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A evolução da agroindústria canavieira do Brasil mostra que, apesar do aumento da concentração e centralização de capitais e terras, aliado à desnacionalização de suas empresas mais eficientes e competitivas, as transformações que se iniciaram com a crise e a

desregulamentação dos anos 90 não foram suficientes para alterar as características estruturais básicas dessa agroindústria. Ainda é forte a integração com a base fundiária mesmo nos grupos mais dinâmicos e ainda existe uma considerável heterogeneidade produtiva no setor, conforme demonstra o trabalho de (RAMOS, 2002).

A volta do capital estrangeiro à agroindústria canavieira do Brasil está mostrando, no entanto, que a reestruturação dessa agroindústria tem atrativos. Ainda há espaço para o aumento da eficiência e redução dos custos de produção do açúcar e do álcool através de novos investimentos que estes capitais estrangeiros podem realizar. Por exemplo, no Brasil, não se usam difusores na extração da sacarose, o que é uma das razões da maior produtividade industrial da Austrália (14 t de açúcar/ha) frente ao Brasil (8 t de açúcar /ha).

A presença do capital estrangeiro também se faz na disputa pelo espaço de realização do mercado doméstico de alimentos processados, com as indústrias processadoras crescentemente tomando posições na agroindústria canavieira para garantir sua oferta de açúcar matéria-prima a custos competitivos.

Como decorrência de todas essas mudanças, o Brasil está ampliando o quantum de suas exportações de açúcar. Com o colapso da antiga União Soviética, foi o país que mais se beneficiou da saída de Cuba da lista dos maiores exportadores de açúcar. Além do mais, o Brasil é um dos poucos países que, através de políticas de administração do consumo de álcool (como a mudança da porcentagem de mistura do álcool anidro com a gasolina, por exemplo) possui mecanismos internos de ajuste que podem absorver momentaneamente excessos de produção, auxiliando sua competitividade no mercado mundial de açúcar. Constitui hoje a principal preocupação dos outros países produtores e exportadores de açúcar o que acontece no Brasil, pois qualquer excesso de produção aqui derruba os preços internacionais do açúcar (BOLLING;SUAREZ, 2001; SCHMITZ;SEALE JR. et al., 2002).

Por outro lado, a forçada capacitação direta das usinas no mercado internacional com o fim da regulação estatal de preços e quotas de produção obrigando-as a montarem estruturas organizacionais específicas para a comercialização, permitiu a essas empresas uma percepção mais acurada das condições do mercado. Rapidamente ficaram demonstradas as enormes dificuldades para a manutenção de uma posição competitiva no longo prazo no mercado externo de açúcar, dadas as difíceis condições devidas ao protecionismo e à possibilidade do açúcar ser substituído por uma ampla gama de produtos.

O mercado mundial de etanol, se o mesmo chegar a se concretizar, deverá sofrer também dos mesmos problemas do mercado de açúcar. A fala “realista” do presidente da ÚNICA sobre o caráter estratégico do açúcar na dieta humana, condenando-o ao protecionismo inevitável, poderia ser aplicada igualmente sobre os combustíveis e a energia. O interesse dos países na produção de etanol como combustível ou aditivo é também para proteger seus produtores domésticos de cana, beterraba ou milho, gerando novas oportunidades de emprego local.

Caso ocorra, no futuro, um abrandamento das condições do protecionismo, algo que ainda não está colocado no horizonte próximo, o capital estrangeiro já presente nas usinas mais eficientes da agroindústria canavieira brasileira poderá, não só realizar os investimentos necessários, como apropriar para si os retornos elevados que se farão possíveis num ambiente de menor protecionismo.

Assim, seja qual for a conjuntura do mercado mundial ou doméstico, a necessidade da agroindústria canavieira de prosseguir continuamente na conquista de aumentos de produtividade e redução de custos de seus produtos para garantia de sua futura competitividade é inexorável.

Estes dilemas de mercado da agroindústria canavieira estão colocados para todos os seus produtos e sub-produtos. Do mesmo modo, esses problemas que se manifestam no mercado de açúcar convencional, também se farão sentir igualmente no mercado de açúcar orgânico. É o que procuraremos aprofundar a partir das discussões do capítulo seguinte.

Capítulo III

A potencialidade do mercado de açúcar orgânico para a agroindústria

canavieira do estado de São Paulo: avaliação de seus fatores determinantes

“Según toda la probabilidad, las plantaciones de azúcar producirán en el futuro todo el fertilizante que necesitan. Dentro de cierto tiempo, virtualmente no gastarán lo que hoy en abonos artificiales. Sin embargo, la transformación tomará tiempo y, desde luego, habrá al comienzo dificultades originadas por la escasez de animales en las plantaciones. [...] Los fertilizantes artificiales son de aplicación fácil: es fácil comprarlos cuando los precios son buenos o no comprarlos cuando éstos son bajos; [...] mientras tanto, el humus significa más trabajo, más dedicación, más transportes y más molestias. Sin embargo, el humus es la base de la estabilidad agrícola, mientras que los abonos químicos pueden identificarse con la política de lo que tenemos hoy día y mañana se esfuma”.(HOWARD, 1947, p.70-71)

No primeiro capítulo dessa dissertação foram apontados os fatores explicativos relacionados com as transformações no sistema agroalimentar, com a demanda mundial de alimentos orgânicos, assim como a demanda de açúcar convencional, no contexto do mercado mundial de adoçantes. No segundo capítulo foram focadas as bases históricas da participação da agroindústria canavieira no Brasil na oferta de açúcar e suas transformações recentes.

Neste capítulo, tendo em conta as conclusões dos capítulos anteriores, procuraremos analisar como está se dando efetivamente a produção do açúcar orgânico nas usinas paulistas e a participação dessas nesse mercado.

As considerações desse capítulo estão baseadas em entrevistas semi-estruturadas realizadas com agentes qualificados das empresas e entidades participantes da cadeia de suprimento do açúcar orgânico.