• Nenhum resultado encontrado

Oitava categoria analítica: “colonizando a ilha”

3. RESULTADOS E ANÁLISE DOS DADOS

3.2. GRUPO 02: A EDUCAÇÃO AMBIENTAL

3.2.4. Oitava categoria analítica: “colonizando a ilha”

“silêncio na mata a mariposa pousa na flor outro silêncio”

Alice Ruiz

Essa categoria mudamos a analogia para uma ilha, para refletirmos sobre a origem da educação ambiental. Essa categoria engloba tanto a origem da educação ambiental na escola, considerando a escola e o ambiente externo, como dentro da escola, considerando os agentes educativos que compõem essa escola e a relação da educação ambiental como tema transversal. A maioria das escolas trabalha a educação ambiental por meio de projetos externos (n=9, 56%, ver quadro 2), seja por fontes governamentais (como o Projeto Sanitarista Mirim citado anteriormente) ou por empresas privadas.

É meio que na Própria escola mesmo. Assim, eu não vejo nada. Não vejo e não faço. Eu não tenho assim, essa… essa… fórmula, não. Pelas empresas mesmo, é verdade, as empresas que vem nas escolas. Provavelmente a direção vai te dar informação, porque aqui já teve, já teve projeto. Eu não participei, mas eu acho que já teve projetos de empresas aqui, que vieram para cá sim. (Professora Araticum, Escola Cerradão).

É… mas esses projetos, os projetos externos, ou o que essas ONGs apresentam como uma possibilidade, para gente é muito viável, se aproxima muito mais. É, quando a gente fala, por

exemplo, desses projetos externos, para algumas pessoas fica parecendo que é só uma questão financeira. Porque existe isso também. Os projetos têm que ser implantados e eles recebem para ser implantados dentro da escola. Mas pensando em valor e em avanço isso foi um avanço para a educação ambiental, porque eram temas que as vezes nem eram discutidos e que… Eu estou aqui desde 2010… De 2010 para cá, começam a ser discutidos. Por projetos financiados ou não. Então para gente, a partir do momento que o servidor está disponível e vê isso como importante para escola, vai ser trabalhado nesse espaço. Do contrário não vai. E… então o avanço eu vejo muito mais fora da escola do que dentro dela. Aqui dentro da escola é uma temática sempre abordada, mas nos outros espaços que eu trabalho, e trabalhei, eu não percebi tanto avanço assim na questão ambiental. A própria separação de resíduos sólidos, assim, o tanto que isso é discutido na mídia e o tanto de gente que ganha dinheiro com isso, ou vive só disso, e algumas escolas nem discutem isso. E está presente há tanto… faz quanto tempo? Se está na mídia poderia ter discutido ou estar sendo discutido e ainda não é.

Existem algumas escolas que a própria prefeitura tentou implantar, como uma proposta. Ela até implantou, no município né, a coleta seletiva em alguns bairros…

E isso tentou se passar para a escola, o que deveria ter sido um processo inverso. Deveria ter ensinado primeiro na escola, ter colocado isso como uma cultura mesmo das crianças, que elas mesmo já iriam fazer isso em casa. Não ia precisar de ninguém separar… eu acho importante aliar esses dois. (Diretora Buriti, Escola Cerrado Rupestre).

Eu tenho uma parceira bacana aqui que é a BRF. Apesar de todo estrago que ela faz no mundo (risos)Mas… eu precisei de esterco, quando eu fui tocar a horta, eu fui lá e conversei com um veterinário responsável. Ele me mandou 18 metros de esterco de galinha, que é um dos mais nutritivos, despejou ali. Deu mau cheiro na escola inteira… (risos). Mas nós usamos… (Professora Gabiroba e Diretor Camboatá, Escola Mata Ciliar)

O apoio financeiro é muito apreciado pelas escolas, principalmente pelos diretores, pois viabiliza diversos projetos devido ao aporte financeiro (por exemplo a doação de esterco para o projeto de horta do diretor Camboatá na escola mata de galeria) ou ao apoio logístico (como o projeto sanitarista mirim). Muitas vezes esses projetos permitem trabalhar temas que não seriam trabalhados normalmente na escola, como explicitado pela fala da Diretora Buriti, da escola Cerrado Rupestre. Nesse modelo a escola age como uma ilha, sendo colonizada pelos projetos externos.

No entanto essa intrusão também pode ser vista como uma outra ótica. Principalmente quando refletimos qual a concepção de educação ambiental que esses projetos trazem e qual a razão que eles estão sendo executados. Uma crítica interessante é feita pelo professor Pequi da Escola Cerrado:

Quando a Baru [nota da transcrição: a diretora da escola] falou que você vinha aqui eu já imaginei que nossa, aquele pessoal que vem aqui na escola todo ano, fingir que faz alguma coisa, que dá uma palestra para os meninos, assim… Eu sou bem sincero em relação a isso, as palestras que na minha aula elas já estão diluídas ali tipo… aqueles conceitos que eles estão falando ali, tipo uma coisa meio meia boca e eles acham, tipo assim, eles cumprem… assinam o ponto deles provavelmente lá no órgão público ou na empresa privada, e esses trabalhos meia boca vem para escola, as vezes, eu imagino que atrapalha as vezes uma sequência de raciocínio que a gente está fazendo porque eles chegam no dia que eles querem, então falam assim, nós estamos vindo na escola, vocês tem que abrir as portas para nós, e na verdade esse trabalho não tem resultado nenhum, assim com os meninos

Então assim... Que educação ambiental é essa? Eu detesto, eu vou falar com sinceridade, eu detesto fazer trabalho junto com órgão público que não é da área de educação e com órgão privado que vai fazer trabalho na escola para reduzir imposto. DETESTO! Eu não vou falar que as temáticas que eles trazem são batidas, porque não são não, eu acho que a temática ambiental, qualquer ponto dela, nunca é batido, mas assim, a abordagem deles é totalmente tosca, ahm… superficial, e eu acho que as vezes não leva... Não tem um certo respeito com o trabalho que já está sendo feito na escola. Porque muitas vezes eles vem na escola, e aqui na escola eu sou tido como o chato do rolê por isso, por quê, ham.., é… quando eles chegam na escola as vezes para perguntar alguma trabalho, muitas vezes eu falo, tipo ó…, sinceramente, sinceramente, não. Não tenho saco mais e… aí então, tipo assim, eles vêm fazem o trabalho de qualquer jeito, porque é claro. Assim, eu não vou criticar a direção por isso porque todas as direções são assim. Elas têm que ter um trabalho administrativo, elas têm que receber pessoas de fora, etc. E tal. Para fazer eventos na escola e tudo mais. Movimentar a escola. Ammmm… Mas assim, eu não tenho saco mais para isso e eu acho que eles não respeitam o trabalho de quem já trabalha nessa parte. (Professor Pequi, Escola Cerrado)

De maneira similar a escola, que funciona como uma ilha, sendo colonizada por projetos externos, a educação ambiental também é tratada como uma ilha pelos professores na maioria das escolas entrevistadas. O caráter interdisciplinar muitas vezes é relegado e fica sobre a responsabilidade do professor de ciências ou de geografia a execução da educação ambiental.

- Eu acho assim que… Por exemplo falta a a… escola ahmm… trazer o aluno para o... o... o… conteúdo ou para o tema transversal de uma forma que ele se veja naquilo ali Os professores não conseguem ainda sair desse protocolo praaa… ter uma prática mais… Até o professor, eu acho que...que.. Se vê obrigado a trabalhar educação ambiental quando ele não gosta, por exemplo ou quando ele não se vê como agente também… quando ele não se vê como agente também. Igual o aluno não consegue se ver como agente as vezes o professor também não consegue se ver como agente. Enquanto o professor também não chegar até a sala de aula amm… vou usar a palavra, não sei se é o correto, mas tipo... Militando em relação ao tema, ele não vai conseguir am… alcançar o aluno e vai continuar fazendo o protocolo para sempre, até ele aposentar. Até porque, como eu falei que é centralizado no… na… no professor de ciências, ou de biologia, ou etc. Ahhmmm Tem também os professores das primeiras séries, das séries iniciais do ensino fundamental, que a formação por exemplo é em pedagogia. Não estou falando que a formação seja deficiente, mas a formação em pedagogia ainda precisa ser bem revista, ammm, para trabalhar áreas específicas. Porque eu acho que a ciência, a educação ambiental, etc. tem que ser trabalhada desde lá, o ensino infantil. E não é porque a preocupação hoje é as crianças vão sair daqui alfabetizadas? Elas não podem ser reprovadas… Elas não podem ser reprovadas, mas elas têm que sair alfabetizadas. Então elas saem mal alfabetizadas. Nem uma coisa nem outra. Difícil. Mas desculpa o desabafo também. (Professor Pequi, Escola Cerrado)

Até dentro da escola isso acontece, a gente acaba restringindo a educação ambiental só para um professor de ciências, ou as vezes um professor de geografia. Então a gente precisa as vezes mudar um pouco isso e entender que a educação ambiental pode ser… interdisciplinar, vamos dizer assim. O professor de história pode trabalhar isso, quando a gente pensa no ambiente onde, onde… esse aluno vive, né. Mas isso assim, é na minha concepção, quando a gente pensa no ambiente como o espaço onde a gente está. (Diretora Buriti, Escola Cerrado Rupestre)

Agora na questão da disciplina, é uma disciplina que quando a gente vai trabalhar, a gente trabalha sozinho, né, Camboatá. É, embora ela esteja… é, nas leis, ela esteja… olha é uma disciplina que permeia todas as outras, né? Você vai ter um negócio de água, por exemplo, olha, Gabiroba você podia fazer isso, Camboatá, você podia fazer isso… Entendeu? É restrito…É como se ciências e geografia fossem salvar uma situação, que eu não consigo entender, porque não dá para colocar, por exemplo, numa aula de matemática, numa aula de… história. (...) Ela tem que estar presente mas, ao mesmo tempo, o currículo fala para você: Olha Gabiroba você tem que… , as diretrizes do município, você tem que dar isso no 6º ano, né. Ao mesmo tempo chegam aí umas provas externas, agora parece que está diminuindo essa questão de provas externas, que vai cobrar EXATAMENTE o currículo do 6º ano. Entendeu? Isso aí não vai cair para o menino, ele vai entender isso aí mais para vida dele mesmo (Professora Gabiroba e Diretor Camboatá, Escola Mata Ciliar)

Então, assim, de forma ativa não tem. Então assim quando a gente trabalha ecologia, ou quando a gente trabalha… no sexto ano a gente trabalha ecologia e no sétimo ano eu trabalho é… zoologia, botânica. Aí lá é que eu tenho alguma ou outra inserção, uma ou outra informação que eu falo e tal… É meio que na Própria escola mesmo. Assim, eu não vejo nada. Não vejo e não faço. Eu não tenho assim, essa… essa… formula, não. (Professora Araticum, Escola Cerradão).

Quando consideramos a interdisciplinaridade é essencial a participação da direção da escola, para criar pontes entre os professores e difundir um projeto na escola. O exemplo claro é da Diretora Buriti e sua equipe pedagógica, que mudaram a concepção de educação ambiental da escola Cerrado Rupestre. Antes a educação ambiental era tratada por meio de projetos externos e diluída no meio do dia-a-dia, no conteúdo dos professores de ciência. Esse ano eles estão aplicando o projeto interdisciplinar da reciclagem, que envolve todos os outros professores, e permite abordar com mais profundidade os temas tratados.

Com base nas categorias analíticas podemos perceber que existem duas correntes conceituais em exercício nas escolas rurais entrevistadas: a corrente conservadora e a corrente participativa/transformadora. Uma questão interessante é que o principal fator que separa essas duas categorias analíticas é o tempo de formação: entrevistados que adotaram corrente participativa transformadora declararam ter um tempo médio de exercício de atividade de 8 anos (n=7, DP=± 3.35), já os entrevistados que adotaram a corrente conservadora têm em média 27 anos de exercício de profissão (n=7, DP=± 3.15). Essa diferença apareceu na entrevista da professora Mangaba, sob a ótica dela:

Então ela [NT: A educação Ambiental] não foi colocada numa… assim, de uma forma, vou usar esse termo inadequado, rigorosa, né? Assim, fechada, obrigatória [NT: Como uma disciplina]. Então por ser uma temática transversal ela passa pela… pelo crivo aí de cada profissional, né. (...). Está vendo que até na… na… Instituição federal, na graduação e na pós-graduação, até está havendo uma abertura de pensamento quanto a essa questão de educação ambiental, porque não

tinha isso. A gente tinha uma disciplina ecologia no currículo antigo, mas que focava a questão de educação ambiental também, mas mais a flora e fauna. Era bem, assim, compartimentado mesmo. (...). Nem só eu, nem a Buriti, tão pouco o Murici somos donos da verdade né. Então a gente tem uma percepção, cada um de nós, pela bagagem cultural mesmo, acadêmica., a gente tem uma visão de determinado ponto (...). Agora, ao longo desse tempo, dessa jornada de trabalho, mudou muito [NT: A educação ambiental]. Mudou. A formação continuada que a gente sempre está fazendo, a gente muda muito a nossa práxis. A nossa formação acadêmica, você passou recentemente por ela, você viu que precisa de várias reformas nessa área também, né. Mas pelo fato, é aonde eu quero chegar e esclarecer, não teve probl… questão de sentir ofendida, mas pelo fato de fazermos educação ambiental, oferecidos não só pela universidade, mas por outras instituições também, ou até mesmo pelo MEC, pode… tão mudando a concepção tradicionalista, revendo vários fatores, várias questões, né, vários pontos, e deixando então, as poucos, não vou falar que a gente deixou totalmente porque isso não acontece, a gente está sempre aprendendo, de ser, de ver a educação ambiental só naquela época do mês de Junho... Pontual. A gente vai permeando no currículo, normal.... (Professora Mangaba, Escola Cerrado Rupestre).

Também é importante ressaltar que no nosso universo amostral a educação ambiental entra majoritariamente na escola através de projetos pontuais, realizados por iniciativa externa, ou é diluída na prática docente ao longo do ano, sem um projeto específico, funcionando mais como uma orientação pedagógica. Além disso geralmente esse processo fica ilhado nas mãos dos professores de ciência e geografia, com a direção servindo de ponte entre a fonte dos projetos externos e esses professores.