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5 Mediação e seus aspectos primordiais

5.2 Objetivos da mediação

Dentre os principais objetivos da mediação apontados pela doutrina pode-se destacar os seguintes:

151 MANCUSO, Rodolfo de Camargo, “O Plano Piloto de Conciliação em Segundo Grau de Jurisdição, do

Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, e sua possível aplicação aos feitos de interesse da Fazenda Pública” Separata da Revista dos Tribunais, ano 93, v. 820, fevereiro de 2004, p. 11 a 49.

- Solução dos conflitos: embora seja o seu objetivo mais evidente no quadro de resolução de conflitos, onde se coloca como alternativa à jurisdição estatal, não se pode dizer que a mediação não obteve sucesso caso a composição não seja possível no caso concreto.

Se as partes, desde o princípio, manifestarem a intenção de submeter-se à mediação com a finalidade única de chegarem a um acordo, é bem provável que ele ocorra, já que o primeiro grande passo está dado: o comprometimento dos envolvidos e a cooperação para a busca de um resultado final conjunto.

Para tanto, contudo, é imprescindível que se discuta o conflito real existente entre os disputantes, de modo que não apenas o conflito posto seja averiguado, mas as razões para o seu surgimento e eventuais outros conflitos existentes.

- Restabelecimento da comunicação entre as partes: uma vez que o procedimento visa o empoderamento das partes e a sua participação de fato nos assuntos referentes aos seus conflitos de interesse, importantíssimo que se facilite a comunicação entre os envolvidos, porque é somente através dela que as disputas poderão ser resolvidas.

Dessa forma, antes ainda da busca da solução do conflito de maneira primordial, é preciso que se restabeleça a comunicação entre as partes, transformando o conflito e gerando uma mudança de atitude mútua. Diante do resgate da responsabilidade e comprometimento, a resolução do conflito pode ocorrer de forma natural e duradoura, já que as partes compreenderam os mecanismos envolvidos no seu nascimento e de fato se envolveram na sua resolução.

- Preservação do relacionamento entre as partes: tendo-se em vista que a mediação é indicada principalmente para as situações de conflito em que haja vínculos que se protrairão no tempo e merecem ser mantidos pela parte, apesar da disputa pontual, tem-se que um dos seus objetivos principais só pode ser justamente a preservação desses vínculos.

Nesse sentido Mauro Cappelletti afirma:

Nos casos em que o conflito não passa de um episódio em uma relação complexa e permanente; aí a “justiça conciliatória” ou – conforme se lhe poderia chamar – a “justiça reparadora” tem a possibilidade de preservar a relação, tratando o episódio litigioso antes como perturbação temporária do que como ruptura definitiva daquela.

152 (CAPPELLETTI, p. 90).

As técnicas utilizadas na mediação podem alterar a dinâmica de funcionamento das relações conflituosas, de modo a trabalhá-las e evitar o seu esgarçamento, inevitável com a sucessiva ocorrência de conflitos. O mediador, como interventor neutro, é capaz de apontar os

152 Os métodos alternativos de resolução de conflitos no quadro do movimento universal de acesso à justiça, p.

comportamentos das partes que geram a situação de conflito e, assim, permitir que as partes transformem suas ações, de modo a preservar seus vínculos.

Objetiva-se, ainda, a prevenção da má administração dos conflitos, já que a preservação das relações impõe que se reconheça a provável existência de novos litígios entre as partes e deve oferecer-lhes o instrumental necessário para propiciar o diálogo e a administração dos próprios conflitos.

Para tanto, contudo, é preciso que as partes, voluntariamente, se comprometam à manutenção do vínculo e melhoria da convivência. Embora tal comprometimento possa ser construído no decorrer da mediação, se ele não se verificar a mediação pode perder sua força e se tornar ineficaz.

- Prevenção de conflitos: a mediação pode também funcionar como processo educativo, por meio do qual as partes aprendem técnicas de comunicação capazes de evitar a ocorrência futura de conflitos, evitando o acirramento da litigiosidade.

A mudança de comportamento das partes tem repercussão na sua relação conflituosa e, ainda, na sociedade como um todo, já que a nova perspectiva será aplicada em todas as suas relações interpessoais, com potencial para propiciar mudanças em outras interações sociais. Nasce a possibilidade de autocomposição de eventuais outros conflitos surgidos, já que a parte se empodera e adquire ferramental que lhe auxilie na construção de uma comunicação não-violenta, permitindo evitar conflitos insolúveis.

Tem-se que a mediação é uma ferramenta muito eficiente para evitar a ocorrência da litigância remanescente, que é a existência de um conflito de interesses não trabalhado, porque não era o conflito principal resolvido. Como o processo reconstrói a comunicação e pretende trazer à análise todos os conflitos existentes entre as partes, aparentes e reais, não há aspecto divergente que não possa ser trabalhado. Tal abordagem acaba por gerar maior efetividade na resolução do conflito, já que permite que toda a sua essência seja trabalhada, assim como possibilita uma mudança de mentalidade dos contendores de modo a agirem em conjunto, em parceria, de forma a evitar o nascimento de outros litígios.

- Inclusão social: trata-se de importantíssimo objetivo da mediação, imprescindível

principalmente nas relações verificadas na população carente, usuária dos serviços da Defensoria Pública. Estimula a participação do cidadão na resolução do seu próprio conflito de interesses e na condução dos assuntos afetos à sua vida, responsabilizando-o como um componente importante da cultura da paz e da boa convivência social.

A mediação contribui para estimular o sentimento de dignidade nas pessoas que dela se utilizam – em virtude do tratamento cortês e respeitoso que lhes é dispensado -, para que as partes sejam ouvidas atenciosamente, e tenham seus problemas encaminhados de forma célere, principalmente por perceberem que é possível, elas próprias, encontrarem soluções adequadas para seus problemas.

Descobrem que também é possível, por meio do diálogo transformador, criar uma identidade coletiva e dar início à luta por melhores condições de vida e conquista de espaços de discussão onde possam ouvir e ser ouvidas.153 (SALES, p. 07-08). A mediação pode se constituir em espaço de desenvolvimento da cidadania, pelo qual os envolvidos compreendem que podem e devem resolver seus próprios problemas, que possuem discernimento, capacidade e plenas condições para tanto. O procedimento gera o empoderamento, atribuindo às pessoas a responsabilidade, na medida do que lhes cabe, na prevenção de conflitos.

A população carente atendida pela Defensoria Pública, de uma maneira geral, sofre pela ausência do Estado e pela privação de direitos básicos, como saúde, educação e moradia de qualidade. Têm, portanto, de maneira bastante justificada, uma postura reativa em relação à vida de maneira geral, considerando-se e estando à margem da sociedade e da construção formal de Estado.

Ao se verem numa situação de conflito e com acesso suficiente à forma primordial de resolução, que é o Poder Judiciário, essas pessoas tendem a relegar ao juiz a decisão sobre todo e qualquer aspecto de sua controvérsia, abrindo mão da possibilidade de resolução de suas próprias questões. Tal comportamento passa, sem dúvida, pela desvalorização pessoal e sentido de não pertencimento, mas também se constitui numa maneira de se sentir incluído, ao mesmo tempo – a jurisdição parece ser a única forma de intervenção estatal contundente em suas vidas, então melhor que o Estado-juiz decida seu conflito, ainda que de maneira prejudicial aos seus interesses.

Nessa medida, veem-se manifestações como: “o que o juiz decidir, está decidido”, “com ele eu não quero conversa, vou deixar nas mãos do juiz”. Há, ainda, a ideia frequentemente ventilada de que, uma vez ajuizada a demanda, os contatos com a parte contrária, principalmente para tratar de assuntos relacionados ao objeto do litígio, estão absolutamente vedados. Assim, os litigantes simplesmente deixam de se comunicar, relegando à sentença judicial a possibilidade e o poder de decidir sobre os rumos de suas vidas.

Com a mediação, por se tratar de intervenção não pontual e que pressupõe vários encontros, pretende-se desconstruir esse senso comum, de forma a empoderar as partes e inclui-las no processo decisório de suas vidas, fazendo-as perceberem-se capazes e responsáveis, sem que isso se constitua numa exclusão da possibilidade de intervenção estatal. Nesse sentido, a forma dialética da mediação retira o envolvido no conflito da situação de inércia e afasta qualquer pretensão ao paternalismo do Estado.154

- Pacificação social: a pacificação social é o fim último de qualquer meio de resolução de controvérsia, pois é somente com o término dos conflitos que se pode alcançar a paz. Contudo, na resposta estatal adjudicada nem sempre se alcança a pacificação, sendo que a mediação é método que possui maior potencial para causar a resolução de fato do conflito entre as partes ou, ao menos, transformá-lo, de modo a gerar tranquilidade nos envolvidos.

Caso as partes tenham sido envolvidas de fato na construção de uma solução para seu litígio, tenham sido ouvidas em seus conflitos anteriores e exposto todas as questões subjacentes à demanda posta, as chances de que eventual ajuste seja cumprido e leve à efetiva pacificação são muito maiores do que com a prolação de uma sentença judicial, imposta sem discussão direta com a parte.

Lilia Maia de Moraes Sales aponta que:

“ensina-se a paz quando se resolve e se previne a má administração dos conflitos, quando se busca o diálogo, quando se possibilita a discussão sobre direitos e deveres e sobre responsabilidades, quando se substitui a competição pela cooperação – o perde/ganha pelo ganha/ganha”.155(SALES, p. 09-10).