professor ganham sentido e se expandem momento em que “o saber experiencial e pedagógico possibilita a produção de saberes e a aquisição de uma multiplicidade de caminhos para o trabalho de sala de aula” (NACARATO, 2000, p. 285).

Para finalizar a discussão, gostaríamos de citar como exemplos de ações colaborativas, no âmbito da formação de professores, os trabalhos que vêm sendo desenvolvidas pelos grupos coordenados por Fiorentini et al. na UNICAMP/FE, denominado o Grupo de Sábado, o trabalho desenvolvido no grupo coordenado por Nacarato, no interior da Universidade São Francisco (USF), campus de Itatiba-SP e o REPARE em Edu Mat, na PUC/SP, coordenado por Magina et al. que, apesar de terem focos de interesses distintos, os três grupos pautam as suas dinâmicas pelo trabalho colaborativo.

O primeiro grupo, constituído há cerca de 10 anos, congrega professores formadores, futuros professores e professores da escola que, mediante práticas colaborativas, estudam juntos, refletem, investigam e escrevem sobre a complexidade de ensinar e aprender matemática nas escolas e negociam as práticas curriculares desejáveis e possíveis para cada realidade.

O segundo grupo, existente desde 2003, é composto por professores da educação básica, graduandos do curso de Matemática, mestrandos em Educação e por professoras formadoras. A participação no grupo é sempre voluntária,

ocorrendo entradas e saídas de professores e alunos ao final de cada semestre, mas alguns participantes permanecem no grupo desde o seu início. Durante os quatro primeiros anos, o grupo esteve envolvido com a temática de Geometria e seu ensino, o que definiu o nome atribuído ao grupo: Grucogeo.

No ano de 2008, a temática de estudo do grupo passou a ser a Estocástica (trabalhando com os conteúdos de Estatística e Probabilidade), o que conferiu ao grupo a denominação de Grucomat. O objetivo principal, do grupo nesse período, foi o de investigar os saberes produzidos e mobilizados em um grupo de trabalho de dimensão colaborativa, quando se tomam a Estatística e a Probabilidade como objetos de estudo e em que medida a sua apropriação pelos professores possibilita novas práticas em sala de aula.

O terceiro trata-se de um grupo constituído por pesquisadores e por estudantes de mestrado e doutorado, que têm como interesse comum as realizações das suas pesquisas e aprofundamento teórico nas diversas áreas do campo educacional. As reuniões do grupo ocorrem sistematicamente todas as segundas-feiras, em torno de uma pauta definida previamente por seus integrantes.

A dinâmica do grupo permite que sejam discutidas teorias no âmbito da Educação Matemática, de interesse comum, bem como possibilita aos seus integrantes colocar em discussão suas pesquisas em andamento. Todos leem e todos contribuem para o desenvolvimento da pesquisa de todos.

2.5 O que dizem os estudos sobre a formação colaborativa de