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O trabalho da Barreira de Contacto: operações envolvidas

No documento W.R.Bion e o conceito de Barreira de Contacto (páginas 161-166)

R: Oh, porque têm eu sou mesmo assim sou mesmo feia e também, não sou capaz de lhes responder nada (silêncio) sempre me senti assim toda a

V. Barreira de Contacto

5.3. O trabalho da Barreira de Contacto: operações envolvidas

Após ter tentado responder à questão: „o que é a barreira de contacto em

Bion?‟, surge agora naturalmente a questão: „como é que opera?‟ Esta questão

leva-nos a uma outra importante questão: qual o uso da barreira de contacto?, isto é, que função e utilidade é que tem para nós, que nos leva a crer, seguindo Bion, que a barreira de contacto é uma peça central do funcionamento mental? Quanto à questão de como é que funciona, poderemos dizer que a barreira de contacto é uma espécie de - fazendo aqui uso de uma analogia de tipo industrial – supervisor no departamento função-α. Sendo constituída por elementos-α, a barreira de contacto organiza-os continuamente, trazendo ou mantendo alguns no consciente e mantendo ou enviando outros para o inconsciente. Este movimento de gestão parece ser da maior importância, pelo que a organização e distribuição de elementos mentais onde estes são necessários e comportáveis em cada momento, e uma eficiente estratégia económica quanto à energia mental, é essencial na manutenção de uma mente saudável e equilibrada.

Podemos ler nas próprias palavras de Bion acerca das diferenças entre „saudável‟ e „psicótico‟:

“A diferença entre estes dois estados [estados ou partes saudáveis e psicóticas da personalidade] deriva das diferenças entre uma barreira de contacto composta por elementos-alfa e outra composta por, se essa é a palavra certa, elementos-beta.” (Bion 1962a, p. 22)159

Assim, se não fosse constituída por elementos-α, a barreira de contacto não

159 “The difference in the two states derives from the differences between a contact-barrier

composed of alpha-elements and one composed, if that is the right word, of beta-elements.

155 poderia existir enquanto tal e a sua função esencial não seria possível, abrindo desse modo o caminho à desorganização dos elementos mentais, à supressão da distinção entre consciente e inconsciente e, na verdade, à supressão do próprio inconsciente. Tal levaria à situação que observámos antes, que Bion chama „ecran-β‟.

Bion afirma que:

“A susbtituição de uma barreira de contacto por um ecran-beta é um processo vivo.” (Bion 1962a, p. 24)160

E, poderíamos dizer, vice-versa. A barreira de contacto é ininterruptamente criada e remodelada, contanto que novos elementos-α estejam constantemente a ser produzidos. Creio que esta perspectiva nos pode dar uma ideia da importância tremenda do conceito com o qual aqui lidamos.

Sem a barreira de contacto, sendo a materialização das transformações conseguidas pela função-α, todo o edifício da função-α colapsaria. É a barreira de contacto, assim apresentada por Bion, que torna possível uma utilização contínua de elementos-α.

É possível, como referi, que nem o próprio Bion estivesse totalmente ciente da importância desta sua descoberta – esta constante e marcadamente dinâmica troca de posição de elementos mentais entre consciente e inconsciente é pensada pela primeira vez, e trazida até nós através da ideia da barreira de contacto; não apenas no plano da repressão, nem apenas no plano da natureza da fantasia inconsciente, mas igualmente no plano profundamente incognoscível das experiências emocionais.

É deste modo que creio que a criação deste conceito tem infindáveis consequências no modo de considerar a mente humana.

Ainda acerca da natureza dinâmica da barreira de contacto, Bion afirma que:

“(...) os „pensamentos-sonho‟ e o pensamento inconsciente em vigília (...)

160 “The replacement of a contact-barrier by a beta-screen is a living process.” (Bion 1962a, p.

156

são a textura da barreira de contacto.” (Bion 1962a, p. 25)161,

o que creio significar que a qualidade da barreira de contacto é dada através da natureza destes elementos e que, ao mesmo tempo, sendo a barreira de contacto o que permite a própria existência do “pensamento inconsciente

acordado”, estes mesmos elementos dependem da barreira de contacto.

Este assunto recupera a questão do inconsciente, mesmo que agora numa perspectiva particular.

No capítulo III afirmei que, o facto de algo ser inconsciente não era particularmente relevante para Bion por duas razões principais: em primeiro lugar, porque o ser consciente ou inconsciente é sempre olhado por Bion como um estado transitório, dada a natureza dinâmica da vida mental; em segundo lugar, e mais importante, porque o foco principal do pensamento de Bion neste contexto é colocado na possibilidade de uma constante mudança, de uma troca de elementos entre o consciente e o inconsciente, possível através da condição de „awareness‟ e da criação do inconsciente através do produto trabalho da função-α.

A barreira de contacto, assim considerada, parece de facto ser responsável pela manutenção da sanidade. Ainda citando Teising, que creio que aborda esta questão de um modo interessante e esclarecedor:

“Só quando a barreira de contacto permanence suficientemente segura, é que a regulação do „tráfego de fronteira‟ interpessoal pode existir, tanto com os objectos como com elementos inconscientes. Com barreiras de contacto excessivamente permeáveis, as relações com o mundo exterior são perigosas, falhando igualmente na importante tarefa de proteger o

161 “(…) dream thoughts and unconscious waking thinking (…) are the texture of the contact-

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espaço de pensamento de ser inundado pelo inconsciente.” (Teising 2005, p. 1632)162

Poderemos dizer que, tanto o consciente como o inconsciente dependem da barreira de contacto para a sua manutenção saudável, pois esta é responsável pelo equilíbrio deste movimento dinâmico entre ambos – considerando um funcionamento mental saudável e suficientemente equilibrado, é a barreira de contacto que permite manter um status quo mental relativamente aproximado de uma permeabilidade ideal.

Movimentos mentais, como a “relegação do pensamento para o inconsciente” para ganhar espaço consciente de modo a aprender uma nova tarefa, ou simplesmente para pensar conscientemente; o envio para o inconsciente, por meio de repressão, de pensamentos ou sentimentos difíceis de suportar na consciência; ou, de resto, todo um sem número de operações realizadas pela barreira de contacto, evidenciam um mundo interno saudavel e contido.

Parece ser o insuportável que nos faz perder o equilíbrio, e perder a capacidade de atribuir sentido aos dados de cada experiência emocional, isto é, perder a função-α e com esta a barreira de contacto. Nessa situação, encontrar-nos-íamos sem fronteiras, com uma omnipresente e devoradora consciência. A incapacidade em lidar com a frustração associada a esperar, à ausência de um objecto precioso ou, em geral associada ao crescimento interior capaz de manter a função-α operacional, pode conduzir a esta situação, como podemos ler em Bion:

“A intolerância à frustração pode ser tão pronunciada, ao ponto da função- alfa ficar bloqueada por uma evacuação imediata de elementos-beta.” (Bion 1962a, p. 35)163

162 “It is only when the contact-barrier exists in a secure enough way that interpersonally

regulated ‗border traffic‘ can take place with the objects as well as with unconscious derivatives. With excessively permeable contact-barriers, relationships with the external world are dangerous. They also fail to safeguard the thinking space against flooding from the unconscious.” (Teising 2005, p. 1632)

163 “Intolerance of frustration could be so pronounced that alpha-function would be forestalled by

158 Assim, tornam-se porventura mais claros os fundamentos da minha posição a este respeito – considero que a criação e manutenção contínuas da barreira de contacto constituem uma fundamental questão de saúde. Independentemente de como consideremos o conceito de barreira de contacto, recorrendo a imagens físicas (como identificá-la com uma “membrana”) ou qualquer outra ferramenta para pensá-la, creio que o que é mais fundamental é o reconhecimento da importância nevrálgica desta frágil e delicada instância menta,l de modo a podermos obter uma imagem mais clara do funcionamento do nosso mundo interno e, idealmente, de ser possível fazer-se algum uso clínico dela.

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No documento W.R.Bion e o conceito de Barreira de Contacto (páginas 161-166)