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O TRABALHO NO MUNDO INDUSTRIAL E PÓS-INDUSTRIAL

II. CONSTRUÇÃO SOCIAL DO TRABALHO: REFLEXÕES EM TORNO DE

II.2. O TRABALHO NO MUNDO INDUSTRIAL E PÓS-INDUSTRIAL

Introdução

Profundas mudanças ocorreram com a predominância das actividades industriais sobre o trabalho rural e artesanal. A invenção da máquina a vapor, de novas ferramentas de trabalho e a criação de equipamentos para a indústria têxtil tornaram possível a evolução de um novo sistema de trabalho.

A Revolução Industrial proporcionou um fenómeno de alterações ideológicas, económicas e sociais que transformaram uma sociedade quase exclusivamente agrária

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Em 1890, a cidade de Pelotas (Brasil) assistiu a uma polémica entre dois jornais sobre o significado da data do 1º de Maio, reveladora de disputa pelo conteúdo da palavra “operário” e formas de presença política na sociedade. O jornal Correio Mercantil, ao comentar a primeira comemoração na Europa, chamou ao 1º de Maio a “festa do proletariado universal” e foi contestado pelo jornal A Opinião Pública. Segundo o Correio Mercantil, operário e proletário eram iguais, com a diferença que proletário era aquele que vivia do emprego mal remunerado. Já o A Opinião Pública considerava que proletário é aquele que só contribui com sua prole para o Estado, enquanto o operário é quem produz. O proletário viveria de biscates, expedientes ilegais ou da caridade pública; o operário trabalhava. E concluía: "a festa do 1º de Maio, não foi dos proletários do frei Thomaz (editor do jornal adversário), mas sim dos operários, quer dizer, de todas as classes trabalhadoras ". Ver LONER, Beatriz: “Trabalhadores e cidadania: a recusa da segregação”, in VI Encontro Estadual de História. Passo Fundo, Julho de 2002.

51 numa verdadeira sociedade industrial e urbana. O predomínio das máquinas, a intensificação do comércio, o trabalho agora operário e não mais artesanal, além de outros factores, fizeram da Revolução Industrial um marco histórico singular e profundamente marcante na história do trabalho.

Na agricultura, entre 1760 e 1820, os enclosers iniciados no século XVI intensificaram-se, os direitos à terra comunal foram perdidos e o povo ficou submetido à exploração do trabalho e à opressão. Os camponeses pobres, privados das suas terras – transformadas em pastagens – acorriam, aos milhares, às cidades, na busca de um trabalho que lhes mitigasse a fome. Forçados a vender a força dos seus braços aos donos das fábricas que se erguiam aqui e além, foi assim que se viram, de um momento para o outro, transformados de trabalhadores autónomos e independentes em servidores dos donos do capital. De camponeses passaram a operários.

A Revolução Industrial trouxe consigo a intensidade da exploração da mão-de- obra; o tempo começou a ser controlado por industriais. O trabalhador perdeu o saber e o controle do ciclo global do produto ao ocupar-se nas indústrias; viu-se expropriado do seu saber. Também as relações entre patrões e operários se tornaram cada vez mais duras e menos pessoais.

Os ventos da novidade e do progresso alastravam pela Europa, e buscavam novas invenções que se adequassem ao ritmo ligeiro do quotidiano. O tempo, outrora marcado pelo ciclo do sol e cantado pelos relógios das catedrais, é medido com rigor e segmentado em parcelas cada vez mais curtas que o taylorismo e a organização científica do trabalho criteriosamente escalpelizam para evitar desperdícios de gestos, tempo e dinheiro. O tempo tornou-se bem valioso para aqueles que almejavam ganhar dinheiro como assinala a expressão “time is money”. Cada minuto requeria aproveitamento urgente. Nas fábricas, os trabalhadores eram amestrados no ritmo da máquina.

II. 2.1. Operariado, associativismo operário e capitalismo industrial

Diferentemente do artífice tradicional, o operário perdia o controlo do processo de trabalho e a ligação ao produto final. Incluído na linha de produção, deixa de acompanhar o circuito produtivo desde o início até ao fim, para somente intervir em determinada fase, local e numa tarefa específica, generalizando-se, assim, a divisão do

52 trabalho. Com a substituição do homem pela máquina irromperam lutas “anti-máquina” um pouco por todo o lado. Muitos trabalhadores reagiam contra a introdução da máquina, mas faziam-no não só em defesa dos seus empregos, como também contra a perda de controlo dos seus ofícios, o que, além de afectar as suas condições económicas se traduzia, em última análise, numa efectiva perda de poder e de prestígio socioprofissional (Mendes, 1999).

Não obstante o peso das questões de princípio, inicialmente terão sido sobretudo necessidades, tanto das famílias como das empresas, que terão levado à progressiva entrada de mulheres e crianças nas fábricas. O recurso a esta mão-de-obra existia já desde o Antigo Regime na actividade agrícola, no artesanato e na indústria caseira. As crianças trabalhavam nas minas, eram ajudantes de cozinha, operadoras de portinholas de ventilação ou nas fábricas51. Era mão-de-obra barata, eficiente e, também, menos reivindicativa. O trabalho da mulher, fora do lar, suscitava opiniões diversas, originando uma polémica que haveria de perdurar até aos dias recentes.

A Revolução Industrial foi cenário das inúmeras transformações desencadeando um surto de produtividade sem precedentes e abrindo alas à inovação e ao progresso tecnológico, mas deixou milhões na miséria. Com os operários germinava a semente do que viria a ser o Capitalismo Industrial.

Ao longo do tempo o capitalismo industrial foi revelando imperfeições e injustiças. Além das circunstâncias mencionadas, a concentração do capital em poder de reduzido número de pessoas, a ausência de direitos em favor do trabalho, a falta de motivação dos que passaram a “vender-se” sem participação integral no processo produtivo, o crescimento desordenado das cidades com de bairros miseráveis, foram condições que provocaram forte reacção por parte de grandes pensadores do tempo. Eram escritores inspirados no Iluminismo, defensores do chamado socialismo utópico, permitindo o despontar das ideias de Karl Marx, para quem, a economia era o facto gerador de todos os acontecimentos históricos.

Segundo Marx (1970), todo o trabalho é, de um lado, dispêndio de força humana de trabalho, no sentido fisiológico, e, no seu carácter abstracto, cria o valor das mercadorias. Por outro, todo o trabalho é ainda consumo de força humana para um

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“O trabalho infantil não era novidade. A criança era parte intrínseca da economia industrial e agrícola mesmo antes de 1780 e como tal permaneceu até ser resgatada pela escola.” THOMPSON, E. P. (1989), A formação da classe operária, Vol. 1, Rio de Janeiro, Paz e Terra.

53 determinado fim e, nessa qualidade, produz valores de uso. Podemos então confinar o trabalho em duas dimensões: a primeira, abstracta, refere-se ao trabalho que cria valores de troca - é o trabalho fetichizado; a segunda, concreta, refere-se ao trabalho que cria valores de uso, valores socialmente úteis - é o trabalho com sentido.

Ao realizar o trabalho produtivo, o indivíduo vende a sua força por um salário ao ao proprietário dos instrumentos de produção. Assim a força de trabalho vendida será embutida no capital sob a forma de capital variável, de modo a que, por meio do processo de produção, valorize o capital inicial e seja incrementado na mais-valia52,

aumentando a jornada de trabalho além do que o trabalhador precisa para sobreviver. A mais-valia parece ser uma simples consequência do processo, mas é muito mais: é o motor de todo o processo. É meio pelo qual a burguesia acumula capital, através da exploração do trabalho. Marx elucida que para transformar dinheiro em capital, o possuidor do dinheiro tem de encontrar o trabalhador livre no mercado de mercadorias, livre nos dois sentidos, o de dispor como pessoa livre de usar a força de trabalho como sua mercadoria, e o de estar livre, inteiramente despojado de todas as coisas necessárias à materialização de sua força de trabalho, não tendo além desta, outra mercadoria para vender (Marx, 1970: 189).

As relações conflituosas entre capital e trabalho reflectiram de forma marcante a sociedade e o indivíduo. Consequentemente, era inevitável a luta de classes e tornava-se urgente a necessidade de valorizar o trabalho e os trabalhadores.

Em 1867, no 1º volume do Capital, Marx afirmava que os patrões se esforçavam continuamente por reduzir o custo do trabalho e gerir os meios de produção substituindo trabalhadores por equipamentos. Os capitalistas tiram proveito não só de uma cada vez mais alta produtividade, custos reduzidos e melhor controlo do posto de trabalho, mas também da criação de uma imensa reserva de trabalhadores sem emprego, cuja força de trabalho se mantém imediatamente disponível à exploração. Marx profetizava que a automação crescente da produção acabaria por eliminar em absoluto o trabalhador. Evocou, de forma visionária, a última metamorfose do trabalho quando os humanos fossem substituídos por máquinas automáticas. Previu a evolução de máquinas cada vez

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A mais-valia pode ser absoluta ou relativa. A mais-valia absoluta consiste no aumento da jornada de trabalho. A mais-valia relativa consiste na diminuição do tempo gasto para a execução do trabalho.

54 mais sofisticadas e que substituiriam o trabalho humano, afirmando que cada novo avanço tecnológico altera as capacidades do trabalhador em operações mecânicas53.

Todavia, para Marx o processo de substituição do trabalho humano por máquinas, no limite, levaria ao fracasso, pois ao criar uma reserva de trabalhadores sem emprego e uma baixa crescente dos salários, haveria cada vez menos consumidores e cada vez menor poder de compra para animar o mercado.

Mesmo economistas ortodoxos, como John Bates Clark (1907), fundador da Associação Americana de Economia e William Leiserson (1919) estão, em parte, de acordo com Marx quanto aos ganhos de produtividade e à ideia de substituição de seres humanos por máquinas como causas da criação de uma reserva sem emprego. Contudo, consideravam as mutações tecnológicas um mal necessário para a prosperidade económica global. As novas indústrias utilizariam, por sua vez, mais mão-de-obra. Os recursos daí resultantes seriam reinvestidos em novas tecnologias redutoras de emprego que, uma vez mais substituiriam o homem, reduziriam os custos unitários e aumentariam as vendas criando um círculo crescente, perpétuo, de crescimento económico e prosperidade. O desemprego constitui, nesta perspectiva, uma reserva natural de mão-de-obra54.

No Japão do “familismo social” a harmonia dos objectivos individuais e colectivos produziu uma ética de sacrifício e de esforço no seio do grupo e de concorrência entre grupos (Kubota, 1983; Sampson, 1989); apresenta algumas semelhanças com a civilização do trabalho na sociedade ocidental, que não é uniforme mas marcada por heranças culturais diversas. O capitalismo anglo-saxónico não é igual ao do centro-europeu e, mesmo na Europa, autores como Milner, referido por Kelly (2009: 10), assinalam diferentes traços significativos: a Alemanha com estruturas e ideias corporativas, a França onde domina o elitismo da hierarquia, a Itália com estruturas e relações feudais / paternalistas, a Suécia com individualismo equilibrado pela preocupação social numa economia de empresa aberta ao exterior. Contudo, a

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“(…)Transforma (...) as tarefas do trabalhador em operações mecânicas, de modo que a certo momento o pode substituir. Vemos, directamente, como uma forma particular de trabalho é transferida do trabalhador para o capital sob a forma de máquina, e como a sua própria força de trabalho é desvalorizada em consequência desta transposição. Daí a luta do trabalhador contra o maquinismo. O que até aí resultava da actividade laboriosa do trabalhador sai da máquina” (1996: 38 cit. por David Mclellan,1997). 54

“Haverá sempre uma reserva de trabalhadores sem emprego e não é possível nem normal que ela seja totalmente suprimida. O bem-estar dos operários impõe que o progresso continue e que não se consiga atingir este resultado sem provocar movimentos provisórios de mão-de-obra” (J.B. Clark, 1907: 452).

55 industrialização e o correlativo sistema de sociedades industriais ou comerciais sustentadas na expansão tecnológica tendem a apagar as especificidades locais e a permitir designar os países desenvolvidos como um conjunto que entra na era pós- industrial.

Curiosamente, na actualidade, a economia do capitalismo avançado vive circunstâncias bem semelhantes às referidas no passado.

II.2.2. Trabalho na modernidade e pós-modernidade

Giddens (2000, citado por Biehl e Appel-Silva, 2006) comenta que, em todos os tempos, os sujeitos tiveram a percepção dos riscos a que estavam expostos, principalmente, perante fenómenos da natureza. Mas, na pós-modernidade, surgiu o risco “intencionado”. O medo é adoptado como estratégia com consequências positivas para os resultados das empresas, e a noção de risco torna-se presente no quotidiano do trabalho ao generalizar-se entre dirigentes empresarias a noção de que as pessoas são facilmente substituíveis. O risco do fracasso, sem a possibilidade de controlo sobre as condições envolvidas, é factor que pode funcionar como coerção interna.

Modernamente, o trabalhador, ao interiorizar os objectivos empresariais em detrimento dos objectivos pessoais, adquire uma “existência inautêntica”. Passou a agir em função de objectivos não seus, mas hétero-determinados pelo poder empresarial, o que lhes traz conflitos, sofrimento e cisão nos conteúdos psíquicos, em processo alienante. Deste modo, a alienação do trabalhador vem sendo sedimentada por uma consciência que, ao formar-se, acaba por anular aspectos do contexto, por cisão e negação de conteúdos psíquicos.

Mas novos tipos de alienação surgiram na pós-modernidade (Antunes, 2000 citado por Biehl e Appel-Silva, 2006). Richard Sennett (1998), em pesquisas sobre o trabalho flexível, encontrou como forma de alienação uma relativa indiferença por parte dos sujeitos em relação ao trabalho, uma falta de vínculo com as tarefas desenvolvidas e um compromisso parcial em relação aos resultados alcançados. A consciência apresentava-se fragmentada e a compreensão simplificada, visto que os pensamentos não se associavam a ponto de encontrar um sentido complexo e analítico ao contexto “trabalho”.

56 A crise de fins dos anos 60 e princípios de 70 - que na verdade era expressão de uma crise estrutural - fez com que, entre tantas outras consequências, o mundo produtivo implementasse um vastíssimo processo de reestruturação, visando a recuperação do ciclo de expansão e, ao mesmo tempo, recompondo o seu projecto de domínio social, abalado pela confrontação anterior, contestatária de alguns pilares da sociabilidade do capital e de seus mecanismos de controlo social.

A reestruturação produtiva teve início no Japão, no grupo Toyota, sendo por isso denominada de “toyotismo”. Tal modelo ganhou terreno e alastrou pelo Mundo inteiro. Com ele, uma nova forma de organização industrial e de relação entre capital e trabalho emerge das cinzas do taylorismo/fordismo.

Este movimento surge como resposta à crise do sistema capitalista: declínio nas taxas de lucro; esgotamento do modelo taylorista/fordista que levara a grande excedente de produção; avanço do capital especulativo que tirava capital da esfera produtiva; concentração dos monopólios e oligopólios; e crise do Estado de bem-estar social com crise fiscal do Estado capitalista (Antunes, 1999).

Aproveitando a experiência do fordismo, o novo modelo de produção tem como objectivo solucionar problemas que teriam levado a uma crise estrutural. Inicia-se um processo de reorganização do capital, tanto do ponto de vista das forças produtivas, quanto do ponto de vista político e ideológico. Mas, naturalmente, a implantação do “toyotismo” no Ocidente teria de adaptar-se às singularidades e particularidades de cada contexto nacional no que diz respeito às condições económicas, sociais, políticas e ideológicas. Para controlar as condições de implantação deste novo modelo, emerge o neoliberalismo (ou políticas da sua influência), com a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a falência do sector público estatal.

Posteriormente, ocorre intenso processo de reestruturação da produção e do trabalho e dá origem ao modelo flexível de produção no intuito de recuperar o ciclo reprodutivo do capital. Estas mudanças previam: desconcentração da produção; flexibilização dos direitos dos trabalhadores; avanço tecnológico, com desemprego estrutural; trabalho polivalente; produção de mercadorias ligada à procura do mercado; “círculos de qualidade” (CCQs); destruição do sindicalismo de classe e sua conversão em sindicalismo dócil (ou mesmo “sindicalismo de empresa”), entre outras, (Antunes, 1999).

57 Ainda sobre as características dos Estados neoliberais, Toledo (citado por Antunes, 1999) afirma que a desigualdade é tida como necessária para impulsionar a liberdade e o empreendimento do mercado. O conceito de liberdade ligado a uma conduta individual é pano de fundo para justificar políticas de desregulamentação estatal e privatização. O neoliberalismo e a reestruturação produtiva avançam nos países dependentes do capital externo, como é o caso de Portugal desde Junho de 2011, através dos ajustes impostos pelos organismos financeiros, como Fundo Monetário Internacional – FMI – e Banco Mundial. Uma das fases do reajuste dá-se com redução do emprego no sector público e grandes cortes financeiros nos programas de carácter social.

A flexibilização dos trabalhadores ocorre com a redução do contingente necessário ao processo produtivo55, reduzindo, por conseguinte, os gastos com a força de trabalho. Um único indivíduo passa a realizar várias tarefas - é o trabalho polivalente. Enquanto no apogeu do taylorismo/fordismo o vigor de uma empresa era medido pelo número de operários que nela laboravam, na era da acumulação flexível e da "empresa magra", o sinal de robustez é colocado nas empresas que dispõem de menor contingente de força de trabalho e que, apesar disso, têm maiores índices de produtividade. Além disso, a flexibilidade e a polivalência dos operários atinge progressivamente outros grupos profissionais, nomeadamente os quadros qualificados. Por outro lado, a produção é incrementada a partir de horas extraordinárias, trabalhadores temporários ou subcontratados. Agudizada pelo incremento da robótica e da micro-electrónica, que substitui o “trabalho vivo” de homem pelo “trabalho morto” de máquina, a flexibilização acarreta desemprego estrutural e subproletarização expressa no trabalho precário, parcial, temporário, subcontratado, entre outros. Grande contingente de trabalhadores passa a ter flexibilidade de emprego e de salário, enquanto se instala a desregulamentação das condições de trabalho e dos direitos laborais e sociais.

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Como mostrou o clássico depoimento de Satochi Kamata, a racionalização da Toyota Motor Company, empreendida no seu processo de constituição, "não é tanto para economizar trabalho mas, mais directamente, para eliminar trabalhadores. Por exemplo, se 33% de 'movimentos desperdiçados' são eliminados em três trabalhadores, um deles torna-se desnecessário. A história da racionalização da Toyota é a história da redução de trabalhadores e esse é o segredo de como a Toyota mostra que sem aumentar trabalhadores, alcança surpreendente aumento na sua produção. Todo o tempo livre durante as horas de trabalho tem sido retirado dos trabalhadores da linha de montagem, sendo considerado desperdício. Todo o seu tempo, até ao último segundo, é dedicado à produção" (Kamata, 1982:199 citado por Antunes, 2000: 5).

58 Engendrada a sociedade de consumo, o fortalecimento de valores consumistas estimulados por estratégias publicitárias constitui uma das formas de sustentação da produção e competição capitalistas. Ao trabalhador-consumidor são feitos apelos para consumir, numa corrida à aquisição de bens, produtos de curta duração. Sem consumo não há produção, sem produção não há emprego. A discussão sobre consumismo abre debate sobre o limite entre trabalho como meio de suprir as necessidades básicas e a aquisição de produtos e bens de serviços para além destas necessidades.

O novo capitalismo afecta também o carácter pessoal dos indivíduos, principalmente porque não oferece condições à construção de uma narrativa linear de vida, sustentada na experiência (Sennett, 1998).

Palavras como “risco” e “desafio” passam a fazer parte da vida da nova classe trabalhadora. Sennett (1998) demonstra como o trabalhador fordista, apesar de ter o seu trabalho burocratizado e rotinizado, consegue construir uma história cumulativa baseada no uso disciplinado do tempo com expectativas a longo prazo. Já para o trabalhador flexibilizado, as relações de trabalho, os laços de afinidade com os outros não se processam no longo prazo, em decorrência de uma dinâmica de incertezas e de mudanças constantes de emprego e de moradia que impossibilitam os indivíduos de conhecer os vizinhos, fazer amigos e manter laços com a própria família.

Além da flexibilidade, uma nova organização do tempo perpassa por estes sistemas de poder – o curto prazo. Vivemos numa sociedade impaciente concentrada no momento imediato. O curto prazo substituiu o longo prazo como forma hegemónica de organização do tempo. Quase não existe mais espaço para a vivência de um tempo linear, previsível, onde a conquista é cumulativa, onde é possível adiar projectos em prol de um objectivo maior. No seu lugar aparecem os empregos temporários e os contratos de curto prazo. Estamos sempre a recomeçar56.

A flexibilidade do tempo requer flexibilização também do carácter identificada por ausência de apego temporal a longo prazo, tolerância com a fragmentação e desvinculação emocional. Por tal razão, Sennett (1998) argumenta que o trabalho flexível leva a um processo de degradação dos trabalhadores, pois com a introdução de novas tecnologias organizacionais o trabalho tornou-se fácil, superficial e ilegível.

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Sennett (1998: 35) constata: “Hoje, um jovem americano com pelo menos dois anos de faculdade pode

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