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Capítulo 4: Medicamentos estimulantes: uso e explicações em casos de

4.3 O tratamento de crianças desatentas e hiperativas desde 1950

1970, as explicações predominantes para problemas de comportamento eram de cunho social. E o tratamento desses problemas acompanhava a hegemonia explicativa da época. Como exemplo, citamos o trecho do artigo abaixo, que descreve um tipo de tratamento recomendado para crianças com pós-encefalite.

Revisando a alta incidência de instabilidade emocional, distúrbios de concentração, defeitos de memória e hiperatividade, deveria-se considerar o problema de quando essas crianças estão prontas para voltar à escola. Considerando o fato de que

uma grande melhora tem sido vista durante o primeiro ano após o início da doença, estaremos inclinados a recomendar que essas crianças tenham um ano de férias para permitir a elas o tempo adequado de recuperação. (SPRAGINS; SHINNERS; ROCHESTER, 1950, p. 607) Ao mesmo tempo, na década de 1950, também havia relatos de uso de estimulantes para tratar essa mesma condição, porém de uma forma menos difundida. Segundo Levy (1959), as anfetaminas produziram muitos efeitos favoráveis nas crianças pós-encefalíticas e hipercinéticas, por produzir comportamento submisso, diminuindo a hiperatividade e agitação e aumentando marcadamente o tempo de concentração e atenção. O resultado seria um aumento no desempenho escolar por causa da habilidade de se concentrarem. Com o uso dessas substâncias, crianças com problemas de comportamento se tornariam menos impulsivas e, em geral, mais fáceis de lidar.

Lourie (1964) credita o início do uso de estimulantes para problemas de comportamento ao uso empírico de extrato de tireoide por Louis Lurie na exploração de possíveis distúrbios endócrinos em algumas crianças com problemas de comportamento. O autor descreve que Louis Lurie concluiu que a hiperatividade diminuiu com medicamentos da tireoide, mesmo sem nenhuma evidência de deficiência na glândula. De acordo com ele, isso evidencia que o efeito estimulante da tireoide foi a base desse efeito. A partir daí foram testados outros estimulantes e se descobriu que as anfetaminas eram efetivas nessas crianças.

Antes da utilização do metilfenidato, os fármacos benzedrina e dexedrina eram considerados como apresentando efeitos promissores, segundo os artigos analisados. O trecho a seguir ilustra o otimismo em relação ao uso de psicofármacos e os problemas de atenção e hiperatividade.

As anfetaminas (Benzedrina e Dexedrina) demonstraram ser extremamente valiosas no tratamento de algumas crianças hipercinéticas, por causa da redução dramática na hiperatividade, distração e impulsividade, e o aumento na habilidade de escutar e se concentrar, que caracterizam a resposta de algumas crianças a esses fármacos. (CONRAD; INSEL, 1967, p. 96)

O trecho acima fala em uma resposta excelente ao estimulante em algumas crianças. Isso quer dizer que era claro que nem todas apresentavam melhora com o uso de medicamentos. Uma das hipóteses encontrada nos artigos para explicar as discrepâncias dos resultados das pesquisas clínicas foi a já citada na seção 3.3.2, de que crianças com hipercinese de origem orgânica responderiam melhor a um tratamento biológico a base de medicamentos, do que aquelas que apresentavam um comportamento hipercinético devido a outras causas de base emocional ou ansiedade, por exemplo (CONRAD; INSEL, 1967). Entretanto, Rosenfeld (1979) não considera que responder ou não ao metilfenidato seja um bom indicador da diferença entre o diagnóstico correto e o errôneo. Esse artigo apresenta um relato de caso de um menino de 9 anos que tomou o medicamento por bastante tempo, sem solução definitiva. Ao interromper o tratamento, seu comportamento piorava. O autor não considerava a resposta ao tratamento famacológico uma prova de que o indivíduo possuiria disfunção cerebral mínima, principalmente pelo fato de que situações sociais adversas, como as do caso analisado por ele (mãe oprimida e deprimida, e criança com uma ansiedade de separação severa), criariam comportamentos hiperativos. Esses comportamentos seriam amenizados pelo metilfenidato, porém não corretamente tratados.

Em 1950, Bradley descreveu que entre 60% a 75% das crianças melhoravam com a administração de estimulantes, 15% a 25% não tinham resultado e 10% a 15% ficavam piores. Na década de 1960 era comum os autores destacarem a grande variação individual, como ilustra o trecho abaixo:

Enquanto o grupo como um todo demonstrou essa diferença moderada significante no comportamento, o exame dos protocolos individuais revelou grandes diferenças individuais na responsividade ao fármaco. (CONNERS; EISENBERG, 1963, p. 459)

A questão das grandes variabilidades individuais, como já discutido na seção 3.2, ficou cada vez menos comum com o passar do tempo, pelo menos nos artigos analisados. Esse mesmo estudo clínico da década de 1960 (CONNERS; EISENBERG, 1963) relatou melhora em crianças que tomaram metilfenidato, comparado como placebo, mas discute também se, em razão da alta incidência de efeitos adversos, não poderiam ser identificados os grupos que tomavam placebo e se esse

fato não poderia estar influenciando o duplo cego e os resultados do estudo. Isso porque houve uma alta incidência de efeitos adversos (70%) no grupo que recebeu o metilfenidato.

Além disso, havia também diferenças, em relação à resposta aos estimulantes, entre os indivíduos que faziam parte de estudos clínicos e o que os clínicos observavam em seus consultórios. Os estudos clínicos apresentavam uma taxa de resposta positiva muito maior do que a relatada pelos médicos, 70% e 30%, respectivamente (CONRAD; INSEL, 1967). Esse resultado pode ser um indício de que os estudos clínicos não representam totalmente a prática clínica e que, ao serem incorporados a essa prática, não devam ser de forma absoluta, ou considerados como verdade universal, mas que sejam encarados como uma ferramenta a mais.

Em relação ao placebo, Sulzbacher (1973) relatou estudos clínicos comparando o metilfenidato e placebo e alguns resultados chamaram muito a atenção. Como exemplo, podemos citar o resultado de uma pesquisa com 40 crianças, na qual os professores afirmaram que 88% das crianças do grupo do metilfenidato apresentaram melhora, contra 67% das crianças do grupo que recebeu o placebo. Extrapolando esses resultados, Sulzbacher afirmou que o efeito do fármaco em estudo foi somente de 21%.

O efeito placebo pode ser conceituado como o efeito terapêutico não específico, psicológico ou psicofisiológico, produzido por uma substância inerte (placebo) ou ainda o efeito da melhora espontânea atribuída ao placebo (SHAPIRO; SHAPIRO, 2000). Assim, a expressão “efeito placebo” é utilizada para denominar uma série de condições que não é possível controlar, tais como cura e melhora espontânea, modificações no estado de saúde do paciente independentemente de qualquer ação química ou biológica observável, sentimento subjetivo de melhora (mesmo quando este sentimento não é compartilhado pelo médico), dentre outras (PIGNARRE, 2008).

Moerman (2002) sugere não ser exatamente o placebo o responsável pelo efeito placebo. Placebos são inertes, não possuem substância ativa em sua composição, porém provocam mudanças e efeitos. O autor sugere uma abordagem diferente para o problema, definindo o que ele chama de resposta de significado (meaning response), que são os efeitos psicológicos e fisiológicos do significado do tratamento de uma doença ou de um mal-estar. A resposta de significado está relacionada não somente à prescrição de medicamentos inertes, mas também de medicamentos ativos. Dessa forma, o simples fato de haver um diagnóstico médico disponível e a possibilidade de um

tratamento pode desempenhar um papel importante na resposta a um tratamento medicamentoso.

Um artigo dos anos de 1970 (SCHAIN; REYNARD, 1975) argumentava que crianças com pouca atenção e hiperatividade deveriam iniciar o tratamento medicamentoso o quanto antes, com a hipótese de que quanto menor a criança, melhor ela responderia ao metilfenidato. Assim, crianças mais velhas (entre 10 e 12 anos) apresentariam maior índice de falha no tratamento do que crianças mais jovens (entre 6 e 9 anos). Acreditava-se que a efetividade do estimulante diminuía quando a criança alcançava a puberdade. Essa é uma visão conflitante com a visão científica atual, que indica o uso para adolescentes e adultos também, e garantiria a eficácia no tratamento do TDAH, mesmo em pessoas de mais idade.

Existe uma corrente de pesquisa atualmente, chamada de psiquiatria do desenvolvimento, inclusive com atuantes no Brasil, o Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento (INPD, http://inpd.org.br/), que acreditam ser possível identificar sinais em crianças pequenas que indiquem que esse indivíduo desenvolverá algum transtorno mental na idade adulta. Identificando as crianças em risco, seria possível atuar nelas enquanto pequenas e evitar que se tornem adultos com problemas. Risco significa probabilidade, e isso significa que não há garantias sólidas de que crianças que apresentam determinados sinais venham a se tornar adultos com transtornos mentais. De acordo com Castiel e Guilam (2007), temos um sistema médico (e psiquiátrico, por consequência) que transmite a mensagem de que “[...] ameaças nos rondam e devemos estar atentos a isto” (p. 159). Segundo os autores, muitas vezes esses riscos tornam-se quase paranoicos, no sentido de que precisamos estar sempre vigilantes para indentificá-los e eliminá-los antes que se tornem a doença em si. Tudo isso está relacionado com a crença de que é possível controlar e evitar ao máximo os danos e doenças que o corpo pode padecer (ZORZANELLI; ORTEGA, 2011).

Bradley, o primeiro a utilizar estimulantes para tratar crianças com problemas de hiperatividade e atenção, cita, em artigo de 1950 (BRADLEY, 1950), os principais efeitos indesejáveis da benzedrina e dexedrina, duas substâncias que ele estava testando: diminuição do apetite e insônia. O autor cita também como efeitos menos comuns palidez da face, frio nas extremidades e outras evidências de vasoconstrição periférica. Ele cita ainda uma possível perda de peso com o uso prolongado dessas substâncias, causada pela falta de apetite. Outros artigos, como o de Levy (1959) também falam de efeitos como a

falta de apetite, insônia e palidez. Descrevemos, abaixo, um caso no qual o comportamento da criança piorou com o tratamento medicamentoso, que aparece no artigo de Bradley:

Herbert, de 10 anos, esteve sob observação clínica por alguns meses porque, apesar de seu entorno, ele invariavelmente escolhia brincar sozinho, ocasionalmente chorava alto sem motivo discernível e passava horas se entretendo girando objetos pequenos em seus dedos [...]. Considerava-se que ele sofria de uma psicose esquizofrênica. Notou-se que Herbert recebeu sulfato de dexedrina 10 mg diariamente às 7 horas da manhã por 7 dias. Ele parecia agitado, falava mais do que o usual e continuava acordado relativamente tarde na primeira e segunda noites em que recebeu o tratamento. [...] Pelos 7 dias seguintes ele recebeu sulfato de benzedrina 20 mg, diariamente às 7 horas da manhã e todos os maneirismos que se notou na semana anterior se tornaram exagerados. [...]. Depois que a medicação foi descontinuada ele retomou seu comportamento usual. (BRADLEY, 1950, p. 32) Esses foram os principais efeitos adversos comumente descritos durante todo o período analisado, tanto para os primeiros estimulantes utilizados (benzedrina e dexedrina) como para o metilfenidato. Quinn e Rapoport (1975) relataram um índice alto de anorexia nas crianças em uso contínuo do metilfenidato, de até 47%. Poucos artigos relataram efeitos mais graves, porém foram descritos casos de psicose e de mudança na personalidade.

Sobre os efeitos adversos mais graves, os episódios psicóticos relacionados ao uso de anfetamina e seus derivados foram encontrados em um artigo de 1954 (CHAPMAN, 1954). A hipótese levantada pelo autor sobre a forma como a anfetamina produziu a psicose considerou os efeitos tóxicos na função cerebral e os efeitos psicológicos de um fármaco que produz e aumenta o estado de alerta a estímulos do ambiente. Eisenberg (1972) também citou a psicose como uma reação adversa mais grave que pode ocorrer em crianças que fazem uso de estimulantes, mesmo em doses terapêuticas.

Também foram citadas mudanças na personalidade, tais como aumento da agitação, tensão, irritabilidade, agressividade, às vezes com

violência, insônia e perda de apetite e peso. Pessoas viciadas em anfetaminas geralmente foram descritas como emocionalmente instáveis e, quando não estando sob efeito do fármaco, com frequência se tornavam isoladas, irritadiças, depressivas ou mesmo suicidas. Essas mudanças de personalidade poderiam se tornar neuroses ou psicoses sérias (LEMERE, 1966). Esse mesmo artigo chamou a atenção para o fato de que o consumo excessivo de anfetaminas poderia causar dano orgânico permanente no cérebro. Shaywitz, Hunt, Jatlow et al. (1982) destacaram a falta de monitoramento de crianças em uso do metilfenidato, como ocorre com outros psicotrópicos, tais como anticonvulsivantes. Parece haver uma pressuposição, apesar dos casos de efeitos adversos, de que o metilfenidato é um fármaco seguro, que não necessita de cuidados diferenciados, afirmação que podemos averiguar também em artigos atuais.

Foi possível notar, em alguns textos, certa preocupação com o abuso das anfetaminas. Yaffe, Bierman, Cann et al. (1973) chegaram a classificar esse abuso como um “problema de significância internacional” (p. 302). Apesar dos efeitos negativos dos estimulantes, a maior parte dos artigos analisados considerava o metilfenidato um fármaco seguro, e um dos motivos é por não causar euforia e, por isso, não haveria motivação para seu uso abusivo (EISENBERG, 1972). Porém, apareceram descritas algumas tentativas de controle no uso de fármacos estimulantes. Na Suécia, por exemplo, a anfetamina foi categorizada como um narcótico em 1944 por causa do abuso e, em 1965, o metilfenidato foi retirado do mercado (YAFFE; BIERMAN; CANN et al., 1973). Nos EUA, o metilfenidato se encontra na lista II, mesma categoria do ópio, codeína e morfina. Essa lista representa aquelas substâncias consideradas de alto potencial de abuso, que pode levar à dependência física e psicológica severas (YAFFE; BIERMAN; CANN et al., 1973). No Brasil, o metilfenidato faz parte da lista A3, considerada uma substância psicotrópica, capaz de determinar dependência física ou psíquica (ANVISA, 1998).

Parece ser relativamente “normal” resolver problemas de comportamento, e até de vida, com medicamentos, mesmo quando esses medicamentos podem apresentar efeitos indesejados. Já faz parte de nossas rotinas a utilização desses produtos para alívio da dor e do sofrimento. Em certo sentido, não tomar um medicamento nesses casos pode até ser interpretado como um não interesse em seu próprio tratamento. Nesse sentido, alguns comportamentos vão sendo classificados como “patológicos” ao longo do tempo, de acordo com o que consideramos normal em determinada época. Assim, algumas partes

de alguns artigos sobre o metilfenidato demonstram um discurso bastante moralista. Por exemplo, o trecho extraído de Bradley (1950)

Outro tipo de resposta [...] foi o aparecimento da estimulação de crianças tímidas [...] para uma participação mais animada e bem sucedida nas atividades diárias. (p. 28)

Qual seriam os critérios para classificar uma criança como tímida ou normal nesse caso? Trata-se de um julgamento moral, no qual a timidez, que podemos considerar como uma característica individual, é considerada indesejável, talvez nem sempre pela criança. Ao mesmo tempo em que descreve essa situação, Bradley (1950) defende que a benzedrina e a dexedrina não sejam utilizadas indiscriminadamente para qualquer problema de comportamento. Mas a importância do estimulante para a criança hiperativa, de acordo com os artigos analisados, está descrita em Kinsbourne (1973), que afirma que esses medicamentos ajudam a criança a controlar seu comportamento conforme suas vontades e, sem eles, ela estaria à mercê de qualquer estímulo que aparecesse.

Já na década de 1960 é possível perceber um fato bastante claro atualmente, a demanda social para o uso de medicamentos para tratar condições medicalizadas, conforme ilustra o trecho de um artigo dessa época:

[...] ainda que a tarefa de testar e avaliar o vasto número de compostos hoje no mercado pareça enorme, a demanda do público por fármacos que aliviarão o estresse emocional e que terão efeitos diretos no funcionamento do sistema nervoso central é enorme. (KUGEL; ALEXANDER, 1963, p. 651)

Os efeitos das anfetaminas e do metilfenidato são considerados praticamente “milagrosos”, pois são rápidos e mudam o comportamento das crianças de forma positiva em certo número de casos. E essa visão dos medicamentos já era assim ao final dos anos de 1960. Jenkins (1969), por exemplo, fala da redução da hiperatividade e da distração, e aumento do tempo de atenção. O autor afirma que isso tornaria as crianças toleráveis nas salas de aula e aumentaria as taxas de progresso escolar.

Mas a defesa do uso de medicamentos para tratar falta de atenção e hiperatividade não era unânime entre os pesquisadores. É uma questão que já nasceu polêmica.

Numerosos agentes farmacológicos têm sido usados e resultados encorajadores têm sido publicados, embora as opiniões estejam longe de ser unânimes. (GLASER; CLAMMENS, 1965, p. 130)

Um artigo do início da década de 1970 (EISENBERG, 1972) afirma que, no caso dos estimulantes, a controvérsia pública está mais centrada na toxicidade comportamental do que na farmacológica, tanto a curto quanto a longo prazo. O autor sugere duas perguntas que deveriam ser feitas sobre o uso de tais medicamentos: a curto prazo, os estimulantes seriam usados indiscriminadamente para reprimir a independência e a criatividade em crianças? E a longo prazo, o uso de medicamentos na infância predispõe ao vício em drogas na adolescência? Outro artigo que também fala sobre as controvérsias em torno do uso de estimulantes é o de Wolraich (1977).

Outro ponto que ainda gera controvérsias em torno do uso do metilfenidato para tratar crianças com problemas de aprendizagem, desatenção e agitação está na variabilidade encontrada nos relatos de literatura. Ainda que haja uma extensa maioria defendendo seu uso, os resultados não são inquestionáveis, existindo inclusive estudos que não encontraram diferenças suficientemente significativas para justificar o seu uso, como o trecho abaixo.

Medidas que lidam com inteligência e aprendizagem não mostraram claramente um efeito medicamentoso positivo. Em nove estudos usando a Escala de Inteligência de Wechsler [Wechsler Intelligence Scale] para crianças como a medida dependente, somente três tiveram resultados significantemente positivos. Essa é também a situação para testes de percepção, tais como Bender Gestalt, no qual nenhum estudo mostrou efeitos significantes do fármaco. A falta de efeitos benéficos é também encontrada em medidas de desempenho acadêmico. De dez estudos que analisaram o desempenho acadêmico de formas diferentes, somente três tiveram

diferenças significantes entre fármaco e placebo. (WOLRAICH, 1977, p. 515)

Ballinger, Varley e Nolen (1984), nos anos de 1980, também relataram que, mesmo quando há melhora dos sintomas de hiperatividade e desatenção, os estimulantes não aumentaram o desempenho acadêmico. Além do desempenho acadêmico, encontramos também estudos que relataram a falta de resultados a longo prazo dos estimulantes sobre a delinquência (SATTERFIELD; HOPPE; SCHELL, 1982). O TDAH é considerado, ainda hoje, fator de risco para o desenvolvimento de jovens delinquentes (LICHTENSTEIN; HALLDNER; ZETTERQVIST et al., 2012).

Wolraich (1977) destacou, além disso tudo, que os estudos de longo prazo até aquele momento possuíam defeitos metodológicos na seleção dos sujeitos de pesquisa, na dosagem padronizada e nas variáveis dependentes, assim como nos estudos de curto prazo. Para Wolraich (1977) então, mesmo se todos os estudos apresentassem resultados positivos, eles seriam inconclusivos pelos erros que continham. A única conclusão que se poderia chegar, segundo ele, era de que os resultados dos estudos de longo prazo não eram afetados pelos estimulantes. A crítica aos defeitos metodológicos de estudos relacionados ao TDAH, de neuroimagem e de medicamentos, existe até hoje.

Outra questão amplamente discutida atualmente, que inclusive é debate na mídia nacional17 e internacional18, é o possível uso abusivo de fármacos estimulantes, representado pelo grande aumento no consumo dessas substâncias, que apareceu, em nossa análise, já na década de 1970. Yaffe, Bierman, Cann et al. (1973) afirmaram que estimava-se que 8 bilhões de comprimidos contendo anfetaminas eram produzidos anualmente nos Estados Unidos. Para os autores, esse número indicaria um uso generalizado de um agente de valor terapêutico extremamente limitado.

Em 1996, também foi publicado um artigo que discutia esse tema (SAFER; ZITO; FINE, 1996). Os autores estimaram que ocorreu um aumento de 2,5 vezes na prevalência do tratamento com metilfenidato

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Por exemplo, notícia da revista Veja: http://veja.abril.com.br/271004/p_068.html. 18

Por exemplo, notícia do jornal The New York Times:

http://www.nytimes.com/2012/01/29/opinion/sunday/childrens-add-drugs-dont- work-long-term.html?pagewanted=all.

em jovens com TDAH entre 1990 e 1995. Aproximadamente 2,8% (ou 1,5 milhão) de crianças norte-americanas com idade entre 5 e 18 anos receberam essa medicação em meados de 1995. Safer, Zito e Fine (1996) afirmaram que esse aumento não ocorreu somente na década de 1990, mas teve início antes. Segundo eles, o tratamento com estimulantes para jovens com TDA dobrou a cada 4 ou 7 anos, entre 1971 e 1987. De acordo com esses autores, esse aumento deveu-se a vários fatores: (1) aumento na duração do tratamento; (2) diagnóstico de crianças e adolescentes desatentos, mesmo sem o sintoma até então considerado essencial para o diangóstico, a hiperatividade; (3) maior número de meninas diagnosticadas; e (4) melhora da imagem pública desse tratamento medicamentoso.

Apesar de uma maior aceitação social, existe certa resistência da parte dos pais em dar um estimulante para seus filhos, conforme já descrito em trabalhos anteriores (BRZOZOWSKI, 2009). Muitos o fazem por considerarem o médico uma autoridade no assunto, ou então por receio das reclamações escolares ou de outras pessoas. Existem também aqueles pais que desistem do tratamento durante seu percurso e esse foi um dos assuntos abordados pelo artigo de Eichlseder (1985). A