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Os índios e a educação escolar discutidos nos GTs da ANPEd (2000-2009)

CAPÍTULO III Educação escolar indígena no Brasil: um debate sobre suas

3. Introdução

3.5. Os índios e a educação escolar discutidos nos GTs da ANPEd (2000-2009)

O arcabouço da legislação infraconstitucional e o exame subseqüente mediante à aplicabilidade da mesma alargam o debate entre antigos e novos pesquisadores/as sobre o lugar da educação escolar indígena no país. Os temas podem aparecer de modo recorrente aos já discutidos nos últimos 20 anos, porém, neles existe um acolhimento epistemológico diferenciado, procurando, ad hoc, ressignificar conceitos, articular melhor um conjunto de proposições ou oferecer outras interpretações acerca de seus objetos epistêmicos. Nesse caso, a compreensão didática sobre a natureza das demandas em torno da educação escolar indígena, inclui, entre outras questões, a crítica ao processo de avaliação nacional, com relação aos “resultados” que a escola indígena necessita apresentar. Para o conjunto dessa discussão, utilizaremos como referência diagnóstica, os trabalhos apresentados nos GTs da ANPEd (História da Educação, Movimentos Sociais, Estado e Política Educacional, Educação Popular, Educação da Criança de 0 a 6 anos, Formação de Professores, Alfabetização, Leitura e Escrita, Currículo, Educação Fundamental, Sociologia da Educação, Educação Especial, Educação Matemática, Relações Raciais/Étnicas e Educação, Educação Ambiental - cf. tabela 4) nos últimos nove anos (2000 a 2009, no de total de trinta (30) trabalhos), período já de maturidade do movimento de professores/as indígenas, em rede regional e nacional. Para esse tratamento, faremos uma análise sucinta dos enunciados principais de alguns dos textos apresentados nos GTs da ANPED (ver tabela 5)178, a fim de expor como a pós-graduação tem apreendido as proposições da educação escolar indígena, enquanto recorrência temática e epistemológica, no lastro das pesquisas. Esse entendimento torna possível adequar do ponto de visto qualitativo e quantitativo a constituição dos trabalhos divulgados na ANPEd, locus maior da pesquisa em educação na pós-graduação nacional e, de modo particular, entender como a recepção dessa discussão tem de fato acumulado tais conhecimentos, fortalecendo-se, conseqüentemente em rede de difusão acadêmica nacional.

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ANPEd: Associação Nacional de Pesquisas e Pós-Graduação em Educação.

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Tabela 4: Relação dos Grupos de Trabalhos da ANPEd

GT 02 - História da Educação GT 14 - Sociologia da Educação

GT0 3 - Movimentos Sociais e Educação GT 15 - Educação Especial

GT 04 - Didática GT 16 - Educação e Comunicação

GT 05 - Estado e Política Educacional GT 17 - Filosofia da Educação

GT 06 - Educação Popular GT 18 - Educação de Pessoas Jovens e

Adultas GT 07 - Educação da Criança de 0 a 6

anos

GT 19 - Educação Matemática

GT 08 - Formação de Professores GT 20 - Psicologia da Educação

GT 09 - Trabalho e Educação

GT 10 - Alfabetização, Leitura e Escrita GT 21 - Relações Raciais/ Étnicas e Educação

GT 11 - Política de Educação Superior GT 22 - Educação Ambiental

GT 12 - Currículo GT 23 - Gênero, Sexualidade e Educação

GT 13 - Educação Fundamental GT 24 - Educação e Arte

Fonte: ANPEd – Associação Nacional de Pesquisas e Pós-Graduação em Educação. Acessado em 27/10/2009. In: www.amped. org.br

TABELA 5: Relação de trabalhos apresentados na ANPEd (2000-2009)

CÓDG TÍTULO ANO AUTOR

GT 03 Movimentos Indígenas por educação: novos sujeitos socioculturais na história recente do Brasil

2000 Rogério Cunha Campos GT 14 O Papel da Educação Escolar na Formação de

Lideranças Indígenas: o caso dos Karajá

2000 Rosani Moreira Leitão GT 05 O Estado brasileiro e a Educação Indígena: um olhar

sobre o PNE

2001 Rosa Helena da Silva GT 03 Os Baniwa e a Escola: sentidos e repercussões 2002 Valéria

Augusta Cerqueira de Medeiros Weigel GT 08 Formação de professor na perspectiva do movimento

dos professores indígenas do Amazonas

2002 Lucíola Inês Pessoa

Cavalcante GT 13 Olhares que fazem a “diferença”: o índio no livro

didático e outros artefatos culturais

2002 Teresinha Silva Oliveira GT 21 Formação de professores indígena – um estudo de

caso

2002 António Jacó Brand

GT 06 Educação Escolar Guarani no Rio grande do Sul: a política pública em movimento

2003 Maria Aparecida Bergamaschi

GT 22 Educação, Cultura e meio ambiente: uma

aproximação das concepções indígenas a partir do movimento dos professores indígenas da Amazônia

2003 Rosa Helena Dias da Silva GT 03 O processo de escolarização entre os Xacriabá:

explorando alternativas de análise na antropologia da educação

2004 Ana Maria R. Gomes

GT 06 Professores – Índios e a Escola

diferenciada/intercultural: a experiência em escolas indígenas Kaiová/Guarani

2004 Adir Casaro Nascimento

GT 13 Índio quer Escola 2004 Maria Helena

Rodrigues Paes GT 05 Política de Educação escolar Indígena: nos caminhos

da autonomia

2005 Darci Secchi GT 06 Educação Indígena – uma educação para autonomia 2005 Antonio Jacó

Brand GT 12 Currículo, Interculturalidade e Educação Indígena

Guarani/Kaiowá

2005 Adir Casaro Nascimento GT 14 Os nós dos outros: educação escolar indígena e

relações interétnicas

2005 Adriana Queiroz Testa GT 02 Escola Indígena Guarani Mbya: Resistência e

Subordinação

2006 Domingos Barrros Nobre GT 03 Pesquisa, Educação e luta indígena: a experiência de

professores Sateré-Mawé 2007 Valéria Augusta Cerqueira de Medeiros Weigel GT 06 Atividade Física entre indígenas para civilizar e

indicada para educar

2007 Marina Vinha GT 10 Educação e Diversidade Cultural: oralidade e

letramento no contexto cultural dos Xakriabá

2007 Carlos Henrique de Souza Gerken GT 03 Universidade Pública, Cidadania e movimentos

sociais: a experiência do FIEL – curso de formação intercultural para educadores indígenas de Minas Gerais

2008 Lúcia Helena Álvares Leite

GT 03 Gestão Escolar e Política Cultural: desafios das escolas XaKriabá

2008 Macaé Maria Evaristo

GT 03 Reflexões sobre a relação entre a escola e as práticas culturais dos Xacriabá

2008 Verônica Mendes Pereira GT 06 Educação Escolar nas Aldeias Kaingang e Guarani: 2008 Maria

indianizando a escola? Aparecida Bergamaschi GT 07 “Pra fazer a farinhada muita gente eu vou chamar:

contextos lúdicos diversificados e as culturas das crianças Sateré-Mawe”

2008 Roberto Sanches Mubarac Sobrinho GT 15 Da Alteridade e da Dialógica com criança Indígena de

baixa visão: a inclusão em contexto intercultural

2008 Armando Martins de Barros GT 19 Desafios e Possibilidades na Formação dos

Professores Indígenas do Estado de São Paulo: a etnomatemática em foco

2008 Kátia Cristina Menezes

Domingues GT 08 Professores Índios e a Escola

Diferenciada/Intercultural a Experiência em Escolas Indígenas Guarani e Kaiowá e a prática pedagógica para além da escola

2009 Adir Casaro Nascimento, Antonio Hilario, Aguilera Urquiza, Antônio Jacó Brand

Fonte: ANPEd – Associação Nacional de Pesquisas e Pós-Graduação em Educação. Disponível

em: www.amped. org.br - Acessado em 27/10/2009.

O papel da educação escolar na formação de lideranças indígenas visto como mecanismo de poder (LEITÃO, 2000)179 aparece nesse estudo de modo distinto para o conjunto da sociedade Karajá. De um lado, a recorrência de um sistema de chefia tradicional, líderes da aldeia, da cultura, dos valores e da tradição (indivíduos sem educação escolar formal); do outro lado (embora não seja uma posição analítica dicotômica), os líderes do contato externo (os escolarizados) voltados para a conformação dos problemas com o mundo dos brancos. No estudo de Leitão (Idem) a escola bilíngüe desempenha papel importante no que diz respeito à formação de lideranças jovens que têm se destacado no campo do discurso intercultural e das lutas pontuais. Entre os Karajá, porquanto, a escola não é o locus de aprendizagem da cultura e das tradições, diferente das conclusões realizada por Cavalcante (2004)180.

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Trabalho apresentado na ANPEd – Associação Nacional de Pesquisas e Pós-Graduação em Educação (2000) no GT 14 – Sociologia da Educação, com o título: O Papel da Educação Escolar na Formação de Lideranças Indígenas – o caso Karajá.

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Ver Heloisa Eneida Cavalcante (2004), “Reunindo as Forças do Ororubá: A Escola no Projeto de Sociedade do Povo Xucuru”.

Rosa Helena Dias da Silva (2001)181 pergunta como é possível a partir dos diferentes momentos da estadualização das escolas indígenas, ocorridos no país, assegurar protagonismo aos índios diante de seus processos de escolarização. Prospectivamente os problemas gerados nesse percurso aparecem na construção de políticas públicas, no âmbito da educação escolar, através da elaboração de uma legislação infraconstitucional específica, ou face aos dilemas cotidianos diante da autogestão na educação escolar, propriamente dita. Quanto ao PNE (Plano Nacional de Educação), para autora, ele traz apenas uma vaga lembrança quanto à responsabilidade da União frente às demandas da educação escolar indígena. Trata-se, portanto, do conflito “entre o reconhecimento/oficialização das escolas indígenas (...), sua incorporação no sistema nacional de educação versus a garantia do direito a modelos e formas próprias de fazer escola – escolas como partes integrantes dos sistemas indígenas de educação” (Idem, p.11).

Weigel (2002)182 estuda os sentidos e repercussões da educação escolar para os Baniwa, povo habitante da bacia do rio Içama, noroeste do Estado do Amazonas, concernentes aos diferentes interesses, sentidos e representações de mundo e projetos políticos. Essas interrelações, conforme a autora devam ser percebidas e explicitadas no “âmbito da história do povo (Baniwa) e situadas nas estruturas sociais, econômicas e culturais da sociedade capitalista com a qual se estabelecem articulações interculturais, bem como no âmbito das estruturas específicas do campo particular da educação” (Idem, p. 3). Ou seja, segundo Weigel, tais situações se transformaram na medida em que foi se intensificando as situações vivenciadas entre índios e brancos, decorrente de processos e condições históricas (ordenações políticas, de força e bases materiais). Nesse sentido, as ideias Baniwa sobre o lugar da educação escolar, assumem um entendimento pragmático, quando articuladas a finalidades objetivas. Todavia, se por um lado a educação escolar pode ser concebida enquanto locus de afirmação da identidade social, aglutinadora de unidade e catalisadora de energias, do outro, poderá promover “cisões internas, na medita que determina o acesso e à distribuição de bens valorados pelos índios, devido aos condicionantes que delimitam as relações vividas no grupo, nas suas formas atuais de integração social” (Idem, p. 10).

O papel das escolas indígenas e as características específicas que elas deveriam ter são analisados por Brand (2002)183, definidos pelo fortalecimento interno da comunidade

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Trabalho apresentado no GT 05 da ANPEd - Associação Nacional de Pesquisas e Pós-Graduação em Educação.

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Trabalho apresentado no GT 03 da ANPEd - Associação Nacional de Pesquisas e Pós-Graduação em Educação.

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educativa, enquanto espaço necessário na aquisição de conhecimentos. Para o autor o desafio é pensar uma escola cruzada por imagens do passado e ideias do presente, pois a escola se situa num regime de fronteira, sendo, portanto, espaço privilegiado de construção de novas alternativas frente às demandas colocadas pelo entorno regional. Entretanto, o maior desafio continua sendo, conforme Brand (Idem, p. 6), a formatação de uma escola engajada que contribua ainda mais na construção de alternativas e interesses mais específicos das comunidades indígenas. Trata-se, porquanto, de uma escola que procure responder as reais expectativas do povo, assentada, não obstante, na participação comunal, desde a definição de objetivos, conteúdos básicos até mesmo as questões pertinentes sobre a escolha de métodos próprios no processo de ensino e aprendizagem. Nesse caso, cabe aos sujeitos protagônicos o papel de fortalecer a presença de uma “escola voltada para dentro”. Nesse caso, há de se pensar e conceber o lugar político dessa escola “voltada para dentro”, compreendendo o seu passado “enquanto continuidade a ser reconstruída, buscando refazer e repensar, com imagens e ideias de hoje e com os novos conhecimentos incorporados, as importantes experiências deste mesmo passado” (Idem, p. 8).

Ana Maria R. Gomes (2004, p. 11)184 estuda as alterações realizadas com a institucionalização da educação indígena. O funcionamento das escolas estaduais e as imbricações com prefeituras locais fazem aparecer um novo componente na gestão das demandas educacionais. Ou seja, aquilo que antes era realizado diretamente pela comunidade educativa, irá receber maior tratamento no arranjo da participação comunitária, favorecendo o acesso direto das lideranças e professores ao aparato estatal, conseqüentemente, suas formas de gestão institucional e controle público/políticos mais amplos. Nesse sentido lato, a escola XaKriabá sofreu profundas alterações, caracterizadas no diagnóstico de Gomes (2004) pela ressonância de propostas pedagógicas diferenciadas: desde as opções advindas da base comunitária àquelas processadas na esfera municipal e desdobradas durante o percurso de estadualização das escolas indígenas. A partir desse contexto, surge, conforme Gomes (Idem, p. 11), outro “componente na gestão das demandas educacionais, até então realizada diretamente pelas comunidades nas aldeias, passando então a ser mediada pela instância comunitária mais ampla, o povo indígena XaKriabá”. Articular negociações com o aparato estatal não é tão simples como se gostaria que realmente fosse. O caso específico da pedagógica Xakriabá, isto é, uma proposta de educação diferenciada incluindo, conforme Gomes (Idem, pp. 14-15), o acolhimento de grupos de idades convivendo num mesmo espaço

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de aprendizagem e co-relacionados aos seus contextos sócio-culturais, vai depender basicamente das opções pedagógicas que de fato são relevantes para a sociedade indígena, sobretudo na configuração de práticas em educação escolar intercultural.

O processo de escolarização é apresentado por Maria Helena R. Paes (2004)185 enquanto ferramenta significativa na correlação de força travada pelos índios Paresi de MT em seu entorno regional. São significados interculturais que tem sido reinventado ao longo da história de contado desse povo indígena. A par das perdas sofridas durante esse percurso, a autora localiza no potencial da escola o instrumento capaz de trazer novos valores e conceitos acerca do mundo global e dos dilemas inertentes à sobrevivência da cultura Paresi. Nessa curvatura, a escola é analisada como instância capaz de favorecer os interesses indígenas, assegurando-lhes, por conseguinte, maior armadura conceitual no enfrentamento diário dos problemas que atinge os índios. O domínio da escrita, das novas tecnologias, assim como a utilização de vários dos códigos e símbolos da sociedade capitalista, estão inseridos no universo sócio-cultural indígena, sendo, portanto, necessário a compreensão e manipulação desses instrumentos. Entre os Paresi, conforme a autora (idem, p. 9), participar atentamente desses processos é não ficar alheio ou marginalizado do conjunto da sociedade nacional. Sendo assim, para se encontrar incluído na dinâmica do mundo global é necessário conhecer e saber negociar nessa inserção. Ser ágrafo pode favorecer o processo de exclusão e retardar o avanço nos espaços de negociação do mundo entre os brancos. O lugar da escola na sociedade Paresi, analisados por Paes186 (idem), foi se configurando para atender essas expectativas.

Relações interétnicas e educação escolar indígena são discutidas por Testa (2005, p. 4)187 a partir da ideia de “zona de contato”. A autora contesta a polaridade centro-periferia, metrópole-colônia ou dominador-dominado e busca, numa visão sócio-antropológica, isto é, no espaço de fluxos entre ambas as parte, entendendo o trabalho de elaboração e reivindicação de significados e identidades. Atribuindo uma compreensão semelhante à de Ortiz (1983), argüi que as sociedades em contato não apenas assimilam atitudes, valores e conhecimentos, mas operam processos criativos de seleção que recebem e utilizam. Testa percebe o lugar da escola como “espaço de convergência e confronto de expectativas, realizações, alianças, disputas, imposições e subversão” (idem, p. 11). Tais implicações, para autora, suscitam os seguintes

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Trabalho apresentado no GT 13 da ANPEd - Associação Nacional de Pesquisas e Pós-Graduação em Educação.

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No texto a autora não constrói uma maior argumentação crítica quanto à inclinação “magnética” dos Paresi ao adotarem mecanismos da sociedade que os dominam, na formatação do seu projeto de escola.

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Trabalho apresentado no GT 14 da ANPEd - Associação Nacional de Pesquisas e Pós-Graduação em Educação.

desdobramentos: até que ponto a escola “pode ser vista como uma extensão ou elaboração descentrada do Estado e de um projeto pedagógico que procura manter dentro de limites controláveis a autonomia dos povos indígenas e, por outro lado, até onde os discursos libertários que enfatizam a educação escolar indígena como de “resistência” política e cultural nos oferecem subsídios para entender o lugar da escola nas sociedades indígenas” (Idem, ibidem). Nesse sentido ambivalente, conclui a pesquisadora (op. cit., p, 12):

(...) as escolas situadas em aldeias indígenas ocupam um certo lugar político e administrativo que se vincula a uma Secretaria de Educação Municipal ou Estadual e, em última instância, ao Ministério da Educação. Elas são formas recheadas de conteúdos elaborados e marcados por decretos oficiais, Referenciais Curriculares Nacionais, normas de contratação e manutenção de profissionais da educação, cursos de formação de professores, e materiais e instrumentos pedagógicos de diversos formatos, utilidades e procedências. Por outro lado, elas também ocupam um lugar na organização social das sociedades onde se inserem e onde se estabelecem relações entre elas e outros aspectos da vida, relações estas que extrapolam as expectativas e mecanismos de controle do aparato oficial.

A educação escolar indígena enquanto espaço de fronteira188; a compreensão das diferenças culturais a partir da ênfase nas dinâmicas sociais – não reduzidas a caracteres distintivos ou definidor particular das identidades – e os “problemas” que permeiam a discussão oralidade e letramento, são aprofundadas em Gerken (2007)189. O autor procura romper com a visão dicotômica dessas ênfases. Quanto ao aspecto particular desse estudo, “Oralidade e Letramento”, justifica o emprego do segundo termo no lugar de alfabetização, exposto a partir do ambiente social onde a criança se encontra, na medida em que o foco de atenção “não estaria mais direcionado para condição individual de domínio ou desconhecimento das técnicas envolvidas no ato de ler e escrever, mas sim para as práticas e contextos sociais nos quais a leitura e a escrita estão, direta ou indiretamente, envolvidas” (Idem, p. 6). Nesse sentido, o letramento é tomando como um processo de construção social através, conforme o autor, “da interação de diferentes grupos sociais incluindo grupos de leitores, famílias, classes de aula, escolas, comunidades, etc.” (Idem, ibidem). Supõe argumentar a favor de uma percepção ancorada nas ações dos sujeitos, isto é, naquilo que torna

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De acordo com Gerken (2007, p. 3) a noção de espaço de fronteira “tem se mostrado uma importante ferramenta de análise da complexa realidade das escolas indígenas (...) chama a atenção para o imenso leque de possibilidades de diálogo entre culturas, reconhece as rupturas e conflitos entre realidades culturais, na maioria das vezes, imensamente distintas”. Trabalho apresentado no GT 10 da ANPEd com o título “Educação e Diversidade Cultural: Oralidade e Letramento no contexto Cultural dos Xakriabá”.

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possível as ordenações dessas expectativas, cruzando, desde a maneira que os mesmos interagem, compreendem, analisam, constroem e, por conseguinte, reconstroem os textos. Maria Aparecida Bergamschi (2008)190 discute com particular sensibilidade a educação escolar indígena diferenciada entre aldeias Kaingang e Guarani do Rio Grande do Sul. Para ela esse intercurso não se expressa enquanto um caso a parte, mas no conjunto das mais de 2.300 escolas em funcionamento espalhadas nas áreas indígenas do território brasileiro. Nesse viés emblemático se faz necessário destacar, para cada situação em particular, a forma do contato desses povos com o universo não-indígena. Sendo assim, o período do contato ou mesmo pós- contato acenam um leque multivariado de possibilidades em termos de educações escolares, no sentido de termos tantas escolas proporcional (ou superior) ao número de povos existentes. De acordo com as pesquisas da autora, a educação e a escola diferenciada, instituídas nas aldeias Kaingang e Guarani, caracterizam-se, principalmente, pela articulação de três atributos importantes: o uso corrente da língua materna no ambiente cotidiano das escolas; a presença fundamental de professores indígenas bilíngües, terceiro pela formulação de uma legislação apoiada na compreensão da cosmologia indígena. Significa, entre outras questões, a assunção de uma educação profundamente enraizada pela tradição da “cultura nativa”. Se por um lado, a escola vai se tornando lugar de afirmação da identidade étnica, por outro, corrobora significativamente no processo de legitimação da própria presença indígena em seus processos de delimitação territorial. Segundo Bergamschi (Idem) parece bastante ambígua a dicotomia que separa os saberes da prática cotidiana (rotulados de não-escolarizados) com os momentos formais da pedagógica escolar. Pois a escola indígena se constituiu por tempos e espaços fluidos. A discussão central levantada pela autora tem como destaque a seguinte provocação:

Pode nos parecer que a escola que não tem aula todos os dias, que não cumpre um horário fixo, que não segue e cumpre um currículo pré- determinado, que não funciona dentro de um prédio com exclusividade para suas práticas e mobiliado num determinado padrão (carteiras dispostas em filas, quadro negro, mesa do professor em frente aos alunos, livros...),