• Nenhum resultado encontrado

II. REVISÃO DA LITERATURA

2.2 Vitamina D e fatores de risco para doença cardiovascular

Estudos sugerem que exista uma forte associação entre a hipovitaminose D e alguns FR para DCV como a dislipidemia (Gonzalez et al., 2014a; Jorde & Grimnes, 2011; Zittermann et al., 2011), adiposidade (Cheng et al., 2010; Hao et al., 2014), Diabetes Melito tipo 2 (DMT2) (Pilz et al., 2012; Pittas & Dawson-Hughes, 2010; Tai et al., 2008) e hipertensão (Chung & Hong, 2013; Sulistyoningrum et al., 2013), porém os mecanismos que explicam tal associação ainda estão sendo explorados. Mais estudos clínicos e experimentais são necessários para determinar se um status adequado de vitamina D pode contribuir para a prevenção da DCV.

13 2.2.1 Dislipidemia e adiposidade

O efeito da vitamina D sobre a regulação do perfil lipídico, um dos principais FR para DCV, é um dos mecanismos propostos para a relação da hipovitaminose D com DCV (Jorde et al., 2010; Zittermann et al., 2011). A maioria dos estudos observacionais estão de acordo que, baixos níveis de vitamina D tem associação com um perfil lipídico desfavorável, porém alguns estudos clínicos, não confirmaram esses achados (Jorde & Grimnes, 2011). Gonzalez et al. (2014a) encontraram, após ajuste por confundidores, uma relação inversa entre níveis deficientes de 25(OH)D (< 20 ng/mL ou 50 nmol/L) e hipertrigliceridemia, no entanto não observaram associação com dislipidemia (Gonzalez et al., 2014a). Outro estudo encontrou associações negativas significativas entre níveis séricos de 25(OH)D e triglicérides (TG), lipoproteína de alta densidade (HDL-C) e lipoproteína de baixa densidade (LDL-C) em não fumantes (R Jorde et al., 2010). Adicionalmente, a associação negativa entre níveis de 25(OH)D e HDL-C e TG foi forte e significativa em ambos os sexos, em todas as faixas etárias e de IMC dos subgrupos testados. Além disso, um aumento de 25(OH)D ao longo do tempo foi associado com uma diminuição nos níveis de TG, sendo portanto um preditor negativo para TG.

Hipertrigliceridemia, diminuição do HDL-c e produção de lipoproteína de baixa densidade pequena e densa (LDLpd) são características da Síndrome Metabólica (SM) (Abdalla & Ferreira, 2006) e têm forte relação com o trabalho em turnos alternantes (Kawabe et al., 2014). Esses fatores juntos caracterizam o fenótipo lipídico aterogênico da SM que supostamente tem a adiposidade como importante fator causal devido ao seu maior potencial patogênico (Fox et al., 2007). Além disso, em adultos, o acúmulo de gordura visceral (GV) é mais fortemente correlacionado com fatores de risco cardiovasculares, como hipertensão, hipertrigliceridemia, glicemia de jejum alterada, síndrome metabólica e resistência à insulina (Després, 2012; Gast et al., 2013; Van Gaal et al., 2006). Alguns estudos observaram que a associação dos baixos níveis de 25(OH)D com o excesso de gordura abdominal visceral é mais forte que a associação vista para gordura abdominal subcutânea (Bhatt et al., 2014; Cheng et al., 2010).

De fato, a característica que tem uma relação mais consistente com o status inadequado de vitamina D é o sobrepeso e obesidade (Cheng et al., 2010), sugerindo que a hipovitaminose D não seja apenas consequência da baixa exposição ao sol por indivíduos obesos mas sendo lipossolúvel, possa estar aprisionada no tecido adiposo. Estudos clínicos apontam a deficiência de vitamina D como um dos fatores que desencadeia o acúmulo de gordura corporal (Schuch

14 & Garcia, 2009). Fato este observado em um estudo com cultura de adipócitos, onde a queda nos níveis de 25(OH)D leva ao aumento nos níveis de PTH, que por sua vez eleva a concentração de cálcio intracelular, impedindo a lipólise induzida por catecolaminas e promovendo a expressão da ácido graxo sintase, contribuindo para o acúmulo de gordura (Sun & Zemel, 2008). No mesmo estudo, os pesquisadores observaram que a vitamina D é capaz de inibir a diferenciação dos pré-adipócitos em adipócitos, através da supressão do receptor ativado por proliferadores de peroxissoma gama (PPARγ). Esse fator é um transcritor envolvido na regulação do metabolismo dos ácidos graxos, com a diminuição da lipogênese. Portanto, quando os níveis estão insuficientes, ocorre aumento da lipogênese.

2.2.2- Diabetes

Estudos conduzidos com humanos indicam que o 25(OH)D age como um significativo agente modificador do risco para o surgimento de DMT2 (Pilz et al., 2012; Pittas & Dawson-Hughes, 2010; Tai et al., 2008). Estudos confirmam essa relação, demonstrando que indivíduos com redução na concentração sérica de 25(OH)D apresentam maior risco para desenvolver DMT2 (Kayaniyil et al., 2010) e que a suplementação pode melhorar o metabolismo da glicose (Pittas et al., 2007). O desenvolvimento de DMT2 envolve alterações na função das células-β pancreáticas e resistência periférica à ação da insulina (Kahn et al., 2006). As células β pancreáticas apresentam o VDR no núcleo (Norman, 2008), em invaginações na membrana celular chamadas de cavéolas (Norman, 2008). Além disso, no tecido pancreático existem proteínas ligadoras de cálcio dependente de vitamina D conhecidas como calbindinas (Pittas, et al., 2007).

A ação da vitamina D sobre a resposta insulínica ao estímulo da glicose pode ser de forma direta ou indireta. O efeito direto parece ser mediado pela ligação da 1,25(OH)2D ao VDR, no núcleo da célula-β pancreática, ativando a transcrição do gene da insulina humana, as conhecidas respostas genômicas (Maestro et al., 2002; Norman, 2008; Pittas et al., 2007). Um estudo revelou a presença do elemento de resposta à vitamina D (VDRE) no gene promotor da insulina humana (Maestro B, et al., 2003). Alternativamente, a expressão da enzima CYP27B1 nessas células, permite a síntese local de 1,25(OH)2D independendo do ativação renal (Bland et al., 2004). O efeito indireto acontece devido a contribuição da vitamina D para a normalização do cálcio extracelular, garantindo fluxo normal através das membranas celulares e mantendo a concentração de cálcio citosólico ([Ca2+]i) ideal (Pittas et al., 2007). Essa regulação ocorre

15 através da ativação das calbindinas e do VDR de membrana. A ativação deste VDR de membrana resulta no estímulo de segundos mensageiros no meio intracelular que culmina com a abertura de canais de cálcio, possibilitando o fluxo de cálcio nas células-β pancreáticas, causando as chamadas respostas rápidas ou não genômicas (Norman, 2008). Sendo a secreção de insulina um processo cálcio-dependente, alterações no fluxo de cálcio devido à hipovitaminose D podem ter efeitos adversos sobre a secreção de insulina, reduzindo a capacidade secretora dessas células devido a um desequilíbrio nas concentrações intra e extracelular de cálcio (Kayaniyil et al., 2010). E ainda, a deficiência de 25(OH)D parece dificultar a capacidade das células-β na conversão da pró-insulina à insulina (Ayesha et al., 2001; Bourlon & Billaudel, 1999).

A 25(OH)D também pode agir na resistência à insulina, seja diretamente por estímulo da expressão do receptor de insulina e consequentemente aumentando a capacidade de resposta à insulina para o transporte de glicose, ou indiretamente, através do seu papel na regulação do cálcio extracelular e ([Ca2+]i), pelo mesmo mecanismo citado acima (Pittas et al., 2007). O cálcio é essencial para os processos intracelulares mediados pela insulina em tecidos responsivos a esta, tais como o músculo esquelético e tecido adiposo (Pilz et al., 2012). As alterações no cálcio intracelular em tecidos-alvo primários da insulina pode contribuir para a resistência periférica à insulina através da transdução do sinal de insulina prejudicada, diminuindo a atividade do transportador de glicose 4 (GLUT-4) (Castro, 2011; Kayaniyil et al., 2010; Pilz et al., 2012; Pittas et al., 2007).

2.2.3- Hipertensão

A hipertensão, um importante fator de risco para a DCV com complicações bem conhecidas como o acidente vascular cerebral, infarto do miocárdio e insuficiência cardíaca, pode estar também associada com a hipovitaminose D (Carbone et al., 2014; Tamez et al., 2014; Van Ballegooijen et al., 2014). Essa relação já foi proposta há muitos anos atrás. Um importante estudo, feito a mais de 25 anos, sobre fatores de risco e controle da hipertensão, avaliou mais de 10.000 indivíduos em diversos países encontrando uma associação positiva entre pressão arterial sistólica e diastólica e a distância do Equador, já indicando o envolvimento da hipovitaminose D (Intersalt Cooperative Research Group, 1988). A vitamina D pode influenciar a pressão sanguínea pelo seu envolvimento com o sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), com o endotélio vascular ou com musculatura vascular lisa (Tamez et al., 2014).

16 O SRAA desempenha um papel central na regulação da pressão arterial atuando na manutenção dos níveis de sódio e homeostase do volume sanguíneo através da modulação da função renal e da pressão arterial. A atividade aumentada do SRAA promove o desenvolvimento da hipertensão e risco aumentado de DCV (Becher et al, 2011). Existem fortes evidências fornecidas por estudos em animais e seres humanos de que a vitamina D em concentrações adequadas diminui a atividade do SRAA (Carbone et al., 2014; Tamez et al., 2014; Van Ballegooijen et al., 2014). A explicação para esta regulação é a presença do VDR nas células do aparelho justaglomerular (Becher et al., 2011). Li et al. (2004) descobriram um efeito direto da 1,25(OH)2D sobre a transcrição do gene da renina (Li et al, 2004). Eles identificaram que a vitamina D é capaz de suprimir a transcrição do gene da renina por um elemento de resposta a cAMP, identificado na região do promotor do gene Ren-1c. Adicionalmente, outro estudo demonstrou que a supressão da expressão de renina pela 1,25(OH2)D in vivo é independente do PTH e do cálcio (Kong et al., 2008). Recentemente, uma nova hipótese a respeito dessa relação entre a vitamina D e SRAA foi levantada. No estudo, os pesquisadores sugerem que a resposta inflamatória induzida pelo SRAA seria um possível regulador do status de vitamina D. Portanto essa resposta inflamatória poderia ser uma das possíveis causas da atual pandemia de níveis inadequados de vitamina D (Ferder et al., 2013). Fica, no entanto, a necessidade de mais estudos para entender melhor esta nova relação proposta.

Além dos potenciais efeitos sobre o SRAA, a ligação entre a vitamina D e hipertensão também pode ser mediada por outros efeitos diretos sobre o endotélio vascular e músculo liso (Tamez et al., 2014). Wong et al. (2010) observaram que o tratamento crônico com derivados da vitamina D foram associados com queda na pressão arterial e redução nas contrações dependentes do endotélio, em um modelo animal naturalmente hipertenso (Wong, et al., 2010). O endotélio modula o tónus vascular e a secreção de substâncias vaso dilatadoras que controlam as células do músculo liso que estão subjacentes (Vanhoutte PM, Shimokawa H, Tang EH, 2009). Entre tais substâncias, o óxido nítrico (NO), produzido pela NO sintase endotelial (eNOS), desempenha um papel relevante como fator de relaxamento derivado do endotélio (EDRF) (Vanhoutte et al., 2009; Wong et al., 2010). A produção de NO pela eNOS é reduzido, com o envelhecimento ou no decurso de doenças tais como a diabetes e a disfunção endotelial (Vanhoutte et al., 2009). Estudos in vitro têm sugerido que a 1,25(OH)2D tem um papel protetor nos vasos, mostrando que ela reduz os efeitos deletérios de produtos finais de glicação avançada sobre o endotélio, melhora a atividade do sistema NO e reduz parâmetros inflamatórios e ateroscleróticas (Carbone et al., 2014; Tamez et al., 2014; Vaidya & Forman, 2010).

17 Além disso, a 1,25(OH)2D parece ter um envolvimento no crescimento de miócitos vasculares e induz o aumento da síntese de prostaciclina, possivelmente pela via da ciclo-oxigenase, em cultivo de células do músculo liso (Vaidya & Forman, 2010; Wakasugi et al., 1991). Um estudo prospectivo observou que a disfunção endotelial e o estresse oxidativo vistos em indivíduos com deficiência de 25(OH)D foi significativamente melhorada com a suplementação de vitamina D (Tarcin et al., 2009). Ainda são necessários estudos para testar essas hipóteses em humanos e determinar se esses mecanismos são inter-relacionados ou independentes.

O PTH aumentado também pode contribuir com o desenvolvimento de fatores de risco cardiovasculares (Anderson et al., 2011) dentre eles a hipertensão arterial (Garcia et al., 2013; Bosworth et al., 2014). O mecanismo que explica esta relação ainda não está claro e várias vias têm sido apontadas. A primeira via, que é a mais explorada, é o efeito ativador que o PTH tem na atividade do SRAA promovendo a liberação de renina (Carbone et al., 2014; Koiwa et al., 2012) e adicionalmente promovendo a liberação de aldosterona pelas glândulas supra-renais (Tomaschitz et al., 2012). Além disso, como regulador dos níveis extracelulares de cálcio, o PTH pode indiretamente modular a síntese de renina e síntese de aldosterona (Koiwa et al., 2012; Tomaschitz et al. 2012) além de ativar as células da musculatura lisa vascular (CMLV) (Vaidya & Forman, 2010). Finalmente, a interação do PTH com seu receptor expresso em células endoteliais (Jiang et al., 1998), da CMLV, (Jono et al., 1997; Mohamed & Mohamed, 2013) e células inflamatórias (Mohamed & Mohamed, 2013) pode afetar diretamente a função vascular.

Documentos relacionados