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OCORRÊNCIAS COM SUJEITO NÃO REALIZADO

Concordância X Não Ambíguos Ambíguos; 50;

1 A CONCORDÂNCIA VERBAL NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

3 UM ESTUDO DA CONCORDÂNCIA VERBAL NO PORTUGUÊS RURAL EUROPEU

3.4 OCORRÊNCIAS COM SUJEITO NÃO REALIZADO

Houve ainda dois casos de perda de concordância com o sujeito não realizado:

-“Quer dizer, o que é que fica muito apertados.”(MST01-C, p.6)

-“(...) para o mês que vem está a trinta, para o outro mês…” (ALV03-C, P.04-05)

Nesses exemplos, observa-se também a alternância entre singular e plural do elemento referido. Está a seguir o contexto da segunda ocorrência:

INF1 Tantos contos réis (que) estavam aí já empregados. Não julgue o senhor, uma

arte destas já custa quase três contos. Quase. Este anzolinho está – não havia de estar

mas está… Estava a seis escudos, o ano passado, seis e quinhentos, este a... agora está a vinte nove escudos! Uma madeixa de sedela destas estava a cen- a, a nov... a oitenta

e cinco escudos – há quatro anos! Subiu, subiu. Há dois anos... Há dois anos estava a noventa e cinco, depois a cento e vinte, agora está a trezentos e cinquenta! E não há. O que subiu as coisas! Está bem, eu acho justo, mas, ainda sobem mais da conta. (Não havia de vir a ser) justificado? Sim, vem do estrangeiro… Se a madeixa sedela vem do estrangeiro por cento e cinquenta mil réis, qual é a razão de vender a trezentos e trinta? (O que não vem elevado)! Porque agora parece-me a mim que comprei uns

anzóis… Que a um viajante, há dois meses, (vi eu) levar anzóis para vender a vinte e

seis… Para ele venderam-lhe a doze escudos e ele só podia vender a vinte dois. Portanto que as coisas vêm baratas. O mais, eles estão têm os seus operários, têm é claro, têm os seus… Nas casas têm que pagar, mas isto também não é assim que se faz. INQ Pois.

INF1 Bem, tem que ter uma percentagem, a gente sabe disso, as coisas estão caras, eles também… Um homem já ganha nove ou dez contos. A gente sabe bem disso. Mas

as coisas é tudo normal. Aumenta este... Foram aumentados cem, está a vinte nove

escudos os anzóis, para o mês que vem está a trinta, para o outro mês…

(ALV03-C, p.04-05)

O contexto da primeira ocorrência já foi analisado anteriormente; é o mesmo do caso de sujeito anteposto ao verbo em que se fala da confecção do queijo, há alternância entre o sentido de ‘o queijo’ e ‘os queijos’. Nesse caso, a marca de plural é recuperada no adjetivo ‘apertados’ da estrutura predicativa, que não deixa dúvida de que o sujeito oculto seria plural. Já que a alternância entre sentido singular e plural é tão frequente nesses contextos, só é possível afirmar com segurança que o sujeito oculto é plural em frases como essa ou como a da segunda ocorrência, em que se vê claramente a repetição do referente da oração anterior (‘está a vinte nove escudos os anzóis’).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observou-se, nos dados analisados do CORDIAL-SIN, um índice de perda de concordância de 3,5%, ainda menor do que o encontrado por Souza (2005) no

corpus do português arcaico, sendo que não estavam incluídos na quantificação os

casos de sujeito no singular com sentido coletivo, e não houve ocorrências de sujeitos compostos ou complexos – casos em que é relativamente frequente a

variação na concordância verbal no português arcaico e no português culto escrito, segundo estudos de Souza (2005), Mattos e Silva (1989) e Peres e Móia (1995).

Entre as 32 ocorrências de verbo no singular com sujeito referencial na terceira pessoa do plural que foram quantificadas, estão 14 frases com sujeito posposto, quase todas com estruturas predicativas ou verbos inacusativos – estruturas que, segundo a análise gerativa, não seriam casos de perda de concordância, mas de concordância com um sujeito expletivo nulo que estaria ocupando a posição de sujeito.

Nos demais casos, com sujeito anteposto, sujeito retomado por pronome relativo e sujeito não-realizado, o desfavorecimento à marcação da concordância não parece estar associado ao tipo de verbo utilizado, o que é visível quando se constata que das 18 ocorrências, 10 são com o verbo ‘ser’, sendo que, em 7 delas, a variação entre singular e plural é de alta saliência fônica. Dessa forma, ao que parece, não é o verbo que está desfavorecendo a marcação da concordância, mas o contexto que favorece o uso do verbo ‘ser’ e uma alternância de sentido singular e plural do elemento a que se faz referência na conversação.

É preciso ainda ter em mente que deve haver uma parcela de casos, não passíveis de quantificação, em que a perda da concordância está associada ao caráter não-planejado da linguagem oral, uma vez que há sempre a presença de exemplos que fogem à regra, mesmo nas variedades mais próximas do padrão, quando a língua é falada.

Ao contrastar os dados do português arcaico às ocorrências do português europeu atual, observou-se uma linha reta de uso da concordância verbal ao longo do tempo, com um índice de perda de concordância extremamente baixo. Comparando-se essa linha reta de desenvolvimento da concordância verbal no português europeu ao uso da concordância no português brasileiro, pode-se perceber que, de um índice em torno de 5%, de perda de concordância existente no português trazido ao Brasil pelos portugueses (ainda que de classes sociais diferentes, já que os dados aqui apresentados, de perda de concordância, são de 3,5% entre falantes com baixa ou nenhuma escolarização, da zona rural), chegou-

se a índices extremamente altos, como aquele encontrado por Silva (2005), de 83% de perda de concordância, no português popular do interior da Bahia.

Seria possível ainda afirmar que o que houve no Brasil foi apenas uma tendência a um aumento da frequência de formas, neste caso, da perda de concordância. Seria possível, se não fosse o fato de que não houve, no caso do português brasileiro, um desenvolvimento de cinco séculos que permitisse que a língua seguisse um ‘curso’ e passasse de 5% a 83% de perda de concordância verbal. Esses 83% de perda de concordância trazem indícios da norma falada em momentos pretéritos do português no Brasil; a tendência, hoje, tem sido a aquisição da regra de concordância, com uma integração cada vez maior das comunidades mais isoladas à sociedade urbana – é o que se observa quando se compara o uso da concordância nas comunidades rurais mais isoladas ao uso da concordância nas capitais brasileiras.

Se as comunidades brasileiras mais isoladas apresentam um índice de até mais de 83% de perda de concordância, essa foi, muito provavelmente, uma das características da variedade do português falada por africanos e afro- descendentes, os principais difusores do português popular brasileiro, ao longo da nossa história. Dos 5% de perda de concordância usados pelos portugueses vindos nos séculos XVI, XVII, XVIII, XIX... passou-se a 83% ou mais, de forma brusca. Tais dados conduzem à idéia de que a variação na concordância verbal não seguiu uma linha ascendente, no caso do português brasileiro – não subiu uma ladeira, caminhando no sentido da perda de concordância: atravessou um muro; provavelmente, a barreira do contato linguístico.

REFERÊNCIAS

ALI, M. Said (1965). Gramática secundária da língua portuguesa. 6. ed. São Paulo: Melhoramentos.

ALMEIDA, Napoleão Mendes de (2005). Gramática metódica da língua portuguesa. 45. ed. São Paulo: Saraiva.

BAXTER, Alan N. (1995). Transmissão Geracional Irregular na História do Português Brasileiro: divergências nas vertentes afro-brasileiras. FOCO – O Português no mundo, n. 14, dez., p. 72-90.

CARRILHO, Ernestina (2003). Ainda a “unidade e diversidade da língua portuguesa”: a sintaxe. In: CASTRO, Ivo; DUARTE, Inês. (Eds). Razões e Emoção: Miscelânea de estudos em homenagem a Maria Helena Mateus, v. I. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda. p. 19- 41.

LUCCHESI, Dante (2004). Contato entre línguas e variação paramétrica: o sujeito nulo no português afro-brasileiro. Lingua(gem), Macapá, v. I, n. 2, p. 63-91.

MATEUS, Maria Helena et al. (2003). Gramática da língua portuguesa. 5. ed. Lisboa: Caminho.

MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia (1989). Estruturas trecentistas: elementos para uma gramática do português arcaico. Lisboa: IN-CM.

PERES, João Andrade; MÓIA, Telmo (1995). Áreas críticas da língua portuguesa. Lisboa: Caminho.

ROCHA LIMA, C. H. (2000). Gramática normativa da língua portuguesa. 38. ed. Rio de Janeiro: José Olympio.

SILVA, Jorge Augusto Alves da (2005). A concordância verbal de terceira pessoa do plural no português popular do Brasil: um panorama sociolingüístico de três comunidades do interior do estado da Bahia. Tese de Doutorado. Universidade Federal da Bahia, Salvador.

SOUZA, Pedro Daniel dos Santos (2005). Concordância verbal em português: o que nos revela o período arcaico? Dissertação de Mestrado. Universidade Federal da Bahia, Salvador.

O COMPORTAMENTO DAS ESTRATÉGIAS RELATIVAS EM UMA