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3. RESULTADOS E ANÁLISE DOS DADOS

3.2. GRUPO 02: A EDUCAÇÃO AMBIENTAL

3.2.1. Quinta categoria analítica: ética e dever

“um trovão pergunta outro ao longe responde pingos nos is”

Alice Ruiz O que chama a atenção nas respostas sobre educação ambiental é que elas foram divididas em dois grandes grupos: o grupo que trata educação ambiental como um dever (essa categoria) (n=8, 50% das entrevistas, ver quadro 02) e aquele que considera a educação ambiental como o processo de colocar-se como parte do meio ambiente (a segunda categoria) (n=5, 30% das entrevistas, ver quadro 02). A ética e o dever são as categorias mais comuns de ouvir na nossa sociedade, que engloba a educação ambiental como um processo de dever. O exemplo mais citado é: “Você não pode jogar lixo no chão” e nós devemos preservar a natureza para as gerações futuras.

É uma pergunta assim… complicada nos dias atuais, né. Porque assim, educação ambiental é muito amplo né? (…) Mas assim, a visão que a gente tem, assim, enquanto professor, né, é passar um pouquinho, né, dessa conscientização para os nossos alunos. Porque assim a gente tenta um mínimo passar, embora a gente… aqui a gente não pratica muito, a gente, os professores fazem né um trabalho, com os meninos, desde o primeiro ano, né, mais principalmente na área de ciências, geografia, né. Mais … interligado. As matérias afins. Com… e vai trabalhando essa conscientização com eles, então assim, eles já chegam na escola com outra visão. Com relação aos assentamentos, vários desmatamentos por conta desse assentamento, né, então, assim né, aquela coisa assim, meio que você vive em uma realidade rural, onde eles… eles praticam ações nocivas ao meio ambiente, né, agrotóxicos, tudo né… tem uma fazenda gigante aqui, que tem lavoura, soja né. Então eles lidam com isso o tempo todo, aí não usam os equipamentos do agrotóxico, batem veneno de qualquer jeito né, então assim…… É uma coisa que assim, é muito difícil, a gente tenta com a teoria incutir aquela responsabi…, mas, Ah não tia, mas meu pai faz isso a muitos anos. Né. Tipo lavar o recipiente que vem o agrotóxico no rio e reutilizar aquela vasilha. Então isso é comum para os nossos alunos aqui. Eu acho, assim, que a dificuldade maior seria a conscientização mesmo, né. Tornar-se consciente, né, que ela precisa do meio ambiente e procurar alternativas de formação, alguma coisa assim, para tentar divulgar. (Diretora Cajuzinho, Escola Cerradão)

Porque é uma atitude, a questão ambiental, é uma mudança de atitude. É cultural isso. Então, não vai ser de um dia para o outro que a gente vai conseguir superar, e vamos dizer assim, minimizar todas as questões, que são bastante amplas. (…) Então eu procuro encaixar, colocar, assim as relações pessoais, interpessoais, nessa problemática. não foca somente a fauna e a flora, e os ambientes, mas também (…,) já tira aquela visão antropocêntrica da ecologia.

É eu penso em educação ambiental como uma prática individual, da seguinte maneira: A gente começa pelo exemplo, então nada mais natural, que eu ter uma prática e cobrar a partir da minha prática, sendo um educador ambiental. E acredito que a transmissão desses valores para a comunidade escolar vai render frutos, com certeza, porque a palavra enverga, mas o exemplo arrasta. Então eu acho que é por aí, essa forma de trabalhar a educação ambiental. Não adianta eu ter um discurso, e a minha prática ser outra. (Professor Mangaba, Escola Cerrado Rupestre) E uma dificuldade muito grande é a pessoa assimilar e colocar isso em prática. Por exemplo, a gente sempre fala muito com os alunos, pelo menos eu falo. Eles jogam lixo no chão. Aí eu fico assim, nossa lá na sua casa sua mãe deixa você jogar isso no chão? Não, ela não deixa não. Se eu jogar ela me bate. Pois é, você está aqui e você fica tantas horas, porque você não faz? Aí ele começa a pensar. A impressão que dá é que a teoria eles têm, se chegar para qualquer aluno aqui e perguntar da dengue, né que a gente já fez o trabalho, já fizemos redação. Eles vão saber. Mas eles não colocam em prática. (Professora Barbatimão, Escola Vereda).

Quadro 2 - Quadro síntese das respostas à pergunta desencadeadora: o que é educação ambiental na sua experiência? QUADRO SÍNTESE DA RESPOSTA: O QUE EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA VOCÊ?

RESPOSTAS TEMAS CENTRAIS FREQUÊNCIA CATEGORIA

N %

Se ver como parte do meio ambiente 5 31,25 Ética e Dever

Cuidar do meio ambiente 2 12,5 Diferenças entre as concepções geracionais

Ação transformadora 2 12,5 Diferenças entre as concepções geracionais

Ir além das datas temáticas 3 18,75 O Caminho das águas

Conscientizar o aluno 4 25 Ética e Dever

Dever de preservar/ Responsabilidade ambiental 8 50 Ética e Dever

Não faço educação ambiental 1 6,25 Colonizando a ilha

Projetos externos 9 56,25 Colonizando a ilha

A gente briga, briga, briga aqui com os meninos, né. A questão do lixo, porque aqui o maior problema que a gente tem é a questão do lixo dos meninos. Que eles jogam o papel de bala. Essa educação ambiental, eu acho que ela tinha que começar em casa. Se eu te levar em algumas casas aqui, você vai assustar. Tem lugares aqui, que você olha debaixo da mangueira, tem tanto lixo… Tanta sacolinha. Sabendo-se que a vaca, se comer a sacolinha, ela vai morrer… mas tem. Eles acabam de comer a comida e joga. Então, na verdade, a… essa educação ambiental eu acho que ela deveria começar do menor para o… para os espaços, né. Porque a gente trabalha com as crianças aqui, pensando-se que a gente vai trabalhar com seus pais, não é? Não é?

Mas a maioria dos pais não fazem… Não fazem! É isso que eu estou te falando…

A questão do agrotóxico, né, que eles usam. Eu acho que é uma questão muito grave, né. E eles tem esse manuseio direto(…) Uma coisa assim, como é que eu te falo… Não acreditar. Que eu acho que não tem outra definição. Ele não acredita que aquilo é tóxico…

E que pode vir a fazer mal.

… e que pode matar ele. Eles não conseguem acreditar. Eles acham que, por exemplo, não, assim… ah, você é mulherzinha, por isso que você está de máscara, de luva. Você entendeu. Aí a gente tem um projeto. Esse projeto é… são com os alunos da tarde, é aquele lá que você está vendo, a caçambinha ali fora. Eles vêm de manhã uma vez por mês, para organizar a escola. Aí eles vêm, limpam a escola todinha, recolhe o lixo, coloca lá. Se você olhar… hoje a escola está limpa, aí eles passam na sala de manhã, ai eles fala, nossa, puxa mas é difícil hein. Aí eu falo, para vocês verem, o quanto é cansativo, o quanto é difícil manter limpo. Pronto. Então a gente tenta fazer isso com eles. Sabe? Coloca o lixo no bolso, coloca o lixo em uma sacola, depois você vai lá e descarta o lixo. Mas é o que a Jatobá falou, é um trabalho assim… de formiguinha, sabe. Bem lento.

Eu acho que essa educação ambiental é o que a gente está falando aqui mesmo, é a questão de casa. Sabe, mas eu acho que muitas vezes um pouco da pobreza de espírito mesmo, quando uma pessoa não tem nada, né. Então, nada é nada, né. (Professora Jatobá e Diretora Bacupari, Escola Campo Limpo).

Essa categoria pode ser enquadrada na Educação Ambiental Conservadora, conforme classificada por Guimarães (2004): é uma educação ambiental que mantém o paradigma hegemônico da sociedade atual. Ela não incentiva ao pensamento crítico, ao ativismo ou a

discussão política, sendo que a discussão ambiental é reduzida ao ambiente local, sem estabelecer ligações de causa e efeito, ou uma relação mais profunda com os agentes do processo.

O aluno encara esse tipo de educação ambiental como um dever, uma obrigação, sem entender as consequências, por exemplo, que o seu ato de jogar o lixo no chão pode causar. E, ao mesmo tempo que existe um diálogo na escola, existe uma prática diferente no núcleo familiar, como foi evidenciado pela fala da Diretora Cajuzinho. Esse conflito entre teoria e ato acaba gerando uma prática educativa vazia, não significativa: como a professora Barbatimão ressalta, eles têm a teoria, mas não a colocam em prática. Uma interessante reflexão dessas falas é de que a escola sozinha não dá conta do diálogo, é necessário que haja uma integração da sociedade, principalmente dos núcleos familiares dos alunos, para que essa educação ambiental seja efetiva.

Uma crítica a esse modelo de educação ambiental é que cria uma separação entre o meio ambiente e o estudante. O meio ambiente é algo externo, é a floresta, o Cerrado… Eu tenho que preservar esse algo externo, que eu não conheço direito, não tenho nenhuma relação emocional, porque é um dever. O vínculo e a relação não existem para o estudante, não leva a uma prática reflexiva (JACOBI, 2005).

Ao mesmo tempo podemos analisar essa modalidade de educação ambiental sob a ótica do hipermodernismo de Lipovetsky (2005, 2007). Para o filósofo francês nossa sociedade vem passando por mudanças nos seus paradigmas, principalmente na questão ética e do dever. Diferente da modernidade, onde o dever ocupava uma posição de destaque (seja o dever com a pátria no período das grandes guerras, seja com o modelo político-econômico durante a guerra fria), na hipermodernidade o individualismo prevalece sobre o coletivo e o senso de dever é modificado para atender essa alteração. Surge uma cultura inédita que prega mais

propriamente as normas do bem-estar do que as obrigações supremas do ideal. A ética aparece em todos os lugares, mas deve ser uma ética fácil, não existe mais um sacrifício pessoal em prol de outra pessoa.

O exemplo ambiental usado pelo autor em seu livro é muito interessante: nunca se doou tanto dinheiro as causas ambientais e, no entanto, a participação cívica, em termos de tempo gasto nunca foi tão pequena. A hipótese elaborada pelo autor é que existem mais doações, porém cada pessoa doa menos do seu tempo e dinheiro. Elas agem de maneira ética quando isso não é um sacrifício pessoal. Essas hipóteses e dados foram elaborados para a sociedade francesa, porém creio que podemos fazer um paralelo interessante com nossa sociedade atual e inclusive levantar essa hipótese para explicar o efeito da falta de ação, exemplificado pela professora Barbatimão.

Outra vertente um pouco menos baseada no dever, mas ainda relacionado a essa categoria é o “cuidar do meio ambiente”, ou conscientizar para o cuidado do meio ambiente. É um discurso com menos negatividade na sua formulação (não se usa o imperativo negativo, como “você não pode demorar no banho” ou “não jogue lixo no chão”) e gera uma ligação levemente emotivo-afetiva, com relação ao cuidar, nutrir. Mas na maioria das vezes esse discurso mantém a mesma relação com o paradigma hegemônico.

Bom, para mim o conceito de ambiental é cuidar do ambiente. Mas quando eu penso o ambiente, é tudo. Eu estou no ambiente. Né? Então sou eu, o que está em volta de mim, as pessoas que tão em volta de mim. É todo esse espaço. Né, é tudo isso. É cuidar disso. Eu vejo como esse trabalho de conscientização mesmo. E ação.

Eu tenho um projeto interno. Né, nós estamos com um projeto interno junto a monitores, e ele vai ser ampliado junto aos demais professores, sobre o cuidado desse espaço.No sentido de… de… de cuidar desse ambiente. Cuidar e como nós podemos melhorar ele. E tudo, não é só o ambiente árvore, planta, jardinagem. Também. Mas também o cuidado com a sala, o cuidado com o colega… (Diretora Baru, Escola Cerrado)

[NT: Educação ambiental] é um assunto que deva estar MAIS presente. A gente tem que começar desde lá, a educação infantil. EU cuidar do meio ambiente que eu estou. Que eu faço parte dele. Eu estou na cadeia, ali do meio ambiente. E outra coisa, o meio ambiente ele me devolve o que eu coloco nele. Sabe o que esse meu aluno ele tem que aprender em relação ao meio ambiente? Ao cuidado?… A questão de eu cuidar melhor do ambiente que eu estou inserido.E a gente tem que atentar a que? O meio ambiente é o que? O meio ambiente é aonde eu estou inserido! E seu eu não cuidar, eu não estou cuidando de quem? De mim. Vou deixar essa terra para quem? (Diretora Genipapo, Escola Mata Seca)