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Considerando as dificuldades na obtenção dos derivados da série A, procurou-se dar prosseguimento ao trabalho, através da síntese dos glicinatos, ou seja, dos aminoésteres

análogos da glicina (Figura 42). Para tal, as 2’-aminochalconas 1-5 foram tratadas com α-bromoacetato de metila, em várias condições. Os resultados se encontram na Tabela 3.

Tabela 3. Rendimentos químicos da obtenção dos aminoésteres 16-20. Aminoéster R Rendimento (%) 16 3-clorofenil - 17 4-clorofenil 25 18 2,3-diclorofenil - 19 4-metiltiofenil - 20 (3,4-metilenodioxi)fenil -

O mecanismo para a reação das 2’-aminochalconas é uma substituição nucleofílica bimolecular, SN2, mostrado na Figura 43. A primeira etapa consiste no ataque nucleofílico da

aminochalcona ao α-bromoacetato de metila e a saída do íon brometo (I). A reação é quimiosseletiva porque o ataque nucleofílico se dá no carbono sp3, que é mais eletrofílico do que o carbono sp2 da função éster. Após, forma-se o intermediário tetraédrico e o íon brometo saindo como o grupo abandonador (II) formando, então, o aminoéster e HBr.

Figura 43. Mecanismo de substituição nucleofílica bimolecular para formação dos aminoésteres.

As 2’-aminochalconas foram dissolvidas em THF seco e o α-bromoacetato de metila foi adicionado lentamente a essa solução na proporção de 1:1,3, buscando evitar reações de dialquilação, e a solução resultante foi mantida sob agitação por 24 h. As reações foram monitoradas por CCD. No caso da chalcona 2, mesmo com refluxo após as 24 h iniciais, a

reação não mostrou mais evolução, restando ainda uma grande quantidade de material de partida. Com 36 h de refluxo, umas outras manchas foram detectadas na placa de CCD, e optou- se por interromper a reação, e proceder à purificação. Esta foi realizada de forma automatizada, utilizando o equipamento Isolera Four-Biotage, com gradiente de eluição (AcOEt-Hex) iniciando em 15%. As frações que correspondiam ao produto de reação foram reunidas e após evaporação do solvente, e secagem em vácuo, procedeu-se à análise espectroscópica.

No espectro de infravermelho, é possível identificar a absorção característica do estiramento da ligação N–H do grupo amina, que aparece com sinal em 3268 cm-1. Além dessa

absorção, os sinais mais característicos foram os das absorções das carbonilas (C=O) do éster em 1743 cm-1 e da cetona em 1640 cm-1 o que comprova a eficácia da síntese, além disso, a absorção da ligação dupla conjugada a carbonila (C=C), em 1562 cm-1. Um exemplo característico de espectro no infravermelho está apresentado na Figura 44.

Figura 44. Espectro no infravermelho representativo de um aminoéster (17), onde R = 4-Cl, destacando as

absorções características.

No espectro de RMN de 1H (Figura 45), as principais características são os dupletos correspondentes aos hidrogênios vinílicos α e β (7,65 e 8,02 ppm, respectivamente), com

constante de acoplamento de 15,5 Hz, e para o dupleto em 4,18 ppm correspondente aos hidrogênios metilênicos vizinhos ao grupo amina e do singleto dos hidrogênios do grupo metila em 3,71 ppm.

Figura 45. Espectro de RMN de 1H exemplificando os sinais característicos do aminoéster 17 sintetizado.

Tendo obtido o aminoéster 17, as mesmas condições reacionais foram empregadas para a preparação dos demais aminoésteres. Entretanto, mesmo alterando parâmetros como a proporção dos reagentes, solvente, tempo e temperatura de reação, em nenhum dos casos foi possível isolar o produto de reação. Destaca-se que os fatores de retenção (RF) da chalcona de

partida e do produto formado são muito próximos, dificultando a separação, mesmo em sistema automatizado. Na placa de CCD, a melhor separação conseguida está apresentada na Figura 46, que corresponde à imagem da placa revelada no UV. A mistura eluente foi AcOEt-Hex 15% e a placa foi eluída 3 vezes.

Figura 46. Cromatoplaca da reação da chalcona 5 com alfa-bromoacetato de metila. À esquerda: chalcona 5, e à

direita, mistura reacional. Sistema eluente: AcOEt-Hex 15%, eluição repetida 3 vezes.

A tentativa de separação por CG-MS também não funcionou, detectando-se apenas a chalcona 5. Entretanto, por HPLC, foi possível detectar dois sinais principais (Figura 47), mas nesse caso se conseguiu reproduzir as condições no LC-MS disponível, pois as características das colunas eram muito diferentes. Por fim, foi feita uma injeção direta no Espectrômetro de Massas e identificamos duas espécies com massa/carga de relacionadas ao material de partida e ao produto esperado, respectivamente (Figura 48).

Figura 48. Espectro de massas da reação, indicando as espécies de razão massa/carga correspondentes à 2’-

aminochalcona 5 (m/z 268,0956) e ao aminoéster (m/z 340,1193), protonados.

Após inúmeras tentativas de sintetizar os derivados amídicos e aminoésteres, decidiu- se interromper as sínteses dos compostos orgânicos por causa dos insucessos das mesmas. Optamos, portanto, seguir o trabalho estudando a possível interação entre as chalconas e a glutationa.

4.5 Reação das chalconas com glutationa

O tripeptídeo γ-L-glutamil-L-cisteinil-glicina (Figura 49), conhecido como glutationa (GSH), é a principal defesa antioxidante, não enzimática [123].

O grupo tiol (–SH) presente na GSH na porção da cisteína está envolvido em reações de redução e conjugação, que são consideradas as funções mais importantes, sendo estratégico para remoção de peróxidos e muitos compostos xenobióticos [124]. A glutationa existe nas formas tiol-reduzida (GSH) e dissulfeto-oxidada (GSSG). Em condições fisiológicas, aproximadamente 98% da glutationa intracelular está na forma tiol-reduzida, exceto no retículo endoplasmático onde a GSSG é encontrada em concentrações mais altas [125]. Como muitas moléculas contendo cisteína, a GSH é prontamente oxidada, forma-se uma ponte dissulfeto entre duas moléculas de GSH para produzir o dímero oxidado, GSSG. A formação dos dímeros ocorre quando espécies reativas de oxigênio doam um elétron para uma molécula de GSH, a GSH se torna reativa, especialmente para tióis. O tiol mais abundante na célula é geralmente a glutationa, de modo que a formação de dímeros é favorecida. O sistema de glutationa atua como o principal tampão redox na maioria das células e, portanto, é responsável pelo ambiente geral altamente reduzido (Figura 50) [126,127].

Figura 50. Esquema do ciclo catalítico da glutationa (Adaptado de Almeida, Huber e de Fatima) [128].

As glutationa transferases (GSTs) são enzimas pertencentes ao sistema de defesa antioxidante e desintoxicante e sua função é promover a conjugação do átomo de enxofre da glutationa a um centro elétrofilico de compostos tóxicos endógenos e exógenos, aumentando sua solubilidade e excreção [129]. Além das GSTs, outras enzimas foram conectadas com a defesa antioxidante no cérebro, especialmente as GSH peroxidases (GPx) que removem hidroperóxidos ou pelo equilíbrio da homeostase de H2O2 em cascatas de sinalização [130].

Alterações de GSH intracelular ocorrem durante a progressão de algumas situações patológicas. A GSH participa na prevenção e progressão do câncer. Sob condições de estresse, a GSH elimina moléculas nocivas, como eletrófilos (conjugação com a GSH), e espécies reativas de oxigênio e de nitrogênio [131].

A atividade de glutationa transferases (GST) está significativamente diminuída em todas as áreas do cérebro de pacientes com a DA, particularmente na amígdala, no hipocampo e no giro para-hipocampal, no lóbulo parietal inferior e no núcleo basal de Meynert [129]. Estudos post mortem em córtex frontal humanos de pacientes que apresentavam comprometimento cognitivo mental, DA leve e DAIT em comparação com pacientes saudáveis, houve um declínio significativo em antioxidantes (GSH, GST, GPx, dentre outras) no nível das sinapses [132].

A DA está associada a formação de placas amiloides no cérebro de pacientes com DA. Os peptídeos β-amiloides induzem a depleção de GSH em neurônios cultivados e a sua citotoxicidade e sua acumulação é estimulada pela perda de GSH [131].

A glutationa é o principal agente detoxificante para xenobióticos que tem em sua estrutura centros muito eletrofílicos, como por exemplo, anéis aromáticos com grupos fortemente retiradores de elétrons, e sistemas conjugados, formando produtos de substituição e adutos de Michael, respectivamente [133]. A Figura 51 apresenta alguns fármacos e seus respectivos conjugados com glutationa.

Uma das características da química de enonas é a polarização positiva da ligação dupla conjugada, que, ao contrário dos alcenos não conjugados, é substrato para a reação com nucleófilos [128]. Assim, o caráter eletrofílico dessa dupla pode ser explorado para capturar GSH, através da formação de um aduto de Michael (Figura 52).

Figura 52. Formação do aduto de Michael entre GSH e chalconas.

Em pesquisa bibliográfica, verificou-se que há poucos estudos sobre a interação de chalconas e glutationa [134]. Essa interação, através de uma ligação covalente, não só pode diminuir a disponibilidade de GSH, mas o aduto formado pode ser um inibidor de glutationa transferase (GST). Dessa forma, bloqueia a ligação do substrato (GSH) à enzima, impossibilitando a detoxificação de xenobióticos. Assim, tornou-se necessário verificar se as chalconas sintetizadas nesse trabalho são aceptores de Michael para a glutationa, o que, deve depender fortemente da natureza do substituinte dos anéis aromáticos.

Com esse objetivo, a uma solução da chalcona em acetonitrila, sob atmosfera de nitrogênio, foi adicionado 1,3 equivalente de glutationa, à temperatura ambiente e sob agitação magnética. A reação foi monitorada por Espectrometria de Massas (ESI) no modo positivo. A análise desses espectros coletados com 6, 18, 24 e 48 h, indicou apenas espécies com razão massa/carga correspondendo à chalcona de partida e à glutationa. Nenhuma espécie com a razão m/z compatível com a formação do aduto, assim como espécies correspondentes a adutos ligados ao Na+ ou K+ foi detectada. Não tendo uma referência para comparar esse resultado, foram questionados o procedimento e a reatividade das aminochalconas. Assim, outras

chalconas disponíveis no laboratório foram submetidas à reação com a glutationa. Os resultados se encontram na Tabela 4.

Tabela 4. Resultado da reação de adição de Michael entre chalconas e glutationa.

Chalcona Tempo de reação Resultado

18 [M+H+] 550,1396 6 [M+Na+] [M+ K+] 599,1223 24 [M+H+] 660,3126 48 - 48* [M+H+] 620,1918 (**) 48 -

(*) Tempo máximo que a reação foi mantida sob agitação e tempo da última retirada de alíquota. (**) sinal de baixíssima intensidade – quase nada de produto.

Esses resultados indicam que as chalconas contendo grupos retiradores de elétrons no anel aromático são mais reativas e a formação do aduto se dá em até 24 h. As chalconas contendo grupos doadores de elétrons (metilenodioxi) foram as menos reativas, sendo que as

contém grupos volumosos no anel B, 24 e 26, não formaram o aduto com a GSH no tempo de estudo.

Com esse experimento, demonstrou-se que o procedimento da reação estava correto, e, a não formação dos adutos das aminochalconas pode ser devido à baixa reatividade promovida pelo grupo amino no anel B. Na Figura 53, estão representadas as estruturas de ressonância envolvendo o sistema carbonílico para uma chalcona não substituída (A) e uma aminochalcona (B). No primeiro caso, a estrutura de ressonância que deixa uma carga positiva na posição 4 deve ter uma grande contribuição para estrutura do composto, enquanto que para uma aminochalcona (B) é possível propor outra estrutura de ressonância na qual o carbono carbonílico é “estabilizado” pelo efeito doador de elétrons do grupo amino. Assim, a posição 4 seria menos eletrofílica.

Figura 53. Estruturas de ressonância para uma chalcona não substituída (A) e para uma aminochalcona (B).

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