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3. A VALIAÇÃO DA SITUAÇÃO DA LEITURA EM C ABO V ERDE : E STUDO DE CASO

3.7. Observação da aprendizagem da leitura em sala de aula

A autora deste trabalho observou algumas aulas de leitura executadas pela professora da classe e consultou planos de aula fornecidos pela mesma.

As observações iniciaram-se em Fevereiro de 2006. As primeiras informações obtidas foram que as aulas tiveram o seu início na última semana de Setembro e que até ao início de Novembro trabalharam a oralidade no sentido de dotar os alunos com um mínimo de material linguístico em Língua Portuguesa. Durante o mês de Novembro estudaram as vogais, partindo-se de frases e com a seguinte frequência:

Fig. 13 Tempo de Televisão por semana

1 hora 20% 1.30h 9% 3 horas 6% 8 horas 22% 10 horas 6% 15 horas 6% 20 horas 3% NR 28% 1 hora 1.30h 3 horas 8 horas 10 horas 15 horas 20 horas NR

Vogais Frase Data

/i/ ‘O Ivo vai à igreja.’ 03/11/05

/u/ ‘O Ulisses viu o Nuno na rua.’ 09/11/05

/e/ ‘A Eva dá a boneca à Olga.’ 14/11/05

/o/ ‘A Olga joga à malha.’ 21/11/05

/a/ ‘A Ana pede a pata ao Lupi.’ 23/11/05

Fig. 12 - Distribuição das vogais no tempo

As vogais seguem a ordem acima apontada porque foi definido pelo ME de Cabo Verde, por parecer mais conveniente se atendermos à dificuldade crescente no seu traçado.

O estudo das consoantes iniciou-se em Dezembro, com a seguinte frequência:

Consoantes Frases Data

/m/ ‘A mãe do Didi é a Milá.’ 13/12/05

/p/ ‘O pai do Didi é o Paulo.’ 18/01/06

/t/ ‘A mãe do Tito tapa a lata.’ 25/01/06

/d/ ‘O Didi levanta o dedo.’ 01/02/06

/l/ ‘A Lia deu um lápis ao Didi.’ 08/02/06

/n/ ‘A Nela vê o navio.’ 21/02/06

Fig. 13 - Frequência da introdução das consoantes

Esta ordem tem em conta a facilidade que a criança pronuncia palavras iniciadas pelas consoantes bilabiais (‘m’ e ‘p’), pois as primeiras palavras da criança são ‘mamã’ e ‘papá’. Também considera-se a forma da criança iniciar a escrita tendo em conta os exercícios de grafismo efectuados anteriormente.

3.7.1. A planificação de aulas de leitura

Os planos de aulas de leitura90 são elaborados de acordo com os parâmetros exigidos pelo sistema de ensino caboverdiano, ou seja, contêm as seguintes partes: conteúdos,

90 Em anexo encontram-se exemplificações de alguns planos de aula realizados pela professora da classe. 91 Ver em anexo.

objectivos, estratégias / actividades, recursos e avaliação91.

Nos planos observados, as aulas cujos conteúdos são introdução de um fonema (seja ele vogal ou consoante) têm quase sempre como objectivo: “destacar a palavra-chave; Fazer

correspondência entre a gravura e a palavra-chave; Fazer ligação entre as letras da palavra; identificar a letra (que se quer introduzir); escrever a letra.”.

As estratégias utilizadas pela professora na sala de aula foram quase sempre partir de uma história narrada pela mesma, sua interpretação; apresentação, observação e interpretação de uma gravura que conduzia os alunos à descoberta de uma frase que continha uma palavra onde estava inserida a letra em estudo. Seguiam-se exercícios cinestésicos e de grafismos, ou seja, exercícios de pré-escrita que são realizados como propedêutica geral do domínio da escrita. São exercícios que motivam as crianças para actividades de compreensão do traçado dos grafemas; estes exercícios têm como objectivos i) relacionar o grafismo com a direcção, o sentido e a forma; ii) levar a criança a compreender os elementos necessários aos movimentos e ao traçado das letras; iii) preparar a criança para a progressão até à leitura e à escrita. (Gomes et al., 1991: 103 – 110).

Os materiais apresentados eram sempre fichas com a frase-chave escrita em letras impressas e manuscritas, que depois eram divididas em palavras e a palavra-chave dividida em sílabas e a sílaba-chave em letras. A avaliação era sempre contínua ou formativa ao longo da aula.

Os planos visavam atingir a consciência fonológica do aluno em relação ao conhecimento dos fonemas da língua em estudo e em relação às palavras e frases.

3.7.2. Desenvolvimento da aula de leitura na sala de aula - Os procedimentos da professora da turma em estudo

A primeira aula92 de leitura que assistimos foi em Fevereiro de 2006. A aula foi iniciada

com a recapitulação da aula de Ciências Integradas sobre os meios de transporte, seguida da apresentação de uma gravura com um barco e uma menina. Seguiu-se a análise da gravura pelos alunos orientados pela professora. Da análise da gravura através de questões apresentadas pela professora e respostas dos alunos da turma foram-se formando algumas frases. Uma das frases ‘A Nela vê o navio. ‘ (que a professora já trazia de casa) estava escrita numa ficha com letras de imprensa e outra com letras manuscritas.

A frase faz parte dos textos do livro de Leitura adoptado em Cabo Verde. A professora e os alunos realizaram a leitura, interpretação e análise da frase. Da divisão da frase em palavras, destacou-se a palavra ‘navio’ que era a palavra que interessava para destaque do fonema e respectivo grafema que fazia parte dos objectivos traçados pela professora. De seguida, a professora juntamente com os alunos dividiram a palavra da seguinte maneira ‘na – vio’. Eles exploraram a sílaba ‘na’ para chegar ao som da letra ‘n’, seguido da articulação e pronúncia do mesmo. Aos alunos foi dito pela professora o nome da letra que representava aquele som. De seguida os alunos realizaram exercícios cinestésicos para a escrita da letra ‘n’, no quadro, no tampo da carteira e no ar com o dedo. No final da aula, os alunos copiaram para os cadernos a frase ‘A Nela vê o navio. ‘

No dia 23 de Fevereiro de 2006, observámos mais uma aula. A aula era de leitura e escrita. Iniciou-se com a apresentação e a análise da figura de um menino, que estava só e apresentava um semblante triste, através das seguintes perguntas: ‘Quem é o menino?

Porque está triste? O que a avó deu ao Nelito?’.

A seguir foi apresentado um texto93 e a realização da leitura oral em voz alta pela professora. Seguiram-se as seguintes questões: ‘Porque o menino Nelito está triste?’, ‘

Porque a Ana é má?’, ‘ Quem é a avó do Nelito?’, ‘ O que a avó deu ao Nelito?’. Seguiu-

se, primeiro, uma nova leitura efectuada pela professora, depois a leitura colectiva efectuada pela turma juntamente com a professora apontando ao texto que se encontrava no quadro, a seguir a leitura por fila de alunos e, por fim, a leitura individual. A professora apontava no quadro para um aluno escolhido ler. Normalmente, a leitura era gaguejante e silabando, ou com alguns erros.

No mês de Março, a aula de leitura iniciou-se com a distribuição do texto aos alunos, seguiram-se questões sobre a figura que o mesmo continha, a leitura em voz alta executada pela professora e a explicação de algum vocabulário. Depois a professora apresentava algumas questões sobre o texto. Mandava aos alunos fazer uma leitura silenciosa, seguida da leitura oral por todos em uníssono. Normalmente, as aulas de leitura seguiram este percurso: leitura efectuada pela professora, explicação do vocabulário, leitura oral em uníssono pelos alunos, algumas vezes leitura silenciosa e leitura individual de alguns alunos.

Pode-se depreender que as perguntas não seguiram a ordem lógica segundo a taxionomia de Bloom (do raciocínio mais simples para o mais complexo), ou seja em primeiro lugar as perguntas de compreensão (p. e. de que se fala no texto?), seguidas de perguntas de análise, interpretação e avaliação. As respostas estavam quase explícitas nas perguntas, deixando pouca criatividade ao aluno.

3.7.3. Reacção dos alunos

Os alunos, usualmente, eram questionados pela professora sobre as histórias e sobre o assunto dos textos em estudo. Iam dando as suas respostas de acordo com as perguntas. As respostas eram na maior parte das vezes em uníssono e resumiam-se em uma palavra. Algumas vezes, os alunos cometiam incorrecções que nem sempre eram corrigidas pela professora. Raramente, os alunos davam respostas individuais e, quando isso acontecia, era só depois da leitura colectiva. Alguns alunos mostravam-se à vontade enquanto outros demonstravam uma certa timidez. Uma parte dos alunos era muito activa em relação ao texto que se ia ler, enquanto outros não se manifestavam. Mesmo quando questionados, apresentavam dificuldades na leitura ou na resposta às questões apresentadas.

Poucos alunos mostraram que tinham hábitos de estudo em casa. A leitura era feita sempre com muitas dificuldades na identificação das palavras, na prontidão para a leitura e na distinção fonética das palavras e frases. Podemos dizer que a consciência fonológica

ainda não estava bem assente nos alunos e que a competência da leitura em termos frásicos e de significação apresentava lacunas visíveis.