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6.2 O uso do neutro „lo‟: erros e acertos

6.2.2 Ocorrência do neutro diante de pronome

Na presente pesquisa, a partir dos instrumentos aplicados, é possível analisar a ocorrência do artigo neutro „lo‟ diante de dois tipos de pronomes: os possessivos e os relativos. No primeiro caso, houve erros diante dos possessivos nos três instrumentos de pesquisa, tais como mío, suyo e nuestro, sempre da mesma forma: o uso do masculino „el‟ no lugar do neutro „lo‟, conforme quadro abaixo.

Quadro 20 – Percentual de erros diante de possessivos

Possessivo Instrumento Nº de erros % de erros

suyo 01 12 54,55 mío 01 7 31,82 nuestro 01 7 31,82 mío 02 5 22,73 mío 03 6 27,27 suyo 03 7 31,82

Fonte: elaborado pelo autor.

O percentual médio de erros diante dos possessivos chega a um terço das situações, isto é, de cada três espaços em que deveria ter sido usado o „lo‟, em um deles os aprendizes empregaram o artigo masculino „el‟. Para entender essa situação, recorre-se, novamente, ao que Lado (1972) propunha sobre a dificuldade máxima de aprendizagem, em que um elemento da língua materna se equipara a duas unidades na língua estrangeira: a sequência artigo + possessivo (o meu), pode ser, dependendo do contexto em que é empregado, el mío ou lo mío. Para identificar em que situação deve ser usada a forma neutra do artigo, é preciso que se faça a leitura da frase em que o possessivo está localizado, para saber se ele possui

algum referente que esteja no masculino singular (el mío) ou se a sequência „lo‟ + possessivo faz referência a algo não especificado, cumprindo um papel generalizador.

Para entender melhor a referência a algo não especificado, analisa-se a frase Luego yo edito lo suyo y él lo mío, constante no instrumento 01. O que acontece é que no texto em que a frase está inserida não há nenhuma referência àquilo que é editado; portanto, o uso do neutro se justifica na perspectiva da leitura do texto em que a sequência está inserida. Outra forma de expressar o mesmo sentido em língua espanhola é substituir „lo‟ + possessivo pela expressão aquello que es suyo e aquello que es mío. Apesar da diferença estrutural, a presença do neutro se mantém, neste caso, na forma do demonstrativo. Se houvesse no texto, por exemplo, referência a um vídeo para ser editado, a frase seria Luego yo edito el suyo y él el mío, e a substituição pelos demonstrativos ficaria assim: aquel que es suyo e aquel que es mío, em que se percebe claramente a ocorrência do gênero masculino na forma do demonstrativo. Pelos erros cometidos pelos aprendizes, é possível dizer que eles fizeram esta última leitura, que não estava no texto.

Na análise das justificativas dadas pelos informantes para o uso do artigo masculino ou neutro diante de possessivos (instrumento 03), percebe-se que eles adotaram algumas estratégias de leitura para chegarem à resposta correta. Registre-se, ainda, que somente os informantes que acertaram a resposta conseguiram elaborar uma justificativa, a qual atende perfeitamente à escolha da forma masculina ou da neutra. Nas frases que apresentam a sequência „el‟ + possessivo, a justificativa gira em torno do fato de, na própria frase, estar um antecedente ou referente masculino que exige o emprego do „el‟ diante do possessivo. Nesse caso, percebe-se que a leitura do segmento no qual está inserido o artigo teve um papel importante para a resposta correta, e os informantes devem ter adotado estratégias de leitura para chegarem a ela, como a busca de informações na frase para localizar a informação requerida e/ou a releitura da frase que traz a informação requerida para responder à questão.

Quanto às justificativas para o uso do neutro diante dos possessivos, as respostas podem ser divididas em três grupos diferentes, mas todos em consonância com a necessidade de ser usado o artigo neutro. O primeiro grupo afirma que usou o neutro por não ter encontrado, na frase ou no parágrafo, um referente masculino ou então um referente explícito que justificasse o uso do artigo masculino. Nesse caso, percebe-se a adoção de estratégias de leitura que permitiram que os aprendizes acertassem a resposta, o que leva ao já afirmado anteriormente: o uso do artigo neutro depende não só do conhecimento gramatical da língua

espanhola, mas também da capacidade de leitura do texto em que o artigo está inserido e do sentido que a frase possui com o uso do neutro. O segundo grupo utilizou a estratégia de substituir as formas lo mío e lo suyo pelas formas equivalentes aquello que es mío e aquello que es suyo, nas quais percebeu a presença do neutro na forma do demonstrativo aquello e, por isso, optou pelo uso do „lo‟ nessas situações. O último grupo adotou a mesma estratégia na resolução da questão, embora tenha recorrido à língua materna para construir seu argumento, afirmando que poderia substituir lo mío e lo suyo pelas formas em português „aquilo que é meu‟ e „aquilo que é seu‟. Ao notar que o demonstrativo „aquilo‟ era neutro, encontrou a resposta para a resolução da atividade, recorrendo, nesse caso, à seguinte estratégia de leitura: analogia motivada pela semelhança entre a língua portuguesa e a espanhola.

Da mesma forma como o uso do artigo neutro diante dos possessivos revelou-se uma dificuldade para os aprendizes de ELE – uma vez que houve uma média de 33,33% de erros –, assim também ocorreu com o uso do masculino diante dos possessivos, cuja média de erros ficou em 31,81%. Em outras palavras, quando deveria ter sido usado o neutro „lo‟, foi usado o masculino „el‟ e vice-versa, quase na mesma proporção. Acredita-se que, nesse caso, novamente, a questão resolver-se-ia se houvesse uma atenção às estratégias de leitura empregadas pelos aprendizes, isto é, se eles verificassem, no momento da leitura da frase, se há um antecedente masculino servindo como referente para o uso da forma masculina do artigo ou então, se esse referente não existe, para que seja usada a forma do artigo neutro.

O equilíbrio entre os erros cometidos com o masculino e com o neutro verificados diante dos possessivos não se verifica quando a palavra que sucede o artigo é o pronome relativo „que‟. Nessa situação, ocorreu um fato que merece análise mais detalhada porque vai de encontro à hipótese inicial de que os aprendizes apresentavam muitas dificuldades em relação ao uso do artigo neutro. A média de erros diante do relativo „que‟ ficou em 5,68%, a mais baixa de todos os contextos em que o neutro poderia ocorrer. Por outro lado, o maior percentual de erros ocorreu também diante do relativo „que‟, mas na situação em que antes dele deveria ser usado o artigo masculino „el‟, chegando a 68,18%.

Se a pesquisa tivesse se pautado somente no uso de „el‟ ou „lo‟ diante da forma do relativo „que‟, o problema de pesquisa e as hipóteses levantadas pelo pesquisador teriam caído por terra, uma vez que os resultados apontam para o contrário daquilo que o pesquisador previra. Se se olhasse apenas para o relativo, dir-se-ia que os aprendizes usam o neutro com

muita propriedade e têm dificuldades para combinar o relativo com a forma do artigo masculino „el‟. O que se questiona, a partir daqui, é o porquê de ter havido tanto sucesso na forma lo que e a dificuldade residir exatamente na forma el que. Na análise feita dos erros cometidos nesta última, já se elencaram, no item 6.1, os motivos que podem ter levado os aprendizes a praticarem o erro, o qual pode ter sido motivado pelo fenômeno da hipercorreção, já que a sequência lo que é mais frequente em língua espanhola que a forma el que.

A explicação para o alto índice de acertos na combinação „lo‟ + relativo „que‟ pode estar no fato de em português existir a mesma combinação do neutro + relativo „que‟, embora a maioria das gramáticas não considere a existência da forma neutra do artigo nessa língua e analise a combinação „o que‟ como um pronome demonstrativo. No entanto, se esses dados forem interpretados de acordo com o que Lado (1972) defendia em seus estudos na AC, isto é, aquelas estruturas gramaticais que são semelhantes às da língua materna, ao serem transferidas para a língua estrangeira, funcionarão satisfatoriamente nesta última, pode-se afirmar que no caso do lo que esse processo de transferência tenha ocorrido com sucesso.

A afirmação acima se ampara na argumentação empreendida por Carvalho e Nascimento (1984) acerca do fato de que o demonstrativo „o que‟ possui um „o‟ que é neutro, assim como ocorre em espanhol. Ademais, em seus estudos sobre os erros produzidos por lusofalantes aprendizes de espanhol, Torijano Pérez (2003) também defende a existência de uma forma equivalente ao artigo neutro „lo‟, que seria o artigo neutro „o‟ em português, combinado com a forma do relativo „que‟.

Outra hipótese para o sucesso da combinação lo que pode ter a ver com o fato de os aprendizes de ELE, por sua experiência de leitura de textos em língua espanhola, estarem acostumados a forma lo que, pois é nesse contexto que o neutro „lo‟ aparece com maior frequência, superando todos os demais contextos de ocorrência (ver quadro 12). Além disso, quando se analisam as justificativas dadas pelos informantes para o uso do artigo neutro diante do relativo „que‟ (frase 3.b do instrumento 3), percebe-se uma clareza de que o espaço deve ser ocupado pelo „lo‟ e não pelo „el‟, pois a maioria dos informantes utiliza a estratégia de substituir a forma lo que pela construção equivalente com o demonstrativo aquello que. Como o demonstrativo aquello é neutro, por consequência, o artigo que ocupa a mesma posição também deve ser o neutro.

Acredita-se que, nesse caso, o sucesso do uso do artigo neutro se deva muito mais ao processo de transferência positiva da língua materna do que de um conhecimento sistemático do uso do artigo neutro em língua espanhola. Acredita-se também que, embora alguns aprendizes tenham utilizado a estratégia de substituir o neutro „lo‟ pela forma equivalente do demonstrativo, o alto índice de acertos não tenha dependido diretamente de uma estratégia de leitura adotada conscientemente, simplesmente pelo fato de a estrutura lo que ter uma equivalente em português, qual seja, „o que‟.

Finalmente, toda argumentação que gira em torno da substituição da forma neutra „lo‟ pelo demonstrativo equivalente encaminha-se para a origem dos artigos definidos nas duas línguas ora em confronto, isto é, os pronomes demonstrativos. Nesse sentido, o valor que a sequência lo que possui, e as estratégias empregadas pelos informantes, apontam para o que Nunes (1975) defende acerca dos usos de alguns demonstrativos em situações nas quais os falantes poderiam tranquilamente usar os artigos definidos, o que faz com que se chegue à seguinte conclusão: a sequência lo que comporta-se como um verdadeiro pronome, seja em relação à origem, seja, sobretudo, em relação a seu uso.