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em teoria de jogos, o conceito de utilidade. Em continuidade ao exposto na sec¸˜ao anterior, damos mais um arremate heur´ıstico que j´a se funde ao caminho de axiomatizac¸˜ao. Procura-se discutir brevemente o objeto de nossa procura te´orica e obter um esboc¸o quase-heur´ıstico da estrutura de grupo das utilidades. Importˆancia: caminho para a axiomatizac¸˜ao.

13Independentemente de qual indiv´ıduo fac¸a a escolha, n˜ao de sua existˆencia. 14Vide nota de rodap´e 9.

Utilidade: Construc¸˜oes Te´oricas e Estrutura de Grupo das Utilidades • Lembremos que comec¸amos e terminamos nossa discuss˜ao anterior na

asserc¸˜ao de plausibilidade em se admitir que um indiv´ıduo que perfac¸a escolha de preferˆencia entre os eventos X ou A tenha de comparar a probabilidade α relacionada ao evento C em X com uma medida com- parativa entre as preferˆencias de A e C em relac¸˜ao ao pior cen´ario B, sendo, como o vimos, q a referida medida comparativa - sendo esta a condicionante no processo decis´orio, pelo que se inferiu das desigual- dades obtidas.

• Comparemos as preferˆencias de A e C em relac¸˜ao ao pior cen´ario B pelo crit´erio da raz˜ao15 e exploremos as conseq¨uˆencias e poss´ıveis

plausibilidades, i.e.:

q≡U(A) −U (B)

U(C) −U (B), (4.2) onde U (A) ´e a utilidade do evento A, U (C) ´e a utilidade do evento C e U(B) ´e a utilidade do evento B.

• Aqui, uma an´alise mais descuidada pode levar `a conclus˜ao de que esta- mos realmente postulando a existˆencia de uma escala num´erica para a utilidade - pelo que est´a posto na equac¸˜ao (4.2) acima.

• Tal conclus˜ao seria realmente uma completa distorc¸˜ao e falta de en- tendimento do nosso procedimento. De fato, o que realmente postu- lamos ´e a possibilidade de se associarem probabilidades a eventos - dada a evidˆencia emp´ırica para tal - e, assim, a associac¸˜ao das mesmas probabilidades a tudo o que for inerente ao acontecimento do evento, incluindo a sua utilidade - seja l´a o que for isso. A equac¸˜ao (4.2) ´e uma hip´otese de passagem heuristicamente relevante, i.e., condic¸˜ao necess´aria de nosso procedimento postulat´orio real de associar prob- abilidades a eventos, mas colocada reversamente como aparentemente em condic¸˜ao de suficiˆencia somente para a efic´acia de digress˜ao. • Sejamos mais claros: n˜ao precisamos implorar pela existˆencia de uma

escala num´erica para a utilidade para que os nossos procedimentos an- teriores sejam plaus´ıveis, pois em todos os nossos procedimentos ante-

riores, ratificamos, somente associamos eventos a probabilidades sem nenhuma referˆencia num´erica `a utilidade.

• Assim, para efeitos de digress˜ao, sup˜oe-se v´alido o reescrever de (4.2) deliberadamente:

U(A) ≡ qU (C) + (1 − q)U (B). (4.3) • Como sabemos16, o resultado de um evento X composto de um evento

C com probabilidade q ou de um evento B com probabilidade 1 − q ´e dado pela ponderac¸˜ao probabil´ıstica: X = qC + (1 − q) B. Conforme mencionamos, o mesmo dever´a ocorrer com o que quer que esteja atrelado aos eventos - pois dada a ocorrˆencia de um evento, tem-se a ocorrˆencia do que quer que esteja atrelado a esse evento. Assim, a utilidade U (X) de um evento X composto de um evento C [com util- idade atrelada U (C)] com probabilidade q ou de um evento B [com utilidade atrelada U (B)] com probabilidade 1 − q ser´a dada tamb´em pela ponderac¸˜ao probabil´ıstica: U (X) = qU (C) + (1 − q)U (B). • Vemos, ent˜ao, que a equac¸˜ao (4.3) nos faz a asserc¸˜ao de que a utilidade

de A ´e equivalente `a utilidade do evento X composto dos eventos C ou B com as probabilidades respectivas q e 1 − q. Mas isso ´e realmente o que deve acontecer, dado que n˜ao h´a como inferir preferˆencia quando a probabilidade do evento C ´e α = q, pois, nessas condic¸˜oes, os even- tos A e X s˜ao igualmente ´uteis, U (A) ≡ U (X), conforme discorrido anteriormente.

• Voltemos ao evento X originalmente definido. A utilidade desse evento, pelo exposto, seria U (X) = αU (C) + (1 − α)U (B). Temos trˆes situac¸˜oes poss´ıveis relacionadas ao evento A:

U(X) > U (A) ⇒ αU(C) + (1 − α)U(B) > U(A) ⇒

α >U(A) −U (B)

U(C) −U (B)⇒ α > q;

16Por exemplo: como escrever o poss´ıvel resultado de um lanc¸amento de uma moeda n˜ao-

viciada? Podemos pensar num n´umero infinitamente grande de lanc¸amentos e, ao final, notar que metade dos resultados foi cara C e metade coroa C. Assim, o resultado de muitos lanc¸amentos de uma moeda n˜ao-viciada ´e escrito: N

2C + N

2C, onde N ´e o n´umero de sorteios. O espac¸o amostral

Ω =C, C mostra que q = 1 − q = 1/2. Ent˜ao, para um sorteio (N = 1), escrevemos o poss´ıvel resultado de um lanc¸amento de uma moeda n˜ao-viciada: 12C +12C = qC + (1 − q) C.

U(X) = U (A) ⇒ αU(C) + (1 − α)U(B) = U(A) ⇒

α =U(A) −U (B)

U(C) −U (B)⇒ α = q;

U(X) < U (A) ⇒ αU(C) + (1 − α)U(B) < U(A) ⇒

α <U(A) −U (B)

U(C) −U (B)⇒ α < q.

• Notamos que todos os trˆes resultados anteriores s˜ao concordantes com os que obtivemos na sec¸˜ao anterior.

• Nas marchas que levam a construc¸˜oes de teorias que se prop˜oem a utilizar a matem´atica na modelagem e quantificac¸˜ao de grandezas e operac¸˜oes naturais, h´a um processo que parece ser globalmente padr˜ao: detecc¸˜ao de grandezas e operac¸˜oes naturais → operac¸˜oes naturais re- stringem os poss´ıveis modelos matem´aticos → modelos matem´aticos compat´ıveis com as grandezas e operac¸˜oes naturais → escolha de um modelo matem´atico compat´ıvel ≡ teoria → sistema de transformac¸˜oes entre todos os mapeamentos que levam para espac¸o num´erico final ≡ grupos → n´umeros.

• Passemos agora `a construc¸˜ao de uma teoria para a utilidade. Primeira- mente, sup˜oe-se que exista e que seja reprodut´ıvel observacionalmente, para todo par evento-escolhedor17, um objeto abstrato inerente ao evento e correlacionado com o estado de interesse do escolhedor pelo evento, objeto abstrato esse que denominaremos utilidade. Essa ´e a nossa grandeza natural. Sup˜oe-se que, para um mesmo escolhedor, dois eventos quaisquer, com utilidades abstratas u e v, tenham sempre uma operac¸˜ao natural de ordenamento completo u > v (diz-se u ´e pre- fer´ıvel a v). Sup˜oe-se tamb´em que a utilidade de um evento composto

17Ser reprodut´ıvel observacionalmente em nosso escopo significa que a utilidade inerente a

um dado evento n˜ao se altera se todas as condic¸˜oes forem mantidas num instante posterior. Por exemplo, a falha num resultado para um determinado dispositivo relacionado ao evento X an- teriormente mencionado n˜ao exclui a possibilidade do mesmo fim numa outra ocasi˜ao por dis- positivo idˆentico, i.e., o fato de ter-se um resultado indesejado a um escolhedor n˜ao deve fazer com que, a posteriori, tal escolhedor tenha sua preferˆencia modificada, pois tal situac¸˜ao, tal pos- sibilidade indesejada ´e sempre, para o escolhedor, sabidamente poss´ıvel de ocorrer a qualquer tempo, sendo, assim, que a possibilidade de tal situac¸˜ao indesej´avel deve fazer parte do conjunto de informac¸˜oes utilizadas pelo escolhedor quando de sua formac¸˜ao de ju´ızo de preferˆencia.

por utilidades abstratas u ou18 vcom probabilidades respectivas α e 1 − α seja dada pela operac¸˜ao natural αu + (1 − α) v. Como dissemos, as operac¸˜oes u > v e αu + (1 − α) v s˜ao nossas operac¸˜oes naturais. • Nosso caminho parece claro: Precisamos reproduzir numericamente

nossas grandezas e opera-c¸˜oes naturais. Precisamos achar uma corre- spondˆencia entre as utilidades abstratas e n´umeros que permita que as relac¸˜oes naturais u > v e αu + (1 − α) v nas utilidades abstratas sejam conceitos sinˆonimos para n´umeros.

• Denotemos a correspondˆencia procurada por19: u → ρ = U (u), onde u

´e a utilidade abstrata e U (u) o n´umero cuja correspondˆencia o gerou. • O requisito de reprodutibilidade num´erica requer que: se u ´e prefer´ıvel

a v ent˜ao U (u) > U (v) e que: a utilidade U (αu + (1 − α) v) de um evento composto seja reprodut´ıvel numericamente, i.e., seja dada por αU (u) + (1 − α )U (v). Ent˜ao, temos os requisitos:

u> v ⇒ U (u) > U (v), (4.4)

U(αu + (1 − α) v)= αU(u) + (1 − α)U(v).! (4.5) • Se duas de tais correspondˆencias existirem:

u→ ρ = U(u), (4.6)

u→ ρ0= U0(u), (4.7) ent˜ao teremos uma correspondˆencia entre n´umeros:

ρ ρ0, (4.8)

que pode ser reescrita:

ρ0= φ (ρ). (4.9)

18Aqui o conectivo ou (∨) enfatiza o car´ater mutuamente exclusivo dos dois poss´ıveis resulta-

dos de sa´ıda (outcomes) no referido evento composto.

19Algu´em pode objetar que neste ponto estamos tacitamente supondo ser poss´ıvel a repro-

dutibilidade num´erica do objeto abstrato utilidade. A objec¸˜ao est´a correta. Suponhamos, mo- mentaneamente, ser poss´ıvel tal reprodutibilidade. A garantia dever´a advir de um conjunto de postulados plaus´ıveis que a garanta, sendo que tal conjunto de postulados, bem como a prova de garantia, ser˜ao devidamente explorados nas pr´oximas sec¸˜oes.

• De (4.6) e (4.4), temos:

u> v ⇒ U (u) > U (v) ⇒ ρ > σ . (4.10)

• De (4.7) e (4.4), temos:

u> v ⇒ U0(u) > U0(v) ⇒ ρ0> σ0. (4.11) • A condic¸˜ao ρ > σ em (4.10) ´e a reprodutibilidade num´erica do orde- namento natural u > v pela hip´otese (4.4), sendo, portanto, ρ > σ a traduc¸˜ao num´erica de que u ´e prefer´ıvel a v. Nesse sentido20: ρ > σ ⇒

u> v. Assim:

ρ > σ(4.11)⇒ ρ0> σ0 (4.9)⇒ φ (ρ) > φ (σ ) (4.12) • De (4.6) e (4.5), temos:

U(αu + (1 − α) v)= αU(u) + (1 − α)U(v) = αρ + (1 − α) σ .! (4.13) • De (4.7) e (4.5), temos:

U0(αu + (1 − α) v)= αU! 0(u) + (1 − α)U0(v) = αρ0+ (1 − α) σ0. (4.14) • A equac¸˜ao (4.13) ´e o mapeamento αu + (1 − α) v→ αρ + (1 − α) σ .U • A equac¸˜ao (4.14) ´e o mapeamento αu + (1 − α) v→ αρU0 0+ (1 − α) σ0. • Mas, conforme visto e ratificado pela equac¸˜ao (4.9), esses mapea- mentos s˜ao interrelacionados por φ , i.e., αρ + (1 − α) σ → αρφ 0+

(1 − α) σ0, donde:

φ (α ρ + (1 − α ) σ ) = α ρ0+ (1 − α) σ0 (4.9)= αφ (ρ) + (1 − α) φ (σ ). (4.15) • A equac¸˜ao (4.15) parece mostrar que o nosso grupo de transformac¸˜oes ´e o das transformac¸˜oes lineares, dado que uma transformac¸˜ao linear φ ´e

20Pois a reprodutibilidade num´erica deve traduzir a situac¸˜ao natural, i.e., reproduzir o ordena-

toda aquela que satisfizer φ (ρ + σ ) = φ (ρ) + φ (σ ) e φ (β σ ) = β φ (σ ). Equivalentemente, podemos definir uma transformac¸˜ao linear φ como toda aquela que satisfaz φ (αρ + β σ ) = αφ (ρ) + β φ (σ ). Por´em, note- mos que a segunda definic¸˜ao somente permitir´a a obtenc¸˜ao das duas primeiras se os coeficientes α e β n˜ao estiverem correlacionados - o que n˜ao ocorre no nosso caso. Assim, mesmo que uma transformac¸˜ao linear do tipo φ (ρ) = ω0ρ satisfac¸a a equac¸˜ao (4.15) ela n˜ao ser´a a

transformac¸˜ao mais geral. Nossa transformac¸˜ao mais geral que satisfaz a equac¸˜ao (4.15) ser´a a transformac¸˜ao afim φ (ρ) = ω0ρ + ω1. De fato:

φ (α ρ + β σ ) = ω0(αρ + β σ ) + ω1=

= α (ω0ρ ) + β (ω0σ ) + α ω1− αω1+ β ω1− β ω1+ ω1∴

φ (α ρ + β σ ) = α (ω0ρ + ω1) + β (ω0σ + ω1) + (1 − α − β ) ω1∴

φ (α ρ + β σ ) = α φ (ρ ) + β φ (σ ) + (1 − α − β ) ω1. (4.16)

• Vemos, ent˜ao, de (4.16), que o grupo de trasnformac¸˜oes afins satisfaz ao quesito (4.15) desde que 1 − α − β = 0, ou seja, β = 1 − α, que ´e o nosso caso.

• Conclui-se desta sec¸˜ao: se os objetos abstratos inerentes aos pares do tipo evento-escolhedor, denominados utilidades abstratas, estes propriedades intr´ınsecas inerentes aos ju´ızos de escolha em seus respectivos pares evento-escolhedor, forem, aqui ainda por forc¸a de hip´otese, reprodut´ıveis numericamente dentro dos moldes desta sec¸˜ao, ent˜ao o grupo de transformac¸˜oes que representa a relac¸˜ao entre dois de tais n ´umeros matematicamente reproduzidos a partir de uma mesma utilidade abstrata ´e o das transformac¸˜oes afins. • Elenquemos, exauramos, ent˜ao, os poss´ıveis e plaus´ıveis postulados

referentes `as utilidades, para que posteriormente se verifique, ou n˜ao, a garantia de reprodutibilidade num´erica das utilidades abstratas, i.e., sem que se precise postular a reprodutibilidade num´erica nos moldes quase-heur´ısticos como aqui a postulamos21.

21Tal garantia ´e essencialmente importante, dado que, dentro da teoria econˆomica, e tamb´em

no nascedouro da teoria de jogos no escopo da economia, muito se conjecturou academicamente sobre a impossibilidade de reprodutibili-dade num´erica da vontade, conceito aparentemente sub- jetivo no ju´ızo de escolha.