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Parte I: Reflexão teórico-metodológicas: a produção do discurso pela interculturalidade

1.5. Objetivos da Pesquisa

sentidos que a análise dos dados é capaz de apresentar. Assim, o que efetivamente interessa, diz Veiga-Neto (2007, p. 32) “não é investigar uma suposta metafísica da realidade”; e sim o “sentido que damos ao mundo”.

Como não temos controle total sobre os discursos, suas disposições naturais, formas e articulações (ideologias, representações sociais, flutuações linguísticas), pretender ancorar nossas certezas em narrativas a partir dos sentidos evocados de imagens, parece continuar a reduzir o pensamento a uma linguagem que atua na contramão dela mesma, é ter que assumir uma posição persecutória, ou seja, ficar encarcerado no mesmo raciocínio74. Entretanto, na investigação qualitativa, uma opção de método necessita cruzar por caminhos, se aproximar de outros horizontes, a fim de precisar sob quais condições o discurso científico pode ser estruturado. No final, tudo passa por escolhas.

1.5. Objetivos da Pesquisa

Nossa pesquisa possui como objetivo geral analisar discursos em torno de práticas pedagógicas curriculares no interior das escolas do povo Pankará, compreendendo as representações que a partir delas fazem os sujeitos da Educação Escolar Indígena (EEI), os diferentes papéis a eles atribuídos, os significados e significações75 que essas intervenções têm possibilitado. Nesse caso, é fundamental poder desvelar de que maneira o processo de escolarização formal, mais os projetos de educação diferenciada – defendidos pelos professores/as e lideranças – juntamente com as categorias específicas de currículo intercultural, coexistem entre várias regiões discursivas. Desse modo procuramos entender, o discurso da educação intercultural Pankará enquanto possibilidade de mudança social, realizando aquilo que Fairclough (2001) denomina de “alternância entre o evento discursivo e as mudanças estruturais”. Defendemos, conforme argumentamos na introdução da pesquisa, que processos de educação intercultural têm por base o “direito concreto a diferença e a luta

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Seria necessário conceber, como faz Silveira (2007, p. 75), a partir da concepção baktiniana, que todo discurso é constitutivamente polifônico/heterogêneo; e que os sentidos de um discurso (seus efeitos de sentido) não estão inseridos dentro dele à espera da decodificação correta, mas se completam justamente nas suas diferentes leituras e por diferentes interlocutores.

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A significação, conforme Costa (2007, p. 102) “é um processo social de conhecimento. Quando indivíduos, grupos, tradições, descrevem ou explicam algo em uma narrativa ou discurso, temos a linguagem produzindo uma “realidade”, instituindo algo como existente de tal ou qual forma. Assim, quem tem o poder de narrar pessoas, coisas ou processos, expondo como estão constituídos, como funcionam, que atributos possuem, é quem dá as cartas da representação, ou seja, é quem estabelece o que tem ou não estatuto de “realidade”.

irrestrita contra qualquer forma de discriminação e exclusão social”. Nesse sentido, compreendemos que a educação escolar Pankará “não é apêndice do projeto de sociedade que a comunidade indígena tem definido para si, nem tão pouco um catalizador estratégico para animar expectativas a favor de um dado modelo político-pedagógico; mas um componente intrínseco daquele. Assim, podemos dizer que a razão de ser desse projeto de educação é tentar realizar plenamente o projeto de sociedade compartilhado pelo grupo, erradicando, quando possível, enclaves (políticos, ideológicos, institucionais) que se sobreponham ao mesmo” (Cap. V). Portanto, a educação intercultural Pankará tem se constituído, ela própria, um dos principais componentes da experiência identitária dessa comunidade indígena.

Advindos dessas interfaces, nossos objetivos específicos são:

a) Aprofundar o discurso à favor da escola diferenciada e intercultural a partir de práticas pedagógicas realizadas por professores/as e lideranças do povo Pankará: posicionamentos e tensões que esse movimento de produção de sentido revela;

b) Compreender sob quais significados as práticas curriculares estão organizadas no interior das escolas Pankará: formato organizacional, conteúdos relevantes, projetos pedagógicos, processos didáticos;

c) Ressituar o discurso pela multi/interculuralidade, no campo específico da educação escolar e não escolar indígena (âmbito da prática docente/discente): seus significados políticos, sociais, culturais, pedagógicos e metodológicos.

A organização de uma perspectiva intercultural, diferenciada e específica na educação escolar Pankará, tem sido delineada nos últimos anos com substancial força. Toda uma gama de demandas advindas das proposições construídas com ajuda prioritária da COPIPE (Comissão de Professores Indígenas de Pernambuco), de parcerias com ONGs (CCLF: Centro de Cultura Luiz Freire; CIMI: Conselho Indigenista Missionário); ou mesmo através do apoio interinstitucional (UPE: Universidade de Pernambuco; UFPE: Universidade Federal de Pernambuco; SEE: Secretaria Estadual de Educação) estão sendo apropriadas/reapropriadas, processadas/reprocessadas pelo coletivo de professores/as e suas lideranças. São questões diversas. Nelas incluem-se: maior protagonismo no que tange à especificidade da qualificação docente; aprimoramento dos diversos aspectos em relação ao ensino e aprendizagem; clareza política acerca dos limites e possibilidades da formação continuada; maior autonomia no desenho da gestão escolar; ativa participação comunitária em torno do funcionamento e estrutura das escolas; melhor deliberação na organização do calendário diferenciado, recursos financeiros e material didático.

Assim, a reorganização dos instrumentos de funcionamento das escolas Pankará estão permeados por diferentes situações em construção, nas quais se procura compatibilizar os interesses gerais do povo, os contornos políticos da COPIPE e as intervenções promovidas pelas ONGs e demais instituições.

A par dessa confluência de interesses – processos de escolarização formal, projetos de educação diferenciada, categorias do currículo intercultural – as ações pedagógicas preconizadas pela COPIPE, tem se destacado na luta por uma educação específica, porque entre outras situações, aprimorou estratégias discursivas em favor da autonomia das ações de suas lideranças e professores/as, melhorando, conseqüentemente, às formas de gestão da política pública estatal. Dessa forma, antigas pendências somente têm ressurgido devido ao descumprimento dos acordos que as instâncias de governo fazem valer. Em geral, as questões de ordem administrativas já têm um considerável entendimento dentro da COPIPE e nas escolas do povo Pankará, por isso não haveria mais razão para que elas pudessem voltar sob formato de antigas pendências.

No tratamento teórico e metodológico adotado nessa investigação, ampliar, porquanto, o domínio da pesquisa significa trilhar por meios temáticos de variadas coalizões. Dessa maneira, a lógica proscrita nas interpelações desse trabalho, guarda uma predisposição em atuar no cruzamento de várias posições realizadas nos textos/contextos onde se movem os discursos da educação intercultural; por entre as zonas teóricas dos documentos oficiais e nos locais consagrados à profusão de práticas simbólicas ou materiais da educação escolar indígena Pankará.

Nesse sentido, a circulação do pesquisador nos espaços dos sujeitos investigados ajuda a revelar algumas situações: i) como têm se desenvolvido as experiências pedagógicas dos professores/as indígenas; ii) de que modo essas práticas fazem conexões com as lutas da comunidade local; iii) sob quais condições aparecem às tensões cotidianas do trabalho docente. Há, portanto, uma série de questões que devem ser levadas em consideração, principalmente no que se refere à pluralidade de práticas, pois elas canalizam, sob um mesmo plano operatório, regras de discursos e interdiscursos.

A fim de não nos prender ao feitiço funcionalista da localização perfectível do objeto (como ato capaz de restaurar e autenticar o núcleo do objeto, oferecendo sentido preordenado a linguagem e a prática), seja congruente dizermos, que para dar conta do movimento narrativo dessa análise, recorremos a uma perspectivação em que toma, simultaneamente, duas situações em complemento: de um lado os sistemas da fala dos sujeitos (discurso/interdiscurso/formação

dicursiva), do outro, à trajetória de suas práticas sociais. Nesse sentido, encontramos alterações realizadas pelas situações da prática a partir da evocação dos discursos pedagógicos. Em nossa perspectiva de estudo, compreender o lugar social de onde falam os sujeitos da pesquisa é uma precondição fundamental para acolher reciprocamente, no plano da análise, escolhas temáticas e teóricas. Essa situação coloca como necessidade o tratamento com análise de discurso, porém, não como uma unidade lógica em si da própria pesquisa, mas enquanto parte de um processo de produção/reflexão de formações discursivas e interdiscursivas, independente das situações nas quais relações interculturais se apresentem. Esse procedimento nos permitiu agregar seqüências de interpretação, para além das experiências dos acontecimentos como dados irredutíveis. Dessa feita, nosso interesse temático – enquanto tarefa teórica – procurou ajuizar a existência instituída do caráter político da educação escolar indígena Pankará sobre um duplo sentido: 1) explicitar os componentes culturais, simbólicos e políticos do discurso pela diversidade cultural; 2) configurar o lugar das práticas pedagógicas escolares no âmbito geral das lutas instituídas pela comunidade indígena.

Não se trata de estabelecer comparações sobre um determinado modelo de discurso, ou argumentar a favor de certo tipo de ação pedagógica afinada pelo plano discursivo. Assim como Fairclough (2001) e Pêcheux (1988, 1990), aceitamos que as implicações analíticas e políticas dessas determinações são potencialmente escorregadias para o campo da formação discursiva, pois existe sempre o risco, na produção-reprodução de um discurso, inclinar-nos por certos modelos unificadores e prescritíveis.