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5 Mediação e seus aspectos primordiais

5.1 Princípios da mediação

Como técnica desenvolvida para facilitar a comunicação entre as partes e possibilitar que elas mesmas resolvam seus conflitos de interesse, a mediação possui princípios básicos, aplicáveis a todas as espécies da técnica. São os principais:

- Liberdade e poder de decisão das partes: os envolvidos na mediação devem aderir

à sua utilização de maneira voluntária, sem que estejam sofrendo nenhum tipo de coação ou ameaça. Devem estar conscientes dos objetivos do procedimento e que não estão obrigados a entabular acordos ou assinar qualquer documento ao final. As partes são protagonistas do procedimento, sendo que cabe a elas a definição sobre o encaminhamento da controvérsia, que pode ser um acordo ou não.

Nas lições de Maria Celina Bodin de Morais temos que a liberdade individual é o poder sobre si mesmo, e a possibilidade de realizar uma escolha de acordo com seus próprios princípios e vontades. Se a parte tiver discernimento, será capaz de decidir e autonomia para

isso, a fim de concretizar seu projeto de vida, numa perspectiva de privacidade, intimidade e livre exercício da vida privada.149

O exercício livre da autonomia, entretanto, pressupõe conhecimento sobre a sua realidade e as opções viáveis e empoderamento para uma decisão livre. Dessa forma, a parte precisa ser efetivamente informada pelo mediador sobre os limites e objetivos da mediação, bem como os possíveis resultados ao final. É prudente ainda, caso o conflito tenha desdobramentos processuais (ou haja ação judicial em andamento), que a parte receba aconselhamento jurídico a respeito de eventual acordo a ser formulado ao final da mediação, a fim de que sua esfera de direitos seja garantida e ela possa, com a informação total sobre o panorama em que se encontra, ter liberdade para chegar à decisão que melhor lhe aprouver.

Deve-se ter o cuidado de obter o consentimento genuíno para a instalação da mediação e sua continuidade. Não se trata de técnica que prescinda da vontade das partes (por isso críticas são tecidas sobre a possibilidade de instituição da mediação obrigatória, como se verá), mas sim dependente da manifestação de vontade de se submeter ao procedimento e nele permanecer. Ainda que com certa resistência inicial, o que é normal, inclusive em se tratando de técnica que não conta com histórico antigo de aplicação de maneira expressiva entre nós, as partes têm que de fato aderir à sua utilização, ou ela de nada servirá para a melhoria nas relações.

O mediador, portanto, não tem nenhum poder decisório, sendo certo que age apenas como facilitador do diálogo, sem induzir nem propor nenhuma decisão – ao contrário da conciliação, não cabe ao mediador propor soluções para o conflito de maneira direta, mas apenas fornecer elementos às partes para que elas mesmas cheguem a uma solução para o impasse, se esta for a vontade delas.

Nas palavras de Fernanda Tartuce, a possibilidade de conceder liberdade às partes para compor seus próprios conflitos e dar-lhes referenciais para tanto, pode:

[...] ser valiosa para o próprio direito. Em uma perspectiva diferenciada, a principal meta da mediação é dar aos participantes a oportunidade de aprender ou de mudar. Com isso, pode-se alcançar uma sorte de evolução moral ou “transformação” por meio do aprimoramento da autonomia (ou “empoderamento”, enquanto capacidade de decidir sobre os problemas da própria vida) e “identificação” (como capacidade de reconhecer e simpatizar com a condição alheia).150 (TARTUCE, p. 213).

Por isso a liberdade é o princípio mais caro à mediação como forma de resolução de conflitos, pois pressupõe real conhecimento e comprometimento da parte na solução de sua

149 Na Medida da Pessoa Humana – Estudos de Direito Civil-Constitucional, p. 183 e ss. 150 Op. Cit., p. 213.

disputa. Depende de mudança de postura e de efetivo empoderamento, a fim de que a parte possa visualizar uma resposta por si mesma para seu conflito e se comprometa a cumprir o que lhe cabe para a transformação da relação conflituosa.

- Informalidade: não existem regras rígidas no processo de mediação, nem uma única forma predeterminada. O mediador pode se utilizar de várias técnicas para a facilitação do diálogo entre as partes, podendo conduzir o procedimento de maneira a considerar a situação pessoal dos envolvidos e as condições concretas de sua relação, bem como os motivos que levaram ao conflito posto. A desburocratização do procedimento é um atrativo em si, tornando-o mais amigável, mais flexível e menos hermético do que outras formas de resolução de litígios, mormente a adjudicação estatal.

Tampouco se pode considerar necessária a formalização de eventual ajuste entabulado entre as partes em relação ao objeto do conflito. Embora possa ser necessária uma redução a termo, principalmente em se tratando de mediação realizada no bojo de um processo judicial, e inclusive com vistas à possibilidade de maior segurança às partes com relação ao cumprimento do ajustado, não há nenhuma exigência de que assim o seja. Dessa forma, se ao final do procedimento as partes apenas concordem com algumas mudanças de postura e se de fato houver alteração na comunicação entre eles, a mediação pode ser encerrada sem nenhuma formalidade.

A exigência de formalização do acordo, por vezes fruto de orientação jurídica de advogados e Defensores Públicos que representem as partes, pode ela mesma ser um entrave à efetiva modificação da relação das partes. Isso porque pode gerar a sensação de desconfiança em um dos envolvidos e prejudicar a convivência que pretendem manter, a despeito do sucesso do procedimento em si. Caberia ao mediador, se o caso, avaliar a real necessidade de formalização de ajuste e, caso contrário, trabalhar a relação entre eles para que tal não seja necessário, se uma das partes assim não o desejar, sopesando também seus motivos para tanto. É do caso concreto e das necessidades das partes, bem como dos desdobramentos materiais do litígio, que se verificará a viabilidade, ou não, de formalização de eventual acordo entabulado em decorrência do processo de mediação, com possível participação de advogados envolvidos na demanda.

- Participação de terceiro imparcial: o mediador deve atuar, de maneira absolutamente imparcial, de modo a não privilegiar nem prejudicar nenhuma parte durante o desenvolvimento dos trabalhos. A imparcialidade garante a igualdade de posições dos envolvidos, a fim de evitar que um se sobreponha ao outro, em jogo de poder que prejudica a

facilitação da comunicação e pode acirrar o conflito existente. A igualdade de oportunidade do diálogo é, portanto, imprescindível para o sucesso do procedimento e depende do distanciamento do mediador.

A neutralidade do mediador em relação às partes e ao conflito também evita que ele induza ou instigue os envolvidos à busca de uma ou outra solução ou caminho para a situação posta, permitindo que eles mesmos investiguem qual o melhor resultado para o impasse.

- Não-competitividade: a mediação não incentiva a competição, ao contrário, tem a finalidade de derrubar a visão única de perde/ganha, em ordem a preservar a relação de forma colaborativa. Não há perdedores ou ganhadores, mas a busca da satisfação coletiva e retomada da comunicação entre os disputantes.

Nesse sentido, as conversações entre as partes devem transcorrer de maneira cordial, sem exaltação de ânimos, em clima de cooperação que possibilite uma comunicação eficiente. Tal característica vem ao encontro da mudança de mentalidade proposta e muitas vezes ventilada no presente trabalho, pela qual os sujeitos da lide devem se conscientizar sobre a necessidade de substituir a beligerância pela cooperação na busca de um objetivo comum, que é a pacificação do conflito de forma justa e com menor dispêndio de tempo e dinheiro.151

- Confidencialidade: todo o procedimento de mediação é sigiloso, a fim de que as partes se sintam confortáveis no desenrolar das conversas. Não se fará relatório específico das conversas entabuladas, mas somente, se necessário, relato do comparecimento das partes às sessões e dos frutos de tal trabalho (se houve de fato evolução da comunicação, se as partes manifestaram interesse em composição do conflito etc).