• Nenhum resultado encontrado

UM OLHAR SOBRE A ARTE NO SÉCULO XX: CRIANDO UMA TEIA DE “CO-REFERÊNCIAS”

"Estou convicto de que, tal como Alice no País das Maravilhas, o artista terá que atravessar o espelho da retina para alcançar uma expressão mais profunda”.

Marcel Duchamp

Neste capítulo buscaremos compreender a Videoarte inserida no contexto geral das artes no século XX. Este movimento é importante porque o percurso escolhido foi o de tentar mapear nas artes aspectos que contribuíram diretamente para o surgimento da Videoarte, ou que foram herdados e reapropriados por ela.

Alguns pontos que nortearam o percurso marcam, em última instância, todas as expressões artísticas escolhidas para configurarem nossa “teia de referências”. São eles: fusão de mídias, tentativa de consolidar o conceitual e o sensorial, busca em religar arte e vida e crescente ênfase na participação/recepção do espectador, numa experimentação espaço/temporal na qual uma concepção homogênea e linear do tempo e um entendimento do espaço como algo já dado começam a ser questionados, o que possibilita o desencadeamento de novas percepções corporais.

Esses aspectos são importantes para a dissertação na medida em que as discussões sobre o corpo, a tecnologia e suas relações deflagram uma nova pragmática da arte que culmina em novos processos de percepção, que levariam a novas cartografias do corpo.

Desde os movimentos de vanguarda do começo do século, o corpo e a tecnologia surgem, cada vez mais, como objetos e sujeitos da prática artística. Começam a aparecer tendências que traduzem e antecipam as mudanças produzidas pelas tecnologias. Nesse contexto, a arte sofreu profundas reflexões que reconheciam e denunciavam uma

relação entre artista criador e espectador passivo denominada por Freitas (2000) “jogo estético tradicional”:

“Quando a Primeira Guerra Mundial começou, o que restava da confiança do homem comum do XIX esvaiu ralo abaixo. A loucura humana reacendia aquele comportamento coletivo tão historicamente colecionável: a violência, a revolta, a revolução, a insurreição, em suma, a guerra. E é desse contexto pavoroso que surgem os primeiros artistas europeus que realmente se dão conta da ineficácia do – ainda válido – jogo estético tradicional”.(FREITAS: 2000)

O papel tradicionalmente passivo e unívoco do espectador é, no século XX, totalmente revisto. É possível afirmar, que esse processo renovou o modo da percepção estética. Uma das características dessa nova conduta é que o artista começa a se confrontar com problemas e possibilidades surgidos com os avanços tecnológicos. Nessa situação, a artista parte em busca de um novo objetivo: procurar novas propostas sensoriais, novas percepções corporais, e a idéia de propor algum tipo de interação física entre a obra e o espectador.

Ao longo do século XX as noções aceitas e compartilhadas acerca da obra de arte foram repensadas e os limites da arte, tensionados da fusão de matérias de expressão à dissolução do objeto artístico. Os conceitos pré-estabelecidos de pintura, escultura e desenho expandiram-se, num movimento que retomou a propensão dadaísta para negar toda a linha de demarcação entre arte e vida. Através da experimentação estética vários artistas tentaram modificar as estruturas das regras artísticas.

O filósofo norte-americano Arthur Danto (apud VELOSO: 2000) criou a expressão "intractably avant-garde" para localizar um grupo de artistas contemporâneos que, pelo menos desde os anos 60, apresenta um trabalho avesso a qualquer apropriação meramente estética para simplesmente agradar ao olho ou

ocupar um lugar no mundo da arte. "Eles definem, antes, um limite que sempre será um limite” (VELOSO: 2000,13).

Nesse contexto, a arte ganhou novos contornos capazes de garantir de alguma forma a insubordinação de diferentes discursos e matérias de expressão face a padrões preestabelecidos. A idéia era que a arte passasse a ser agente ativo na vida social, abandonando o círculo restrito e conservador das belas-artes, "a liberdade dos loucos do rei na qual se quer limitar os artistas" (VELOSO: 2000,13) .

Esses artistas tinham uma característica comum: a noção de que o processo pelo qual se chegava até a obra era mais importante que o produto final. Criavam obras que buscavam atingir o espectador, onde o sentido só era viabilizado com a presença deste. Trata-se de um movimento que resgatava as idéias de Marcel Duchamp e a noção de ready-made, na medida em que proclamava o primado da idéia sobre a realização da obra de arte.

Veremos que a partir das décadas de 50 e 60 alguns artistas retomaram as idéias de certas vanguardas históricas para propor formas de arte inéditas, que não aceitariam mais a passividade e o isolamento dos espectadores. A arte conceitual estabeleceu como premissa a rejeição radical ao objeto de arte único. Seu papel é fundamental para esse desenlace, na medida em que, ao propor um diálogo metalingüístico, colocava o espectador em uma posição fortemente reflexiva diante da própria arte e de seus objetos.

Joseph Kossuth, por volta de 1965, ao adotar a concepção de que a expressão artística é um conceito, afirmou que a arte não necessita de objetos concretos. Assim, o simples deslocamento dos objetos de seu contexto habitual poderia provocar uma reação reflexiva do observador e uma conseqüente experiência estética. Esse movimento apontava para uma certa libertação da arte da influência do mercado artístico, no qual as

Figura 01- Joseph Kossuth- “One and three chairs”

Figura 02- Joseph Kossuth- “ One and three plants

obras de arte se transformavam em mercadorias para serem compradas e vendidas, como mais um objeto a ser consumido.

Kossuth se impôs na cena artística mundial com as obras “One and three chairs”, onde apresentava uma cadeira verdadeira, uma fotografia da mesma cadeira e junto

desta um texto em que se podia ler a definição de cadeira, tirada de um dicionário. Outra obra sua, “One and three plants” (Uma e três plantas), também seguia a mesma linha. Nessas obras, é clara a tentativa de resistência ao mercado com um objeto de arte que não pode ser vendido e revendido. A arte sofria uma flexão, no sentido da própria obra ser questionada, inclusive sua difusão e percepção.

2.1- Dadá e Futurismo: um sobrevôo em busca das relações entre o espectador, a obra de arte e a tecnologia na primeira metade do século XX.

A valorização da dimensão corporal, mais especificamente o uso do corpo como meio de expressão artística, e um franco interesse pela tecnologia tiveram seu

quanto nos dadaístas, que buscaram novas experiências ao cruzar múltiplos estímulos de modo a valorizar de forma mais ampla o corpo.

Com o advento das indústrias e das novas máquinas que surgiam no início do século ampliavam-se as possibilidades de novas experiências, principalmente no universo artístico. Segundo Ferrara (1989:20), a participação do receptor – “aviltada, desejada, repelida, solicitada, estimulada, exigida” – é a tônica que perpassa os manifestos da arte moderna em todos os seus momentos e caracteriza a necessidade de justificar sua especificidade.

A busca do espectador indica uma compreensão do sentido não mais como restrito à obra e sim como algo compartilhado. O espectador se torna participante.

O Dadaísmo e o Futurismo já faziam uso de ações espontâneas, criando exercícios de improvisação que incorporavam técnicas de várias artes. Os artistas se sentiam atraídos por vários domínios: escrita, teatro, arquitetura, escultura, dança e música, entre outros, ao mesmo tempo em que as novas descobertas técnicas e científicas os fascinavam e motivavam.

Com a publicação do “Manifesto Futurista”16

, os futuristas assumiram uma postura que rompia com os padrões artísticos e estéticos tradicionais. Para eles, o crescimento da tecnologia e o concomitante desenvolvimento da sociedade e do pensamento exigiam novas expressões em formas de arte.

A simbiose entre as artes, matérias de expressão e a procura por novas vias para explorar os caminhos da arte e suas relações com a tecnologia eram constantes nas propostas estéticas desses artistas.

16

Marinetti lançou vários manifestos. O mais conhecido foi publicado no "Le Figaro" em 20 de Fevereiro de 1909. Mais informações ver: As Onze Proposições do Manifesto. Disponível em:

No manifesto, Marinetti incitava:

“Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito à energia e pelo destemor. Os elementos essenciais da nossa poesia são a coragem, a audácia e a revolta. Tendo a literatura até aqui enaltecido a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono, nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo ginástico, o salto mortal e a potência de uma bofetada” (MARINETTI: 2001).

O manifesto propõe a aniquilação definitiva de toda e qualquer forma de tradição, anunciando uma pintura e literatura mais condizentes com a era das máquinas e da velocidade. Além do poeta Marinetti, o grupo incluía os músicos Pratello e Russolo; os arquitetos Antonio Sant'Elia; os pintores Giacomo Balla, Umberto Boccioni, Carlo Carrà, Luigi Russolo, Gino Severini, entre outros. Numa conferência em 1911, Boccioni afirmava o sentido dessa arte:

Queremos representar não a impressão ótica ou analítica, mas a experiência psíquica e total (...) Nossos corpos penetram nos sofás que sentamos, e os sofás penetrem em nós, como também o bonde que corre entre as casas nelas entra, e elas, por sua vez arremessam-se para ele e se fundem-se com ele(...) queremos reentrar na vida (...) rasguemos corpo tratemos de incluir nele o que o cerca” (BOCCIONI, apud LYNTON, 2000: 72)

Suas apresentações eram uma espécie de sarau em que interagiam música, filme, teatro e poesia, que incluíam recitais poéticos, concertos, leitura de manifestos, encenações (LYNTON: 2000). Preocupados com a interação entre as artes, alguns pintores e escultores se aproximaram da música e do teatro. O artista plástico Luigi Russolo, por exemplo, criou instrumentos musicais e os utilizou em apresentações públicas, após lançar em 1913 o manifesto “L'Arte dei Rumori” (“A Arte dos Ruídos”) e, em 1914, o manifesto “Enharmonic Notation for the Futurist Intonarumori" ("Notas

Figura 03- Luigi Russolo, “órgão barulho”

para uma Não Harmônica Máquina de produzir Ruído Futurista"). Russolo, no manifesto de 1913, afirma:

"No século XIX com a invenção das máquinas, nasce o ruído. Hoje, ruído triunfa e domina soberano sobre a sensibilidade dos homens. (...) e toda manifestação da nossa vida é acompanhada de ruído (...) ainda que a característica do ruído seja a de nos remeter brutalmente a vida, a arte dos ruídos não deve se limitar a uma reprodução imitativa." (RUSSOLO,1996: 51)

O que Russolo

queria era uma música que entrasse numa relação polifônica e constitutiva com o ruído vindo da vida social e urbana povoada de máquinas. Que o ruído “invadisse” a arte. A entrada do ruído na arte

também pode ser

compreendida como indicador de uma tentativa de (re) ligação entre a arte e a vida. O ruído retoma uma ordem simbólica constituinte do universo modal17, que é extremamente ruidoso, justamente por sua música ser marcada pelo domínio do pulso. Esse movimento traz consigo uma forte dimensão corporal.

Tentando expressar a vida moderna, os adeptos do Futurismo buscaram aproximar a arte da vida também de outras formas. Na pintura, por exemplo, a

17 Mais informações sobre o universo modal, ver WISNIK, José Miguel. O Som e o sentido. São Paulo: Cia da Letras, 2000.

preocupação é organizar o espaço de tal maneira que o espectador não fique apenas diante do quadro, mas seja transportado para dentro dele no momento em que o observa:

"Os pintores colocam objetos e pessoas diante dos nossos olhos. A partir de agora, nós colocaremos o observador no meio do quadro. Quando pintamos um personagem na varanda, visto de um espaço interior, não nos limitamos a retratar a cena sob o ângulo reto que a janela permite ver. Esforçamo-nos para dar à cena o conjunto de sensações visuais experimentadas pela figura que está na varanda: o burburinho da rua exposta ao sol, a fila de casas que se estendem à direita e à esquerda".

(LYNTON, 2000: 175)

A Rússia pode ser considerada uma herdeira imediata do Futurismo. Por volta de 1912, pintores e poetas russos, entre eles Maiakóvsky18, Búrliuk e Klébnikov começaram a se organizar em reuniões que saíram de cafés e salas para as ruas de São Petesburgo, Moscou e Odessa. Na fala de Klébnikov abaixo, fica clara uma orientação que busca conciliar o conceitual com o sensorial:

“Perseguimos por muito tempo uma tarefa semelhante à de uma lente, tal que, concentrados por ela num ponto comum, os raios do labor dos artistas e do labor dos pensadores pudessem se encontrar num trabalho comum e iluminar e transformar em braseiro até mesmo a matéria fria como é o gelo(...) Cabe aos artistas do pensamento fundar o alfabeto dos conceitos, a ordem das unidades fundamentais do pensamento - com elas se constrói o edifício da palavra”. (KLÉBNIKOV, 2000) A vanguarda poética russsa criou a consolidação entre poeta e pintor, poeta e

designer. Preocupado com uma identificação entre arte e vida, Maiakóvski (apud RISÉRIO, 1998:96) declarou, certa vez, que não era contra o dissertação, apenas considerava que tal objeto não era capaz de responder a todas as exigências de uma nova poesia num mundo novo. Essa preocupação marcou sua prática textual, e o levou a trabalhar em parceria com El Lissítzki, cuja obra é referência para as artes gráficas e a

fotografia moderna19. A simbiose entre as artes, a utilização de materiais diversos e menos nobres, as colagens e composições abstratas indicavam a procura de novas vias para explorar os caminhos da arte. Esses artistas produziram obras cujo conceito de organização espacial ultrapassava as questões formais e apontava para a necessidade de novas proposições e princípios para as artes.

Numa direção próxima, o movimento dadaísta desencadeou uma nova forma de pensar e fazer arte:

“O olhar dadaísta desprezava inclusive todas as vanguardas modernas imediatamente anteriores ao Dadá (especialmente o cubismo), justamente por não ver em seus atos esteticamente” revolucionários” nenhuma resposta objetiva em relação à situação artista-obra-espectador, aonde enxergava no reagente ”espectador” um frívolo e gordo burguês sentado em sua poltrona macia, e naturalmente estendia o julgamento ao agente “artista” complacente com toda esta situação”.

(FREITAS: 2000)

Conforme afirma Richter (1994:05), "determinar onde e como o Dadá surgiu é quase tão difícil em nossos dias quanto definir o dia e local do nascimento de Homero". Entretanto, é possível afirmar que o principal foco de difusão do Dadaísmo foi o Café “Cabaré Voltaire”20

, fundado na cidade de Zurique, em 5 de fevereiro de 1916, na Suíça neutra. Durante a Primeira Guerra Mundial artistas de várias nacionalidades, contrários ao envolvimento dos seus próprios países na guerra, se exilaram na Suíça.

No Cabaré Voltaire, todas as noites era apresentado um espetáculo do qual participavam ativamente vários artistas, entre eles o poeta romeno Tristan Tzara, o artista franco-alemão Hans Arp, o pintor romeno Marcel Janco e o diretor teatral e

19Seu uso sistemático da perspectiva axonométrica - bem como seus estudos a respeito - transformaram-se em padrão do desenho arquitetônico no século XX. Seus trabalhos constituem-se em uma das mais profundas discussões sobre a relação espaço-tempo nas artes visuais,. A fundação da Bauhaus, em Weimar, em 1919 com a participação direta de El Lissitzky (além de Theo Van Doesburg dentre outros) irá contribuir para a integração das várias disciplinas artísticas em diálogo com a produção industrial para chegar às massas. Mais informações em http://www.pucsp.br/~cos-puc/budetlie/tec12.htm

20

escritor Hugo Ball, fundador do Cabaré. Eram “apresentações interativas”, um misto de teatro, orgias de canções, poesias declamadas, danças e ruídos21 de campainhas, tambores, chocalhos, batidas na mesa ou em caixas vazias, num espetáculo que excitava o público a partir do físico, de forma catártica (RICHTER, 1994).

O Dadá, em oposição a outros estilos, não possuía características formais. O que o distinguia era uma nova ética artística a partir da qual posteriormente, de maneira inesperada, nasceram novas formas de expressão. O Dadá era uma atitude de ruptura:

"Acho errado dizer que o Dadaísmo, o Cubismo e o Futurismo assentam num fundo comum. Estas duas últimas tendências baseavam-se, sobretudo na idéia de aperfeiçoamento técnico ou intelectual, ao passo que Dadá nunca se baseou em nenhuma teoria e não foi mais do que um protesto”.(TZARA apud RICHTER, 1994). De fato, os dadaístas não tinham um programa, não propunham um projeto, eram contra tudo. Havia, como em outros movimentos, uma simbiose entre as artes, na busca de novas experiências sensoriais e artísticas. Os artistas mesclavam poesia, teatro, música e artes plásticas. Marcadas por comportamentos provocativos, que tinham como intuito chocar e romper a complacência de um público que vivia dos valores tradicionais, suas atuações e a publicação de inúmeros manifestos logo tornaram o Dadaísmo conhecido em toda a Europa, obtendo a adesão de artistas como Marcel Duchamp e Francis Picabia.

No primeiro manifesto Dadá, seu autor, Tzara (apud MORAIS: 1991), afirma: "Nós não procuramos nada, nós afirmamos a vitalidade de cada instante. O que interessa a um dadaísta é sua própria maneira de viver". O ataque contra o racionalismo é o tema fundamental nas representações e manifestações Dadá, nas quais tudo ocorre ao mesmo tempo, sem fronteiras ou delimitações: Arte e Vida.

Em Nova Iorque, o Dadaísmo se formou em torno da galeria de arte “291”, do fotógrafo Alfred Stieglitz, freqüentada por Marcel Duchamp, Man Ray, Francis Picabia e Beatrice Wood. Ao redor do grupo gravitaram, entre outros, o compositor francês Edgar Varése (RICHTER, 1994:05), que se evidenciou como sucessor das descobertas de Russolo da “música-barulho”, trazendo efetivamente o ruído para dentro da música. Essa foi uma contribuição fundamental para a arte contemporânea que influenciou decisivamente músicos como exemplo Nam June Paik, que posteriormente levou o ruído para a imagem eletrônica. A percussão, que em sua obra é fundamental, aparece progressivamente até atingir sua radicalização em “Ionisation” de1929-30.

Segundo Augusto de Campos (1998:119), Varése passaria por uma crise, agravada pela inviabilidade técnica de seus projetos. Porém, esta crise seria resolvida por volta dos anos 50, quando recursos eletrônicos propiciados pelo avanço tecnológico se tornaram mais acessíveis. Em 1954, o compositor apresenta “Deserts”, obra que utilizaria um conjunto de instrumentos de quatro sopros e dez metais, 46 instrumentos de percussão e fitas magnéticas de som organizado, difundidas (no concerto) em estéreo. O videoartista Bill Viola, já nos anos 90, realizou uma obra baseada nesta peça de Varése.

Ao se apropriar das mudanças científicas e tecnológicas e ao indagar sobre o estatuto da arte numa sociedade em constante movimento, esses artistas iniciaram um processo de mutação em nossa percepção da realidade e nas formas de apropriação presentes na vida e no cotidiano.

2.2- O “avô Dadá” da Videoarte. Ou porque Duchamp é tão importante. “- Não sei o que você quer dizer com essa palavra — disse Alice.(...)

Humpty Dumpty sorriu desdenhosamente.

Claro que você não sabe, até eu explicar a você (...). Quando uso uma palavra, disse Humpty Dumpty, num tom desdenhoso, ela significa exatamente o que eu quero que ela signifique, nem mais, nem menos.

— A questão está em saber — disse Alice — se você pode fazer com que as palavras tenham significados diferentes. — A questão está em saber — disse Humpty Dumpty — quem é que manda. Isto é tudo“.

Lewis Carrol, Through the Looking-glass .22

Dentro desse desenho que viemos traçando ao longo do capítulo, uma atenção especial deve ser dada a Marcel Duchamp, artista unanimemente considerado como pertencente ao movimento Dadaísta23 pelo amplo espectro de suas investigações, pela longevidade de seu pensamento e pelo impacto de suas idéias. A obra de Duchamp contém, mesmo que algumas vezes de forma embrionária, o germe do desenvolvimento que os artistas que vieram depois dele iriam fazer, como a busca de outros modos de expressão, o fim da noção de autor como sujeito livre e voluntário, além de trazer o acaso para a obra de arte (no caso de Duchamp, na escolha dos objetos). É por isso que nos demoraremos um pouco mais nele.

É importante ressaltar, como afirma Gullar, que Duchamp não nasceu do nada. O caminho de ruptura com as formas tradicionais já havia sido aberto pelos dadaístas. “E o próprio caminho que Duchamp segue é uma conseqüência de papier collé cubista.

22 Tradução minha:

`I don't know what you mean by "glory,"' Alice said.

Humpty Dumpty smiled contemptuously. `Of course you don't -- till I tell you. I meant "there's a nice knock-down argument for you!"' (...)

`When I use a word,' Humpty Dumpty said in rather a scornful tone, `it means just what I choose it to mean -- neither more nor less.'

`The question is,' said Alice, `whether you can make words mean so many different things.'

`The question is,' said Humpty Dumpty, `which is to be master - - that's all.' Disponivel em: http://www.literature.org/authors/carroll-lewis/through-the-looking-glass/

Documentos relacionados