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Objeto e características do direito ambiental

1 O DIREITO MATERIAL E SUAS NOVAS DIMENSÕES FACE À

2.3 Objeto e características do direito ambiental

Já se alertou que as modernas Constituições trouxeram novas preocupações com o meio ambiente, carregando em seu bojo proteções antes ignoradas.

Nos últimos anos, há uma mudança paradigmática, no sentido de que abandona-se a ideia do ser humano situado no centro da preocupação, antropocentrismo tão característico até então; para que se chegue a uma concepção ontologicamente biocêntrica97. Isto é, a preocupação deixa de ser apenas com a saúde do homem e passa a ser pela proteção de todas as formas de vida. O que se propõe, a partir de então, é a proteção global das espécies.

Nesse sentido, é válido citar os ensinamentos de Paulo de Bessa Antunes:

A questão que se coloca, contudo, é a de não confundir a pretensa superação do antropocentrismo com uma modalidade de irracionalismo, muito em voga atualmente, que, colocando em pé de igualdade o Homem e os demais seres vivos, de fato, rebaixa o valor da vida humana e transforma-a em algo sem valor em si próprio, em perigoso movimento de relativização de valores. O que o Direito Ambiental busca é o reconhecimento do Ser Humano como parte integrante da Natureza. Reconhece, também, como é evidente, que a ação do Homem é, fundamentalmente, modificadora da natureza, culturalizando- a. Entretanto, o Direito Ambiental afirma a negação das concepções passadas, pelas quais o Ser Humano competia subjugar a Natureza. Não. O Direito Ambiental estabelece a normatividade da harmonização entre todos os componentes

97 Para um estudo mais aprofundado ver Édis Milaré: “antropocentrismo é uma concepção

genérica que, em síntese, faz do Homem o centro do Universo, ou seja, a referência máxima e absoluta de valores (verdade, bem, destino último, norma última e definitiva etc.), de modo que ao redor desse “centro gravitem todos os demais seres por força de um determinismo fatal. Tanto a concepção quanto ao termo provêm da Filosofia. Esta corrente teve grande força no mundo ocidental, em virtude das posições racionalistas, partindo-se do pressuposto de que a razão (ratio) é atributo exclusivo do Homem e se constitui no valor maior e determinante da finalidade das coisas [...] O movimento Ambientalista, não obstante a grande diferença entre as posições políticas, sociais e econômicas dos seus integrantes, rechaça unanimemente as posições antropocêntricas. [...] A passagem de uma cosmovisão antropocêntrica para ecocêntrica não se fez sem que decorresse muito tempo nos processos de mudança”. MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 6ª ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 100- 109.

do mundo natural culturalizado, no qual, a todas as luzes, o Ser Humano desempenha papel essencial.98

Quando a Constituição Federal, em seu art. 225 determina que todos têm direito de viver em um meio ambiente ecologicamente equilibrado, está resguardando um direito de todos99 e, ao mesmo momento, está regulamentando o objeto a ser tutelado, qual seja, um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Segundo José Afonso da Silva:

O objeto da tutela jurídica não é tanto o meio ambiente considerado nos seus elementos constitutivos. O que o Direito visa a proteger é a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida. Pode-se dizer que há dois objetos de tutela, no caso: um imediato, que é a qualidade do meio ambiente; e outro mediato, que é a saúde, o bem-estar e a segurança da população, que se vem sintetizando na expressão “qualidade de vida”.100

De forma lapidar, é a observação do legislador ao determinar que a proteção jurídica do meio ambiente está em proporcionar uma vida com qualidade, isto é, o meio ambiente ecologicamente equilibrado toma proporções essenciais à vida e à dignidade do ser humando.

Sob um aspecto mais abrangente percebe-se que esse equilíbrio almejado é um macrobem, fruto da integração dos mais diversos recursos ambientais, que tem por função a proteção de todas as formas de vida, nos seus mais diversificados microssistemas.

98 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 6ª ed.rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2002, p. 24.

99 Há de se destacar, ainda, que o meio ambiente é um bem público, autônomo e unitário.

Nesse sentido, há os ensinamentos de Antônio Herman Benjamin: “o bem ambiental, portanto, é público porque está á disposição de todos os cidadãos – daí ser bem de uso comum – e porque corresponde a uma finalidade pública. Em consequência, sua tutela tem um caráter também público e pertence não só ao Estado mas à coletividade também. Além disso, o bem ambiental é patrimonial porque suscetível de avaliação econômica. Finalmente, lhe são de todo alheios os conceitos tradicionais de propriedade (apropriação privada ou mesmo pública, em sentido subjetivo) e de materialidade. BENJAMIN, Antônio Herman. Op. cit., p. 77.

Em relação a essa característica, primorosa é a observação feita por Antônio Herman Vasconcelos Benjamin:

[...] o meio ambiente é bem, mas como entidade onde se destaca vários bens matérias em que se firma, ganhando proeminência, na sua identificação, muito mais o valor relativo à composição, característica ou utilidade da coisa do que a própria coisa. Uma definição como esta de meio ambiente, como macrobem, não é incompatível com a constatação de que o complexo ambiental é composto de entidades singulares (as coisas, por exemplo) que, em si mesmas, também são bens jurídicos: é o rio, a casa de valor histórico, o bosque com apelo paisagístico, o ar respirável, a água potável. 101

Por sua natureza, surgem alguns traços característicos, como a indivisibilidade, no sentido de que não há possibilidade de se cogitar qualquer forma de divisão sem que para isso não se tenha prejuízo às mínimas esferas do sistema ecológico.

Além da indivisibilidade, pode-se citar a ubiquidade, pois por diversos motivos o meio ambiente deve ser considerado como um todo. De modo algum pode-se esquecer que o sistema do meio ambiente é uma teia de interações sensivelmente interligadas e que possuem ampla dependência uma da outra. Motivo pelo qual é de difícil, para não dizer de impossível, isolamento.

Uma atitude de degradação cometida em determinada localidade pode acarretar prejuízos irreparáveis a quilômetros de distância, exemplo típico dos últimos tempos são os acidentes em plataforma de petróleo.

Outrossim, há que se destacar, ainda, a instabilidade, decorrência direta da sensibilidade peculiar do meio ambiente. “Tão sensível que qualquer variação de algum dos seus componentes bióticos ou abióticos, ou uma simples variação de tempo ou espaço, pode lhe causar um sério desequilíbrio”.102

101 BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcelos. Op. cit., p. 75

102 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Processo civil ambiental. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo:

Por isso a necessidade de constantes avaliações nas atividades que refletem o sistema ecológico, posto que uma atividade permitida hoje, com a ocorrência de um determinado fator, ou até mesmo, o decurso de um prazo, pode tornar-se prejudicial e capaz de proporcionar um acentuado desequilíbrio ambiental.

De qualquer modo, como muito bem destacado por José Afonso da Silva, a importância maior, que deve servir como diretriz para todos, é que:

[...] se tenha consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do Homem, é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente. Cumpre compreender que ele é um fator preponderante, que há de estar acima de quaisquer outras considerações como as de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade, como as de iniciativa privada. Também estes são garantidos no texto constitucional, mas, a toda evidência, não podem primar sobre o direito fundamental à vida, que está em jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio ambiente. É que a tutela da qualidade do meio ambiente é instrumental no sentido de que, através dela, o que se protege é um valor maior: a qualidade da vida.103