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O valor do tempo para a sociedade moderna

No documento O tempo livre na modernidade (páginas 34-39)

Acho interessante poder recordar aqui que durante o domínio da Igreja católica, os trabalhadores tinham 90 dias de descanso por ano, que consistiam em domingos e feriados, durante os quais era estritamente proibido trabalhar. O trabalho nesses dias era encarado como crime para a Igreja, porém o que se prezava nesse tempo era estar na igreja e/ou com a família, diferentemente do que se vê atualmente.

Com a ascensão da classe burguesa ao poder, foram abolidos os feriados, pois o que interessava novamente era apenas a labuta.

Apesar de o ócio incorporar diferentes representações ao longo da História, o estigma de ser algo maléfico, “pai dos vícios” e promotor do enfraquecimento das virtudes em decorrência do tédio, parece ter adquirido bastante legitimidade na sociedade, como explicita o famoso ditado popular "cabeça vazia, casa do diabo". Assim, percebemos que o tempo de ócio passa a ser um ideal condenável, que deveria ser suprimido em nome da produção, do esforço físico, enfim, do capitalismo, bem como entendemos que esse pensamento mostra uma mudança radical quanto à visão que a própria Igreja tinha sobre o mesmo.

Na Grécia, o que os gregos chamavam de ócio o tempo livre, possuía para eles maior valor que a vida de trabalho, principalmente os atenienses. Na Grécia clássica, o ideal de sabedoria que se buscava via no ócio uma condição essencial. Havia uma grande consagração das atividades ociosas, em contraposição as de trabalho, em especial para os atenienses, já que os

espartanos eram guerreiros. A cultura espartana podia ser considerada uma cultura de trabalho, pois o cotidiano deste povo acontecia fundamentalmente nos ginásios, nas termas, no fórum e outros lugares de reunião.

Para os gregos, estar ocioso não era no sentido de não fazer nada, mas implicava intervenções de cunho intelectual e espiritual, que se traduziam da contemplação da verdade, do bem, e da beleza, de forma não utilitária. Enquanto para eles o ócio era considerado um “estado de alma”, que permitia ao indivíduo sentir-se livre do trabalho, em Roma predominava o conceito já nos parece mais contemporâneo, pois ócio era considerado tempo de descanso e da diversão, necessários para que as condições de trabalho fossem preservadas e, o trabalho era entendido como condição necessária para o ócio.

Atualmente o tempo livre ainda carrega a concepção Romana. E a ocupação dele depende das condições de vida das famílias e da oferta disponível, não querendo com isto dizer que só o meio urbano proporciona as condições de acesso a manifestações de lazer, porém percebemos que quanto mais urbanizados os lugares, ainda maiores são as diferentes ofertas de espaços de lazer.

Como já nos disse Carlos Drummond de Andrade:

“quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente.”

Conforme calculou De Masi (2001) um homem do século XXI tem uma perspectiva de viver 530.000 horas, onde 80.000 delas são dedicadas ao trabalho. Se descontarmos outras 219.000 horas para cuidar do corpo e dormir, ainda sobrariam a esse sujeito 226.000 horas de tempo vago, ou seja, quase o

triplo do tempo laboral. E ainda assim, temos a impressão de que o tempo disponível para que possamos desfrutar de lazer, se relacionar socialmente, entre outras coisas, é cada vez menor, e temos que caminhar a passos cada dia maiores, comer sem ao menos sentir o sabor, viver na sensação de que será impossível cumprir todas as tarefas diárias, e na ausência de tempo para se refletir e se revoltar com a miséria do país.

Cada vez mais abatido pela jornada de trabalho, o sujeito, procura uma atividade de lazer que lhe proporcione prazer, relaxamento e bem-estar, e acaba se encontrando diante de anúncios espalhafatosos na mídia e preços altíssimos de ingresso para todo e qualquer evento cultural que se preze.

Sobre a relação do trabalhador com o sistema capitalista, Debord (1997) traz:

“Subitamente lavado do absoluto desprezo com que é tratado em todas as formas de organização e controle da produção, ele continua a existir fora dessa produção, aparentemente tratado como adulto, com uma amabilidade forçada, sob o disfarce de consumidor.” (DEBORD, 1997. p.32)

Não há dúvida, a impressão de necessidade imposta no consumo moderno não se contrapõe a nenhuma necessidade ou desejo verdadeiro, que não seja, ele próprio, moldado pela sociedade. Mas a mercadoria está lá como o rompimento absoluto de um desenvolvimento das necessidades sociais.

Morin (2007) coloca que “o lazer é um tempo ganho sobre o trabalho.”. E que o que se mudou sobre ele é que antigamente esse tempo era voltado para festas (como ritos sagrados, festins, comunhões coletivas, etc.), e o que aconteceu foi uma corrosão pela “organização moderna” desse tempo, e assim foi realizada uma nova divisão do tempo livre, desta vez no que o autor chama de “zonas de tempo livre”, que para ele são os finais de semana e as férias. E a partir dessa nova repartição do tempo, agora se abandona o trabalho, a família e a festa, e se começa uma sociedade do consumo.

Quanto mais avança a alienação capitalista, cada vez mais difícil se torna aos trabalhadores reconhecer e identificar a própria miséria, isso os coloca no revés do tudo ou nada, ou seja, de recusar a totalidade da sua miséria ou nada.

Munné (1980) refere-se ao tempo livre como uma tipologia de tempo social que faz referência às ações humanas, com o sujeito fazendo uso do tempo com total liberdade e de maneira criativa, dependendo de sua consciência de valor sobre seu tempo. No entanto, esse tempo que poderia ser voltado para o puro lazer é mercantilizado pela sociedade capitalista e o “tempo ocioso” passou a ser pensado a quando passa a representar uma forma de consumo, e este último, que serve como impulso para o capitalismo, acaba por ser considerado progresso, globalização, modernidade.

A assimilação social do tempo, e a produção do homem pelo trabalho humano, desenvolvem-se numa sociedade dividida em classes. E nenhuma delas se deixa perceber que o tempo é o nosso principal recurso não renovável, e seu desperdício é extraordinário com coisas banais e na maioria das vezes descartáveis.

Hoje vivemos na sociedade do “Time is Money”, porém esquecemos-nos de pensar que tempo é o tempo de vida, e vida, diferentemente de dinheiro, não pode ser recuperado depois de perdido. Não que desconheçamos o valor econômico do tempo. Porém temos que pensar primeiramente no valor que a vida, e nosso desenvolvimento social e moral é mais importante do que o dinheiro que ganhamos ou deixamos de ganhar.

Ao refletirmos o tempo livre como uma categoria econômica entramos numa visão moderna da economia, centrada no resultado final, na qualidade de vida. Economicamente, isto significa dar valor tanto ao tempo que não é diretamente contratado por um empregador, como ao tempo dedicado a atividades socialmente úteis, como os com a família, dormir, entre outros.

Porém o que ocorre atualmente é o inverso. Damos valor apenas ao tempo que vendemos, pois é dele que tiramos nosso lucro pessoal. Já ao valor

do tempo livre, esse é um valor consumista, e onde na verdade gastamos e não ganhamos, por isso passa ser um tempo em que eu assumo e consumo meus desejos, porém não ganho nada além de status.

Devemos então estar atentos, enquanto educadores, e repensar o papel de formadores de “cidadãos críticos e participativos na sociedade”, como muitos Projetos Político-pedagógicos das escolas colocam, pois o que estamos fazendo é apenas legitimar o que a mídia e o sistema em que estamos inseridos pregam. E para sermos realmente esses cidadãos que pretendemos, devemos começar lutando por nós mesmos, e por aquilo que acreditamos.

No documento O tempo livre na modernidade (páginas 34-39)

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