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4.1 SER PROFESSOR DA EJA

4.1.2 Oferta de ensino à noite

Trabalhar na EJA é diferente. A especificidade do turno noturno é apontada como uma peculiaridade bastante pontual que necessita ser olhada com atenção. Esse aspecto não é diferenciado, por exemplo, do ensino médio noturno, pauta colocada em questão pelo professor Leonardo e respondida pelo professor Pedro. O professor Leonardo, perguntou: “trabalhar de noite na EJA ou se tu pegar uma escola do estado e trabalhar de noite com o ensino [...] médio também é diferente do dia?”, e o Professor Pedro responde: “também, também é diferente”. Algumas características de estudar à noite, respeitando as distinções da EJA, se assemelham a qualquer modalidade que seja oferecida neste turno: cansaço dos alunos, dos professores e necessidade de estar nesse turno. Carvalho (2005, p. 80) expõe de maneira enfática sua crítica sobre a necessidade social dos cursos noturnos. Vejamos:

O curso noturno tem sido um diurno piorado. O professor não se aprofunda nas diferenças entre o diurno e o noturno; não há relação entre o diurno, o noturno e a condição de trabalhador do aluno e do professor.

A oferta da EJA sendo exclusivamente no turno da noite, visando atender aos alunos que têm a necessidade de exercer suas atividades laborais no turno diurno, define que estudar à noite é condição para quem quer usufruir da EJA como modalidade de ensino. Esse fato conduz a particularidades de comportamentos dos alunos que, segundo os professores, necessitam ser levados em consideração. Uma delas é o cansaço no momento das aulas. Segundo o professor Pedro: “os cara tem interesse em estudar de noite, só que [...] não aguentam”. As falas dos professores Eduardo e Leonardo vão ao encontro do professor Pedro:

Eduardo:

Têm alguns alunos, eu já tive [...] atualmente, até dando aula ali [...] têm dois alunos que dormem à noite na sala de aula, de cansaço, não é desinteresse, são caras que trabalham o dia inteiro e vão de

noite pro colégio, tu vê que vão baleado, sabe, sem condição, trabalho pesado, numa obra.

Leonardo:

E assim ó, o que eu aprendi é o seguinte, justamente isso aí, com o aluno. Quando ele não tá aguentando mais ele vai parar, e aí o que eu aprendi e trouxe pra cá, aí chega na aula, tava muito bem trabalhando daqui a pouco, [...] param, vão sentar nos bancos e tal, aí eu vejo aquilo e o pessoal, não querem mais? Não [...] então tá bom, não querem mais, vamos ficar numa boa.

Alguns professores compreendem as dificuldades dos alunos e procuram romper com o modelo de ensino escolar que é proporcionado para os alunos da noite que segue a mesma forma do diurno.

Este posicionamento refere-se a algumas características dos alunos. Pedro: “porque eu acho que é [...] vou dizer assim, a cabeça do aluno vai até uma certa hora. Não é assim horário, horário, horário. Aguenta até uma certa coisa, não adianta querer forçar”. A professora Regina também traz a sua contribuição:

[...] tem uns que levantam quatro da manhã. Alunos com idade de 16, 17 anos que levantam às quatro da manhã pra trabalhar. Daí chegam em casa, dormem uns minutinhos e vão para o colégio. Tem um horário que eles não escutam mais nada do que tu diz pra eles. (Regina)

Esse cansaço percebido pelos professores nas aulas reflete a vida bastante ocupada dos alunos, dividindo tarefas entre afazeres familiares, do trabalho e ainda buscar a escola como esperança de um futuro melhor.

Outra característica gerada pelas diversas atribuições cotidianas é o atraso nas aulas do primeiro período. Como regra geral, o aluno não pode entrar na escola quando chega atrasado. Sobre isso o professor Leonardo se pronuncia:

[...] o cara chega na aula, começa as seis e meia, o cara chega as seis e cinquenta, o cara tem que entrar. Eu sou a favor disso. [...] ele tem que entrar. O cara vem cansado, tu não sabe o que o cara fez, ah, mas uns estão mentindo [...], mas como é que tu sabe que a criatura tá mentindo?

O mesmo professor continua descrevendo com suas palavras as falas dos alunos em alguns momentos:

Bah professor, ela não me deixou entrar ali [...] olha aqui as minhas mãos [...] eu trabalho no açougue, tô cortando carne o dia inteiro, eu mostrei e ela (a supervisão) não acreditou. [...] aí vem outro: bah professor eu tava no obrão, eu não aguento fazer isso aí, os meus braços estão inchados, posso ficar sentado lá? Pode, pode. [...] Tu fica até às dez da noite, falando, as criatura louco de cansado, [...] esse cara tá louco [...] eu vou embora.

Durante as observações percebi os atrasos nas aulas como fato comum nos primeiros períodos. Os professores que lecionam nos primeiros períodos têm uma certa dificuldade no início da aula por conta destes atrasos, mas têm que aprender a conviver com esta característica. A aula, algumas vezes, começou com dois ou três alunos e os demais foram chegando aos poucos. Segundo a professora Juliane, na sua escola foi realizada uma estratégia que amenizou essa dificuldade. Vejamos:

Numa semana eu começo com a etapa V “A” e na outra semana eu começo com a etapa V “C”. Porque assim aquele aluno não perde sempre a minha disciplina e qualquer outra, então alterna e o aluno não perde sempre a mesma disciplina.

A professora refere “A” e “C” para duas turmas diferentes no mesmo ciclo. Se a professora inicia sempre com a mesma turma, alguns alunos dessa turma sempre perderiam uma parcela da aula de educação física pelo fato de necessitarem chegar além do tempo estabelecido para o início da aula. Alternando com o professor da outra disciplina, um dia os alunos perdem um pouco da aula de educação física e outro dia da outra disciplina, equalizando tempo para todas.

Segundo Paiva (2005), as posturas legais que adotam o horário de funcionamento a partir das 18 horas não percebem sua inadequação expressa na incompatibilidade do horário de final de jornada de trabalho para aqueles alunos que trabalham. Ações que impedem o acesso à escola (nova exclusão do sistema), tais como fechar os portões negam a participação dos alunos-trabalhadores na aula. Essa atitude, conforme o autor, se constitui num ato de desrespeito ao esforço dos que, tendo condições precárias, necessitam gastar dinheiro para ir à escola e são tratados como irresponsáveis.

4.1.3 Jovens e não tão jovens: momento de convivência