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O TRADUTOR, SEU POSICIONAMENTO, PROJETO E

No documento Machado de Assis, tradutor de Hugo (páginas 43-46)

3 METODOLOGIA DE ANÁLISE DE TRADUÇÕES

3.3 O TRADUTOR, SEU POSICIONAMENTO, PROJETO E

A busca pelo tradutor deverá começar por tentar descobrir quem ele é, e por isso sua biografia passa a ter certo interesse porque apontará as condições nas quais o tradutor produziu, realizou sua obra, assim como também poderá lançar alguma luz sobre suas possíveis limitações e/ou deficiências. Entretanto, quando afirmamos que sua biografia passa a apresentar certo interesse, isso não quer dizer que se deva esmiuçar a vida privada do tradutor, mas somente tentar recolher dados que nos interessam a seu respeito, dentre os quais Antoine Berman elenca os seguintes:

Il nous importe de savoir s’il est français ou étranger, s’il n’est « que » traductuer ou s’il exerce une autre profession significative, comme celle d’enseignant (cas d’une très importante portions des traducteurs littéraires en France). Nous voulons savoir s’il est aussi auteur et produit des oeuvres; de quelle(s) langue(s) il traduit, quel(s) rapport(s) il entretient avec elle(s) ; s’il est bilingue, et de quelle sorte ; quels genres d’oeuvres il traduit usuellement et quelles autres oeuvres il a traduites ; s’il est polytraducteur (cas le plus fréquent) ou monotraducteur (comme Claire Cayron) ; nous voulons savoir quels sont, donc, ses domaines langagiers et littéraires, s’il a fait oeuvre de traduction au sens indiqué plus haut et quelles sont ses traductions centrales ; s’il a écrit des articles, études, thèses, ouvrages sur les oeuvres qu’il a traduites ; et enfin, s’il a écrit sur sa pratique de

traducteur, sur les principes que la guident, sur ses traductions et la traduction en général (BERMAN, 1995, p. 73-74)28.

Esses dados, que de forma alguma são suficientes para adentrar o universo do tradutor e compreender os princípios que guiaram a feitura de seu trabalho, constituirão, de todo modo, uma parte importante do nosso trabalho a ser realizada posteriormente, na qual procuraremos oferecer uma resposta a cada um desses itens propostos por Berman tendo em vista o tradutor Machado de Assis.

Afirmamos, acima, que aqueles dados não eram suficientes para adentrar os meandros das escolhas tradutórias e interpretá-los satisfatoriamente porque ainda é preciso, de acordo com a metodologia proposta em Pour une critique des traductions, traçar a posição tradutória, o projeto de tradução e o horizonte do tradutor.

Segundo Berman, a posição tradutória é uma espécie de compromisso do tradutor com a sua tarefa, como ele a percebe, como ela a internalizou em seu discurso sobre a sua prática. Haveria, então, duas formas de se determinar esta posição: uma delas seria a partir daquilo que o tradutor disse sobre a tradução, quando dispomos destes dados. Esta forma, acreditamos, é uma forma menos confiável de se determinar o compromisso de um tradutor com a sua tarefa, porque seu discurso e sua prática podem não coincidir perfeitamente. A outra forma, segundo Berman, é através do estudo de suas traduções. Esta, definitivamente, comporta muito mais

28

"Importa saber se ele é francês ou estrangeiro, se é 'somente' tradutor ou se exerce uma outra profissão significativa, como a de professor (caso porções significativas dos tradutores literários da França). Queremos saber se ele é também autor e produz obras; de que língua(s) traduz, que relação(ções) tem com ela(s); se é bilíngue ou de que tipo; que gêneros de obras e que outras obras traduziu; se é politradutor (caso mais frequente) ou monotradutor (como Claire Cayron); queremos saber quais são, portanto, seus domínios linguísticos e literários, se ele fez obra da tradução no sentido indicado acima e quais são suas traduções centrais; se escreveu artigos; estudos, teses, trabalhos sobre as obras que traduziu; e enfim, se ele escreveu sobre sua prática de tradutor, sobre os princípios que a guiamm sobre suas traduções e a tradução em geral"

dados sobre este compromisso, porque ele estará expresso – mesmo que de forma nem sempre tão evidente – nas escolhas do tradutor. O que Antoine Berman pretende, com isso, é chegar ao que ele chama de uma “théorie du sujet traduisant” a partir das relações que se podem estabelecer entre sua posição tradutória, linguageira e escriturária (BERMAN, 1995, p. 75).

O projeto de tradução, por sua vez, estará relacionado com a maneira como o tradutor irá realizar sua tarefa, como será a sua maneira de traduzir (BERMAN, 1995, p. 76). Mais uma vez, e assim como para determinar a sua posição tradutória, dependemos de compreender as suas traduções para podermos determinar qual foi este projeto, pois “tout ce qu’un traducteur peut dire et écrire à propos de son projet n’a realité que dans la traduction” (BERMAN, 1995, p. 77)29 mesmo que a tradução não seja outra coisa a não ser a realização daquele projeto. Logo, a qualidade da tradução estará intimamente ligada à maneira como aquele projeto foi pensado, e aos princípios que guiaram o tradutor durante a sua tarefa. Porém, adverte Berman, a existência de um projeto de tradução não impede que em diversos momentos do seu trabalho o tradutor tenha agido de forma menos sistemática e mais intuitiva.

Já o horizonte do tradutor, este pode ser definido com “l’ensemble de paramètres langagiers, littéraires, culturels et historiques qui ‘determinent’ le sentir, l’agir et le penser d’un traducteur” (BERMAN, 1995, p. 79)30. Estamos lidando aqui, certamente, com o ambiente no qual o tradutor estava inserido, um ambiente que abre o seu horizonte a determinados aspectos da obra que traduz ao mesmo tempo em que o limita. Isso é o que Berman chama de “natureza dupla” do horizonte do

29 “tudo o que um tradutor pode dizer e escrever sobre seu projeto não tem realidade a não ser na tradução”. 30

"o conjunto de parâmentros linguísticos, literários, culturais e históricos que 'determinam' o sentir, o agir e o pensar de um tradutor".

tradutor: assim como aponta para a forma como o agir do tradutor ganha sentido, e para o espaço aberto desse agir, essa mesma natureza acaba por apontar também para aquilo que o limita (BERMAN, 1995, p. 80). Em outras palavras, a leitura que o tradutor poderá fazer da obra que traduz estará certamente limitada ao tempo em que ele se insere, mas também poderá fornecer a ele possibilidades de leitura que tradutores anteriores ou pósteros terão dificuldades em encontrar, o que vale também, e talvez muito mais, para a re-escritura da obra, tendo em vista o dinamismo característico de todas as línguas.

No documento Machado de Assis, tradutor de Hugo (páginas 43-46)