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O estudo teórico, anteriormente apresentado, do paradigma relativo às inovações

biomédicas, no contexto da saúde pré-natal e, concretamente, no Diagnóstico Pré-Natal,

permite enquadrar o presente estudo empírico, quer em termos de postulados, quer em termos de metodologia de investigação. A nossa reflexão em torno dessa problemática levou-nos a uma questão que se nos afigura central: a prática dos cuidados de saúde não podem ter como referência exclusiva o modelo biomédico tradicional mas deve, em nossa opinião, integrar uma abordagem psicossocial, de modo a encarar as dimensões psicológicas inerentes à aplicação dos progressos da medicina pré-natal.

Como tivemos oportunidade de referir, o quadro patológico das doenças genéticas, tal como o das doenças infecciosas, têm conhecido algumas modificações com o progresso da investigação científica. Com efeito, para certas doenças genéticas existem já aconselhamento preventivo ou mesmo terapia. Neste caso, as doenças genéticas passam

a constituir um risco que poderá ser individualmente evitável ou tratável, mediante um processo de "tomada de decisão", no domínio da saúde, que passa a ser exigido aos casais.

O objectivo geral do trabalho centra-se, concretamente, na caracterização psicossocial da aceitação/rejeição do Diagnóstico Pré-Natal pelas consulentes, considerando e operacionalizando, para o efeito, um conjunto de variáveis, designadamente de natureza sócio-cognitiva e sócio-afectiva, que a elas admitimos estarem associadas, através da revisão bibliográfica efectuada.

É patente a importância prática deste estudo, tendo em vista, por um lado, o aumento das gravidezes de risco genético, nomeadamente, pelo incremento do número de gravidezes em idade materna avançada (igual ou superior a 35 anos), na sociedade contemporânea, e, por outro, a expansão dos Serviços de Diagnóstico Pré-Natal, no nosso meio.

Capítulo V -Estudo empírico dos preditores da aceitação e da rejeição do Diagnóstico Pré-Natal

Nesse sentido, pensamos obter alguns elementos úteis, que sejam susceptíveis de poder apoiar, psicologicamente, as grávidas em risco genético, indo ao encontro das suas especificidade e necessidades, e de desenvolver estratégias de promoção da saúde genética, encarando os seus aspectos psicossociais e comunitários. Em nossa opinião, os contributos que as investigações interdisciplinares possam dar, neste aspecto, podem vir a ser importantes para o desenvolvimento e melhoria da qualidade dos cuidados de saúde pré-natais.

A pesquisa bibliográfica efectuada (cf. Capítulo 4, ponto 4), em torno deste tema, evidenciou a necessidade de clarificar melhor as variáveis associadas à aceitação e rejeição do Diagnóstico Pré-Natal. Além disso, no nosso país, as investigações nesta área são escassas e de alcance limitado. Quer a nível nacional, quer a nível internacional não houve a preocupação de uma investigação sistemática dos correlatos da rejeição do Diagnóstico Pré-Natal. Neste sentido, construímos um modelo hipotético, que procurámos fundamentar em certos aspectos das duas teorias mais relevantes para a compreensão dos comportamentos orientados para a Saúde, nomeadamente, no Health Belief Model desenvolvido por Rosentock (1974) incluindo os seus desenvolvimentos aplicados ao contexto específico do Diagnóstico Pré-Natal (Davies, 1983), e no modelo de Ajzen (1985), designadamente, na Teoria do Comportamento Planeado aplicada ao domínio da saúde.

Pretendemos comparar especificamente um grupo de mulheres que aceitou a realização do Diagnóstico Pré-Natal com um grupo de mulheres que recusou o referido diagnóstico, analisando em que medida estes comportamentos de aceitação versus rejeição estão associados a um conjunto de variáveis psicossociais.

Serão somente observadas algumas variáveis psicossociais indicadoras de factores assinalados pelo Health Belief Model e pela Teoria do Comportamento Planeado, consideradas como sendo cruciais para a tomada de decisão no domínio da saúde. Estas variáveis estão assinaladas na Figura 5.1.

Deste modo, o "grau de instrução" e o "grau de religiosidade" são indicadores indirectos das pressões sociais susceptíveis de influenciar a construção da norma subjectiva, na Teoria do Comportamento Planeado. A "atitude face à procriação" e a "atitude face ao abortamento" representam as integrações pessoais destas pressões sociais e de experiências próprias em termos de norma subjectiva que nalguns estudos empíricos revelaram ser de bastante importância para a aceitação do Diagnóstico Pré-Natal.

As "atitudes face aos médicos e à medicina" podem sustentar a confiança na eficácia dos comportamentos adoptados e assim espelharem as expectativas que se

Capítulo V- Estudo empírico dos preditores da aceitação e da rejeição do Diagnóstico Pré-Natal

inserem na Teoria do Comportamento Planeado. Se a "avaliação dos custos e dos benefícios do Diagnóstico Pré-Natal" corresponde directamente à dimensão benefício percebido versus obstáculo percebido do Health Belief Model, a avaliação dos custos será negativamente associada às expectativas de sucesso da Teoria do Comportamento Planeado e a avaliação dos benefícios positivamente ligada ao valor do resultado nesta última teoria. No Health Belief Model a susceptibilidade percebida à doença é uma dimensão importante na tomada de decisão. Quando as decisões se referem à realização do Diagnóstico Pré-Natal, estes conhecimentos e experiências incidem sobre as consequências da concretização de riscos genéticos. Os casos mais conhecidos e sistematicamente associados à idade da mãe referem-se à Síndrome de Down, que foi utilizada como exemplo paradigmático das doenças em causa.

. Atitudes face . Grau de instrução Expectativas aos médicos e

(T.C.P.) à medicina \ / . Grau de / / religiosidade Obstáculos e . Custos do DPN \ versus \ II . Atitudes face à benefícios . Custos do DPN \ versus \ II / procriação percebidos Benefícios do DPN \ \ Aceitação

(H.B.M.)

— N\

ou y^*' ■ Atitudes face

. Susceptibilidade e ^ ^ - ^ Rejeição ao abortamento Gravidade das  do \

doenças genéticas /1 Diagnóstico Pré-Natal \ Valor . Conhecimentos / / acerca do DPN / \ (T.C.P.) . Conhecimentos / / acerca do DPN / \ e da Síndrome / \ de Down / \ Susceptibilidade / \ percebida / \ (H.B.M.) . Experiência prévia com a Síndrome de Down ' . Locus de controlo para a saúde . N2 de filhos . Risco Genético de cromossopatia associada à idade materna Variáveis Objectivas

Figura 5.1 : Variáveis preditoras da aceitação e da recusa do Diagnóstico Pré-Natal.

Assim, o "conhecimento acerca do Diagnóstico Pré-Natal e da Síndrome de Down" e a "experiência prévia com a manifestação desta Síndrome" podem também ser considerados como indicadores indirectos possíveis da susceptibilidade e da gravidade percebida em mães com mais de 35 anos. Parece-nos evidente que, segundo a Teoria do Comportamento Planeado, a percepção desta susceptibilidade influencia a apreciação do valor do resultado da acção. O controlo percebido da acção será avaliado a partir do

Norma subjectiva (T.C.P.) Controlo percebido (T.C.P.)

Capítulo V-Estudo empírico dospreditores da aceitação e da rejeição do Diagnóstico Pré-Natal

"locus de controlo para a saúde", sabendo que a percepção de controlo varia conforme os

domínios na qual se actualiza. Numa perspectiva mais exploratória, duas variáveis "objectivas" serão ainda acrescentadas: o "número de filhos" e o "risco genético de cromosomopatia associado à idade materna", pensando que as mesmas podem influenciar, indirectamente, a decisão da mãe, através de atitudes diferenciadas em função dos contextos que cada uma delas implica.

Em síntese, pretende comparar-se o grupo de mulheres que aceitou o Diagnóstico Pré-Natal com o grupo que o rejeitou ao nível das diversas variáveis psicossociais consideradas (nível de ensino, grau de religiosidade, número de filhos, conhecimentos acerca do Diagnóstico Pré-Natal e da Síndrome de Down, experiência anterior com a Síndrome de Down, atitudes face aos médicos e à Medicina, locus de controlo para a saúde, avaliação dos custos e dos benefícios associados à realização do Diagnóstico Pré- Natal, a susceptibilidade e a gravidade percebida das doenças genéticas, atitudes face à procriação, atitudes face ao abortamento e risco genético de cromosopatia associado à idade materna).

Pretende caracterizar-se, mais especificamente, o processo de rejeição do ponto de vista da importância relativa de cada um dos seus preditores. Esperamos, assim, que os nossos resultados permitam obter algumas informações quanto à influência de certos factores psicossociais na organização do conhecimento, das atitudes e dos comportamentos associados à tomada de decisão de rejeição e de aceitação do Diagnóstico Pré-Natal citogenético, e da relevância de cada um para este tipo de tomada de decisão.