Objetivos da ação afirmativa

Ao abordar os objetivos da ação afirmativa, preleciona Joaquim Barbosa Gomes, que, via de regra, embasa-se a adoção de medidas de ação afirmativa, com o fundamento de que essa espécie de política social seria apta a alcançar variados objetivos que restariam inalcançados, caso a estratégia de combate à discriminação se restringisse à adoção normativa, de normas simplesmente proibitivas de discriminação. Não adianta somente proibir, é necessário promover, tornando rotineira a observância aos princípios da diversidade e do pluralismo, de tal modo que se opere uma modificação no comportamento e na mentalidade dos cidadãos, que são moldados por meio da tradição e dos costumes, isto é, pela história.121

Para João Paulo de Faria Santos, a ação afirmativa tem como objetivo:

[...] tratar de forma preferencial aqueles que historicamente foram marginalizados, para que lhes sejam concedidas condições eqüidistantes aos privilegiados da exclusão. Diferencia-se drasticamente da redistribuição, já que não é simples busca de diminuição de carência econômica, mas sim um medida de justiça, tendo por base injustas considerações históricas que erroneamente reconheceram e menosprezaram a identidade desses grupos discriminados. [...]. O tratamento preferencial reserva uma característica basilar no conceito de ação afirmativa: fala-se de um posicionamento efetivo e positivo do Estado, de uma noção intervencionista do Estado e do direito como instrumento de transformação social. Além do inicial debate estadunidense de encorajamento

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ALMEIDA, Dayse Coelho de. Ações afirmativas e política de cotas são expressões sinônimas?. Jus

Navigandi, Teresina, ano 9, n. 573, 31 jan. 2005. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6238>. Acesso em: 16 abr. 2009. 121

estatal para representatividade multirracial em empresas, a ação afirmativa abrange políticas públicas que visam combater o racismo existente na sociedade e corrigir efeitos de racismos históricos, idealizando a igualdade de acesso a bens fundamentais em uma democracia contemporânea, como educação e emprego.122

Ensinam Clèmerson Merlin Clève e Melina Breckenfeld Reck, que as ações afirmativas tem por objetivo reconstruir o tecido social, introduzindo recentes propostas para a convivência política, nas quais se descobrem novos caminhos para se igualar, na verdade do direito e não somente na redação da legislação.123

Por sua vez, esclarece Cidinha da Silva, que é fundamental assegurar, aos protagonistas em tela, condições materiais e simbólicas para que as dificuldades ou desníveis sejam superados e as opções possam ser realizadas de forma lúcida e, consequentemente, a médio e longo prazo. É necessário prover as condições para a respectiva construção da igualdade. Para alcançar esta finalidade, quanto às universidades, deve-se criar condições para que os afrodescendentes tenham pleno acesso a boas escolas e exerçam profissões de prestígio, até o momento, destinadas a poucos grupos sociais.124

Vislumbra Arivaldo Santos de Souza, sobre os objetivos da ação afirmativa:

Aqui vemos surgir a necessidade de desigualização como instrumento para o alcance da isonomia e, neste momento, a ninguém é facultado o direito de invocar igualizações por acreditar que as desigualizações foram aquelas, pois não se trata de violar princípio da isonomia, ao revés temos a realização dos mesmos, ou seja, a própria realização do direito. A violência com que são tratados os negros nas várias instâncias sociais não será superada pela simples declaração da igualdade ou com a proibição da exclusão, ela só virá se as medidas vierem combinadas com políticas compensatórias que catalisem o processo de igualização de oportunidades como verdadeiro direito dos negros. Martin Luther King já dizia que a lei não fará com que os brancos amem os negros, mas permitirá que não viole seus direitos.125

Outrossim, comenta Daniel Sarmento que quatro são os objetivos mais frequentes utilizados para embasar as medidas de ação afirmativa, quais sejam: (a) justiça compensatória; (b) justiça distributiva; (c) promoção do pluralismo; e, (d) 122 SANTOS, 2005, p. 46-47. 123 CLÈVE; RECK, 2003, p. 34. 124 SILVA, 2003, p. 21. 125

SOUZA, Arivaldo Santos de. A constitucionalidade da política de quotas para negros nas universidades. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 268, 1 abr. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5027>. Acesso em: 12 abr. 2009.

fortalecimento da identidade e auto estima do grupo favorecido.126

Joaquim Barbosa Gomes, entende que a justiça compensatória se embasa na compensação ou na reparação do preconceito e da discriminação oficial ou social, de que foram vítimas, as gerações anteriores e que tendem, inexoravelmente, a transmitir- se às gerações futuras, compreendendo-se em um insuportável e injusto ônus social, econômico e cultural a ser carregado, no presente, por estas recentes gerações.127

Salienta Daniel Sarmento, no tocante à justiça distributiva:

[...]. A constatação empírica da situação de terrível desvantagem social dos negros em geral, hoje, justifica a adoção de medidas que tentem favorecê-los perante os brancos, visando distribuir melhor os bens socialmente relevantes, para que, amanhã, as relações raciais sejam mais equitativas. As políticas de caráter universalista, embora possam, reduzir a pobreza e promover significativas melhoras sociais, não atacam esta disparidade entre as etnias, razão pela qual devem ser complementadas por medidas de ação afirmativa, se realmente se pretende promover a igualdade substantiva entre as raças.128

Destaca, ainda, Arivaldo Santos de Souza, que são objetivos das ações afirmativas: (1) induzir mudanças de ordem jurídica, epistemológica e cultural, mediante a promoção da diversidade enquanto valor e prática nos espaços coletivos; (2) reparar danos sofridos através de injúrias, a certos grupos, no passado e no presente; (3) realizar a igualdade de oportunidades; (4) criar personalidades emblemáticas; (5) cooperar para a eliminação do racismo institucional; (6) aumentar a representatividade de grupos e indivíduos em desvantagem; (7) zelar pelo poder econômico do país; (8) instituir novos horizontes para grupos e indivíduos em desvantagem; (9) reformar os mecanismos para composição do mérito; e, finalmente, (10) diminuir a importância da raça na vida social.129

Entende João Paulo de Faria Santos, que, em síntese, a grande finalidade das ações afirmativas é a de se estabelecer como uma das políticas mais avançadas, concretizar a aplicação do princípio jurídico da igualdade, fazendo com que todos os cidadãos e seus respectivos grupos, possuam maior igualdade de condições para 126 SARMENTO, 2006, p. 130. 127 GOMES, 2001, p. 62. 128 SARMENTO, 2006, p. 131. 129

SOUZA, Arivaldo Santos de. Ações afirmativas: origens, conceito, objetivos e modalidades. Jus

Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1321, 12 fev. 2007. Disponível em:

disputar as oportunidades à disposição da sociedade e tentar reestruturar um projeto de nação, que seja considerado coeso e integrado, promovendo a exclusão de grupos que sofrem um desprezo prévio de toda a sociedade.130

Por seu turno, conclui Joaquim Barbosa Gomes:

Impostas ou sugeridas pelo Estado, por seus entes vinculados e até mesmo por entidades puramente privadas, elas visam combater não somente as manifestações flagrantes de discriminação, mas também a discriminação de fato, de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade. De cunho pedagógico e não raramente impregnadas de um caráter de exemplaridade, têm como meta, também, o engendramento de transformações culturais e sociais relevantes, aptas a inculcar nos atores sociais a utilidade e a necessidade da observância dos princípios do pluralismo e da diversidade nas mais diversas esferas do convívio humano. Por outro lado, constituem, por assim dizer, a mais eloqüente manifestação da moderna idéia de Estado promovente, atuante, eis que de sua concepção, implantação e delimitação jurídica participam todos os órgãos estatais essenciais, aí se incluindo o Poder Judiciário, que ora se apresenta no seu tradicional papel de guardião da integridade do sistema jurídico como um todo e especialmente dos direitos fundamentais, ora como instituição formuladora de políticas tendentes a corrigir as distorções provocadas pela discriminação. Trata-se, em suma, de um mecanismo sociojurídico destinado a viabilizar primordialmente a harmonia e a paz social, que são seriamente perturbadas quando um grupo social expressivo se vê à margem do processo produtivo e dos benefícios do progresso, bem como a robustecer o próprio desenvolvimento econômico do país, na medida em que a universalização do acesso à educação e ao mercado de trabalho tem como conseqüência inexorável o crescimento macroeconômico, a ampliação generalizada dos negócios, numa palavra, o crescimento do país como um todo.131

Desta forma, “o que se pode identificar como alvo da ação afirmativa é todo e qualquer cidadão que foi vítima de repressão social, que teve suas oportunidades de ascensão, de educação, de auto-suficiência historicamente tolhidas”.132

Destaca-se dessas lições, que o objetivo e finalidade das ações afirmativas buscam a inclusão de grupos minoritários e desfavorecidos que tenham sido discriminados de alguma forma e, que por esta, entre outras razões, estejam à margem da sociedade.

Demonstrados os objetivos da ação afirmativa, examinar-se-á no item seguinte, sobre a natureza desta.

130 SANTOS, 2005, p. 48-49. 131 GOMES, 2003, p. 22. 132 TAVARES, 2006, p. 528.