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Capítulo 3. O trabalho em máquinas colhedoras

3.1. O trabalho em turnos

Segundo Ripoli e Ripoli (2004), o período de safra implica em uma verdadeira “operação de guerra”, com a mobilização sincronizada de todas as máquinas da frente de corte para garantir um fluxo constante, nas 24 horas diárias, de matéria-prima para a usina. Isto implica na operação ininterrupta das máquinas e, portanto, o trabalho em turnos.

Barthe et al. (2007) definem esse tipo de trabalho como trabalho em horários atípicos, que compreende as organizações do tempo de trabalho que não se encaixam no terço diurno das vinte e quatro horas, ou seja, tanto o trabalho em horários fixos fora do padrão (turnos fixos), quanto a alternância entre os diferentes terços do ciclo do dia (turnos rotativos).

De acordo com a Constituição Brasileira de 1988 (artigo 7º, inciso XIV), a jornada para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento deve ser de seis horas, salvo negociação coletiva (BRASIL, 1988). No corte mecanizado, a jornada de trabalho dos operadores de colhedoras, que normalmente é do tipo 5x1 (5 dias trabalhados por 1 dia de descanso), pode ser de 8 horas, com três turnos, ou de 12 horas, com dois turnos, resultado de uma negociação. Tais turnos, dependendo da organização do trabalho, podem trocar entre si a cada 7, 15 ou 30 dias ou mesmo permanecer fixos durante toda a safra.

Como mostram Abrahão et al. (2009), os turnos podem ser distribuídos em escalas muito variáveis com períodos de rotação mais fixos ou mais flexíveis, entretanto nenhuma é perfeita. Isto porque o trabalho em turnos promove uma desorganização do ritmo circadiano, que é agravada quando os turnos são rotativos devido às mudanças freqüentes nos horários de trabalho (IIDA, 2005).

O ritmo circadiano (circa = aproximadamente e diem = dia) são as variações que ocorrem nas atividades fisiológicas ao longo das 24 horas (MENNA-BARRETO, 2004). Ele é iniciado por osciladores internos e sincronizado com o ciclo ambiental, como mudança do claro para o escuro e os contatos sociais (BARTHE, et al., 2007).

Segundo Iida (2005), quando o operador troca o dia pela noite, há uma desordem temporal porque o ritmo circadiano não se inverte completamente, apenas sofre pequenas adaptações, que embora variem de indivíduo para indivíduo, são sempre adaptações parciais. Algumas funções levam dias, outras levam semanas para adaptar-se, como as funções endócrinas (LAVILLE, 1977). Além disso, a vida social e familiar das pessoas continua ocorrendo no horário padrão, embora o horário de trabalho tenha sido invertido (ABRAHÃO et al., 2009).

Basicamente, o trabalho em turnos tem quatro tipos de conseqüências: alteração do desempenho e da eficiência, impacto econômico, degradação da saúde e degradação da vida familiar e social (BARTHE et al., 2007).

O primeiro é atribuído ao fato de que ao longo do dia, fisiologicamente ocorrem variações não apenas na temperatura e freqüência cardíaca, mas também na acuidade sensorial, nos níveis de atenção, de alerta, de desempenho, dentre outros (ABRAHÃO et al., 2009). Considerando que o trabalho em turnos exige atividade do organismo quando este está disposto a descansar, isto aliado ao sono de menor duração e pior qualidade, faz com que ao longo da semana se acumule um déficit de sono, provocando uma queda gradativa do desempenho que só será compensado na folga do operador (IIDA,2005).

Barthe et al. (2007) afirmam que em diversas situações de trabalho há uma redução da atividade noturna, e esta modificação quantitativa é acompanhada também por modificações qualitativas. Para os autores,

O trabalhador noturno não é simplesmente um indivíduo que trabalha menos, é antes de mais nada um indivíduo que trabalha de outra forma (...). O operador utiliza preferencialmente esta ou aquela maneira de trabalhar, pois todas as suas capacidades se encontram no seu limite máximo num dado momento (e mínimas em outro momento) (p. 100).

O organismo dispõe de mecanismos de regulação para se ajustar às alterações, tanto qualitativa quanto quantitativamente (ABRAHÃO et al., 2009). Entretanto, em razão do ritmo de vida e de trabalho pode ocorrer acidentes caracterizados como “falha humana” ou mesmo perdas de produção (ABRAHÃO et al., 2009; BARTHE et al., 2007). Por isso, as alterações do desempenho e da eficiência são uma das causas da segunda conseqüência do trabalho em turnos apontada por Barthe et al. (2007): o impacto econômico. Outros aspectos que colaboram para este impacto econômico do trabalho em turnos são os custos de formação devido ao absenteísmo e a rotatividade, por exemplo.

Com relação à terceira conseqüência, a degradação da saúde, haja vista que a inversão do ritmo circadiano não é completa, a duração do sono é reduzida e o ambiente diurno frequentemente desfavorável não permite um sono recuperador o da noite, há um desgaste físico e mental dos operadores. Este desgaste, segundo Abrahão et al. (2009), embora não se manifeste na forma de doenças específicas, pode levar ao agravamento de doenças, fadiga crônica, sofrimento mental, envelhecimento precoce. E, quando se trata do trabalho em turnos rotativos, a saúde dos indivíduos pode ainda ser mais prejudicada pelo que os autores chamam de “dissonâncias no organismo”, causadas pelas alternâncias freqüentes de horário de trabalho.

A despeito das consequências descritas, é preciso ressaltar que em função das diferenças interindividuais, o trabalho em turnos também apresenta aspectos positivos, pelo horário de trabalho ser oportuno ou mesmo não representar uma fonte de distúrbio e insatisfação (BARTHE et al., 2007).

Já com relação à degradação da vida familiar e social, esta pode ser atribuída ao fato de que o trabalho em turnos influencia negativamente a qualidade das relações dos operadores com os membros de sua família, pelo desajuste de horários livres (BARTHE et al., 2007). Ademais, a inserção social dos operadores é prejudicada, dado o horário convencional de funcionamento da sociedade.

Segundo Barthe et al. (2007), independentemente das variações circadianas das capacidades funcionais dos operadores, a execução, no trabalho em turnos, de uma dada tarefa pode modificar sua dificuldade. E, de acordo com a natureza das funções solicitadas pela tarefa, a influência sobre o desempenho pode variar. Para Iida (2005), em alguns casos críticos, como pilotos, controladores de trafego aéreo e serviços de emergência as falhas podem ter

conseqüências mais graves. Nesta situação, poderia ser incluída a operação de máquinas colhedoras de cana, haja vista o risco de colisões com o veículo de transbordo ou mesmo tombamento da máquina, principalmente em terrenos desfavorecidos topograficamente. Ademais, a adaptação ao trabalho em turnos é relativamente mais fácil, por exemplo, nas atividades que exigem movimentação do corpo do que aquelas em que os operadores ficam sentados (IIDA, 2005), caso da operação de máquinas colhedoras, considerado a seguir.