• Nenhum resultado encontrado

II. REVISÃO DA LITERATURA

2.3 O trabalho em turnos alternantes

O trabalho em turnos pode ser definido como um tipo de trabalho onde a produção ou prestação de serviços são realizadas em horários diurnos ou não, com ou sem interrupção diária, ocorrendo nos dias úteis ou nos sete dias da semana (Silva & Silva-Neto, 2010), sendo os padrões mais comuns o turno noturno ou alternante (Wang et al., 2011). A rotina de trabalho em horários irregulares tem se tornado cada vez mais comum, para atender a demanda da indústria moderna na manutenção do processo de produção nas 24 horas do dia (Moreno et al., 2003), sendo uma prática comum em muitas empresas do setor produtivo, inclusive no setor da mineração. Apesar disso, esse tipo de trabalho não foi uma invenção da era industrial, pois já existia desde o princípio da vida social dos homens, com o surgimento das cidades e estados (Rutenfranz et al., 1989). Os grupos profissionais pioneiros nos sistemas de turno são

18 principalmente os da área de segurança, como guardas noturno, vigias, policiais e bombeiros, ou os dos serviços de saúde, representado pelas enfermeiras, médicos e socorristas (Rutenfranz et al., 1989).

O trabalho em turnos alternantes podem ocorrer em sentido horário e anti-horário, que é a forma como irá se dar a alternância dos turnos. A alternância em sentido horário significa uma transição de turnos ordenada de forma: manhã – tarde – noite. Enquanto na alternância em sentido anti-horário, esta transição ocorre da seguinte forma: noite – tarde – manhã (Silva, 2008b). Além disso, os sistemas que possuem alternância de turno podem ainda ser classificados como de alternância lenta (geralmente semanal) ou de alternância rápida (dois ou três dias) (Härmä, 2006).

2.3.1 O trabalho de turno e os fatores de risco para doença cardiovascular

A atividade do homem no ambiente de trabalho e as variações nas funções biológicas ao longo das 24 horas do dia sincronizam com os ritmos biológicos sob a forma de padrões conhecidos como perfil cronobiológico ou cronotipo (Ferreira, 1988). A inter-relação entre o relógio solar, social e biológico resulta no ritmo circadiano, que tem duração em torno de 24 horas, sendo o ciclo de sono e vigília o mais característico (Roenneberg et al., 2007). O trabalho noturno pode conduzir à dessincronização interna, pois existem características comportamentais, genéticas e fisiológicas associadas aos cronotipos (Buxton et al., 2013). O trabalhador de turno alternante sofre uma alteração do seu biorritmo para adaptar-se ao novo estilo de vida e isto pode causar alterações na sua qualidade de vida, à medida que rompe com os ciclos biológicos (Roenneberg et al., 2007).

O rompimento do ritmo circadiano está implicado no desenvolvimento da SM e ou de seus componentes isolados (Gemelli et al., 2008; B. H. Karlsson et al., 2003; Kawabe et al., 2014) e ocorrendo de forma crônica, é um forte contribuinte para o aumento do risco DCV e obesidade em trabalhadores de turnos. Além disso, fadiga crônica (Jones et al., 2014), alteração do padrão de sono (Rajaratnam et al., 2013; Silveira et al., 2010), distúrbios gastrointestinais (Knutsson, 2003), desordens psicológicas (Caetano, 2005), câncer (Fritschi et al., 2011) também são associados ao turno.

O metabolismo lipídico e a função do tecido adiposo têm seus ritmos diários regulados pelo sistema circadiano, porém pouco se sabe sobre a variação interindividual nessas vias metabólicas (Chua et al., 2013). A homeostase do metabolismo de lipídios é determinada, ao

19 menos em parte, pela regulação circadiana dos receptores nucleares que detectam hormônios lipossolúveis e lipídios na dieta (Chua et al., 2013; Yang et al., 2006). O relógio circadiano também regula o PPARγ, o qual promove a oxidação de ácidos graxos no fígado (Chua et al., 2013). Estudos recentes indicam que o relógio circadiano controla a lipólise e mobilização de ácidos graxos livres no tecido adiposo branco, sugerindo uma via adicional para a regulação circadiana dos lipídios plasmáticos (Shostak et al., 2013). De fato, vários estudos encontram a dislipidemia, sobrepeso e obesidade como alterações metabólicas bem estabelecidas em trabalhadores de turno (Gemelli et al., 2008; Ghiasvand et al., 2006; Karlsson et al., 2003; Karlsson et al., 2001; Kawabe et al., 2014; Suwazono et al., 2008). Alguns estudiosos defendem que períodos curtos de sono tem relação direta com a obesidade, mas os achados ainda permanecem inconsistentes, necessitando de mais estudos para entender os detalhes desta relação (Marshall et al., 2008). Apesar disso, as evidências mostram que os distúrbios do metabolismo de lipídeos podem estar potencialmente ligados à dessincronização do ritmo circadiano.

Paralelamente ao aparecimento da obesidade, períodos curtos de sono e a perturbação do ritmo circadiano também parecem estar relacionados à desregulação do metabolismo da glicose. Buxton et al (2013) testaram esta hipótese e encontraram uma elevação na glicemia pós- prandial e queda na insulinemia pós-prandial tanto nos participantes jovens quanto nos mais velhos (Buxton et al., 2013). Ainda observaram que tais alterações se normalizaram após 9 dias de sono restabelecido e estabilização do ritmo circadiano. Nagaya et al. (2002) examinaram a relação entre trabalho por turnos e marcadores de resistência à insulina, encontrando que todos os marcadores de resistência à insulina analisados foram mais comuns em trabalhadores por turnos em comparação a trabalhadores diurnos na faixa etária abaixo dos 50 anos (Nagaya et al., 2002). Por outro lado, um estudo encontrou prevalência de hiperglicemia (glicemia de jejum > 7.0 mmol/L) similar em trabalhadores diurnos e de turno (Karlsson et al., 2003).

Poucos estudos têm reportado a prevalência de DTM2 entre os trabalhadores de turno. Pan et al. (2011) sugeriram que mulheres com maior tempo no trabalho de turno podem ter um risco modesto de desenvolver o DTM2, o qual parece ser mediado pelo ganho de peso corporal (Pan et al., 2011). Outro estudo sugere que o turno alternante é um fator de risco independente para desencadear o DTM2 em trabalhadores japoneses (Suwazono et al., 2006). Assim, em seres humanos, a restrição do sono prolongado com o consequente rompimento circadiano altera o metabolismo da glicose e pode aumentar o risco de diabetes.

20 Vários estudos têm apontado a privação de sono como um fator que eleva a pressão arterial ou que acompanha sua progressão (Ogawa et al., 2003; Oishi et al., 2005; Sakata et al., 2003; Suwazono et al., 2008). Essa relação já vem sendo observada em estudos mais antigos como o de Lusard (1999), onde os autores observaram que metade de uma noite de sono perdida associou-se com o aumento da pressão arterial em indivíduos hipertensos ou pre-hipertensos (Lusardi et al., 1999).

É importante ressaltar que esse aumento da susceptibilidade ao desenvolvimento de todas as alterações citadas acima também pode ser explicado por outros fatores comportamentais como o tabagismo, sedentarismo e o consumo alimentar incorreto que são observados nos trabalhadores de turno alternante (Knutson &Van Cauter, 2008; Knutson, 2004).

2.3.2 Hipovitaminose D e trabalho em turnos alternantes

Os dados que a literatura dispõe sobre o status de vitamina D e a relação com grupos ocupacionais ainda são escassos, mas o risco para hipovitaminose D em indivíduos que trabalham em turnos e de acordo com o tipo de trabalho estão diretamente relacionadas com a exposição à luz solar (Azizi et al., 2009). Tomando como regra geral, é observado que quanto mais oblíquo é o ângulo de incidência de luz solar, mais raios UVB são absorvidos na pele (Kimlin, 2008). Esse ângulo ideal ocorre no meio do dia, no período de 10 horas às 15:00 horas, favorecendo a síntese de vitamina D de forma eficaz. Portanto, se as pessoas não se expõe a luz solar nesse período ideal, elas podem estar em risco de desenvolver a hipovitaminose D ou até mesmo atingirem níveis deficientes (Jeong et al., 2014).

O estudo de Ward et al (2011) foi o primeiro que chamou a atenção para o risco de hipovitaminose D segundo alguns padrões ocupacionais, como o turno noturno e turnos de longas horas (Ward et al., 2011). Um estudo avaliou os níveis de 25(OH)D em cada estação do ano em um grupo de trabalhadores e observou níveis significativamente maiores entre trabalhadores ao ar livre comparados aos trabalhadores de locais fechados (Azizi et al., 2009). E ainda observou a influência sazonal sobre os níveis de 25(OH)D, onde os níveis mais elevados aparecem da primavera ao outono, em ambos os sexos e tipo ambiente de trabalho. Maeda et al (2007), avaliando uma população jovem brasileira, encontrou níveis de 25(OH)D significativamente mais baixos em um grupo de médicos residentes que trabalhavam no turno

21 noturno (26,8 ng/mL) comparado a estudantes (32,4 ng/mL) e trabalhadores diurnos de ambiente fechado (37,6 ng/mL) (Maeda et al., 2007).

O tempo no trabalho também pode influenciar os níveis de 25(OH)D, como mostrou um estudo que observou maior prevalência de deficiência de vitamina D em homens com trabalho permanente, média de 49,2 horas semanais, comparados a homens com trabalho temporário, média de 40 horas semanais (Jeong et al., 2014). Mostrando que o horário fixo de trabalho também torna o trabalhador suscetível a baixa exposição solar e consequente inadequação dos níveis de 25(OH)D.

Outra questão relevante é a prática de atividade física nos períodos de lazer do trabalhador. Um estudo avaliando trabalhadores de ambiente fechado registrou as exposições diárias aos raios UVB, inclusive nos fins de semana. O estudo concluiu que os indivíduos que praticavam atividades nos de fins de semana ou durante o período da manhã ou fim de tarde nos dias de semana, tinham exposições aos raios UVB mais satisfatórias sugerindo que trabalhadores que adotam esse comportamento podem melhorar seu status de vitamina D (Itoh et al., 2011). Embora poucos estudos tenham atentado para as consequências da inadequação do status de vitamina D para a saúde do trabalhador, é importante apontar os relatos recentes do envolvimento da deficiência de vitamina D com a pontuação de Framingham, que foi desenvolvido para estimar o risco das DCV em 10 anos, sendo aceito pelas principais diretrizes em cardiologia nacionais e internacionais (SBC, 2013; NCPE/ATP III, 2002). Um estudo realizado com 10.646 trabalhadores da saúde mostra o impacto da deficiência de vitamina D na produtividade dos trabalhadores, prejudicada principalmente por doenças temporárias ou estresse (Plotnikoff et al., 2012).

Além dos fatores de risco classicamente conhecidos para a hipovitaminose D, é importante ressaltar a contribuição do meio ocupacional para este distúrbio. E mais especificamente, as implicações que a hipovitaminose D têm com os fatores de risco cardiovascular, para que intervenções voltadas à saúde do trabalhador sejam tomadas.

22

Documentos relacionados