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OCORRÊNCIAS COM SUJEITO ANTEPOSTO

Concordância X Não Ambíguos Ambíguos; 50;

1 A CONCORDÂNCIA VERBAL NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

3 UM ESTUDO DA CONCORDÂNCIA VERBAL NO PORTUGUÊS RURAL EUROPEU

3.2 OCORRÊNCIAS COM SUJEITO ANTEPOSTO

Foram 12 as ocorrências em que havia um sujeito realizado, diferente de pronome relativo, anteposto ao verbo:

-"Eh, porque bem dizem, porque para...para uns ficar bem, outros têm de morrer...” (MIN05-C, p.08)

-“Depois de as meadas estar feitas, pronto, lavavam-se, metiam-se em água bem quente com cinza.” (FIS19-C, p.40)

-“Mas isso...Mas isso não é... não é por elas ir para o nariz.” (FIS36-C, p.75) -“Ai se os senhores calha em lá ir...” (MST02-C, p.09)

-“Estes é para o lanche (...)”(MST01-C, p.5-6)

-“(...) eles fica a massa (que) parece uma pedra” (MST01-C, p.02) -“Em certo tempo, as obras era... era só de pedra.” (MST28-C, p.49)

-“As traineiras, às vezes, não apanha peixe, as coisas (dão) mal (...)”(ALV04-C, p.6) -“Aqueles mais (de destino) é: besugo, safia, faneca e choupa. E também vem o pargo.” (ALV07C, p.11)

-“As ginjas já não é tão perfeitas!” (ALV46-C, p.70)

-“Eu não sei que sentimentos é os daquela mulher.” (MIN05-C, p.08)

-“Quando eu falei no problema de alinhar os carreiros, havia também um interesse próprio em que os carreiros fosse estreitos.” (GIA21-C, p.38)

Nas primeiras ocorrências, o verbo está no infinitivo pessoal, devendo ser, nesses casos, flexionado, segundo a norma-padrão. Entre as demais ocorrências, chama atenção a quantidade de vezes em que figura o verbo ‘ser’: são 6 ocorrências, sendo que, em 4 delas, o verbo aparece na forma da 3ª pessoa do singular do presente do indicativo (a forma ‘é’).

Quando há uma ‘saliência fônica’ – uma diferença fonicamente marcante – entre as variantes singular e plural de uma forma, existe uma tendência a se fazer mais a concordância do que em contextos em que a diferença entre o singular e o plural não é tão saliente. O verbo ‘ser’, na conjugação da 3ª pessoa do presente do indicativo, é um exemplo típico dessa saliência: contrastam-se as formas ‘é’ e ‘são’. A saliência fônica foi constatada, inclusive, no estudo de Silva, a respeito da concordância verbal no interior da Bahia. Ele chegou aos seguintes resultados: 174

ocorrências de é/são, 65 (37%) casos de concordância (uso de ‘são’) e 109 (63%) de perda de concordância (uso de ‘é’).

O relativamente alto uso do verbo ‘ser’ na forma singular, em uma posição que tenderia mais ao uso da concordância (o sujeito anteposto ao verbo), direcionou o olhar da presente pesquisa para o comportamento desse verbo no

corpus; quantificando e analisando mais detidamente essas ocorrências com o

verbo ‘ser’, chegou-se aos seguintes resultados: 73 ocorrências de é/são, sendo 66 (90%) os casos de concordância (uso de ‘são’) e 7 (10%) de perda de concordância (uso de ‘é’).

Foi constatado que, diferentemente do que observou Silva, nos casos com o verbo ‘ser’, é mais frequente a perda de concordância que no geral do corpus. Se o índice de perda de concordância é de 3,5% para o corpus como um todo, essa taxa sobe para 10% no uso do verbo ‘ser’. O que poderia ser estranho para o português brasileiro não parece ser, no português europeu. Observa-se que há uma certa regularidade no contexto dessas ocorrências em que não é feita a marcação da concordância e o verbo ‘ser’ é frequentemente usado: há, nas ocorrências, uma vacilação entre o sentido singular e plural do elemento a que se está fazendo referência. Será retomado a seguir o contexto em que figura uma das ocorrências de perda de concordância. No exemplo, há uma constante oscilação entre o sentido ‘o queijo’ / ‘a massa de queijo’ e ‘os queijos’:

INF1 Fa... Faço-lhe, um dia entre outro, porque estes 'fize-os' a semana passada, mas

foram feitos à ovelheira. (...)

Com a minha mão é que os escorro a todos, de um por um, só para não secarem, para depois eles ficarem realmente…

INQ1 Qual é a diferença entre fazer à ovelheira e fazer à cabreira?

INF1 Dão muito trabalho, minha senhora, à ovelheira. E tem outro gosto. (...) INF1 O que é que são picados três vezes. O queijo desmancha-se. Quer dizer… Este, a gente não os volta. N- N... Não percebe a senhora? Quer dizer, a gente deita só a massa para dentro e acalca. Aperta.

INF1 E os outros não. Por exemplo, agora, aperta-se tudo o que pode ser até deitarem o soro. E depois torna-se a voltar o queijo, (e depois) /depois\ migalha-se outra vez, pica-se a coalhada toda.

INQ1 Pois…

INF1 Fica toda picadinha. E são muito apertados, muito apertados, porque eles fica a

massa (que) parece uma pedra. Muito rija, muito rija! E depois então, à última vez,

torna-se depois a voltar e então dá-se-lhe o jeito. Que é para eles ficarem assim mais ou menos redondos. Quer dizer, o que é que fica muito apertados.

INQ1 Pois. E, portanto, não fica no cincho? INF1 Fica sim.

INQ1 Ai fica?

INF1 Fica à mesma no cincho. O que é que a gente volta-o. INQ1 Pois.

INF1 A gente, por exemplo, agora faço assim, não é. Aquele já está assim. (E depois)

desmancha-se to... desmancha-se todo, todo, todo, todo, todo. E depois torna-se esta

parte, torna-se a voltar para cima, é quando então depois se lhe dá o fo... o jeito do queijo.

(MST01-C, p.02)

Parece que o uso do verbo ‘ser’ é mais frequente nesses contextos devido ao próprio teor dos diálogos, em que frequentemente se pergunta quais são as características, ‘o que é’ determinada coisa. São justamente esses contextos que parecem favorecer também uma vacilação de sentido singular/plural do elemento que é tema da conversação: o tema da conversação não é, por exemplo, uma pessoa ou lugar específico. Nesses contextos, fala-se, geralmente, de objetos, coisas, que tanto podem ser referidos como um, no singular, quanto pelo universo das coisas, no plural. Assim, observa-se que o verbo ‘ser’ é usado com frequência, nos diálogos do português europeu, em contextos em que há uma alternância constante, não propriamente dos traços morfo-fônicos singular x plural, mas do sentido singular ou plural do elemento a respeito do qual se está falando.

As ocorrências descritas do CORDIAL-SIN fazem lembrar uma passagem da gramática de Rocha Lima (2000), o qual, tratando dos casos de concordância ideológica, mais especificamente dos casos de sujeito coletivo no singular com verbo no plural, citava e analisava o seguinte exemplo, do escritor Fernão Lopes:

O povo lhe pediram que se chamasse Regedor.

A respeito do exemplo, dizia:

Neste outro exemplo de Fernão Lopes (...) pressente-se a incapacidade de abstração, a qual levava o português de outros tempos a transmitir aspecto mais visual aos quadros coletivos. (p.410)

Rocha Lima cita, em seguida, uma análise de Rodrigues Lapa, que parece ser do mesmo exemplo trazido por ele, e em seguida comenta:

(...) mas o grande escritor que era Fernão Lopes não via no povo uma entidade abstrata, antes qualquer coisa de muito concreto e de muito vivo, que fervilhava pelas ruas e praças de Lisboa, na ânsia de escolher um rei. (RODRIGUES LAPA apud ROCHA LIMA, p.410).

Ao que parece, há, nos exemplos de fala do português europeu, não propriamente uma incapacidade de abstração, mas uma necessidade de particularização, de se falar em objetos concretos, como se os elementos referidos estivessem diante dos olhos do informante. Em nome dessa vontade de se transmitir “o aspecto mais visual” da cena narrada ou do quadro descrito, o informante parte, por vezes, do sentido plural e passa, em seguida, ao singular, ou o inverso.

3.3 OCORRÊNCIAS COM SUJEITO RETOMADO POR UM RELATIVO