• Nenhum resultado encontrado

NEAD-Camponeses_brasileiros_v1_(FINAL).indd 87

89

O CONCEITO

DE

CAMPONÊS

E

SUA

APLICAÇÃO

À

ANÁLISE

DO

MEIO

RURAL

BRASILEIRO (1969)*

Otávio Guilherme A. C. Velho

N

os últimos anos tem havido, em círculos acadêmicos e

não acadêmicos, uma rediscussão de certas categorias sociológicas tradi- cionalmente utilizadas para descrição e interpretação de nossa realidade. Essas categorias rediscutidas foram em geral transpostas de análises que se referiam originalmente à Europa ocidental, tal como ocorre com a noção de

feudalismo, de campesinato etc.1 Como se pode perceber pelos exemplos

citados, em boa parte das vezes essa discussão tem relevância especial para a análise e interpretação do meio rural. Isso talvez se explique em parte com a observação de Max Weber de que “De todas as comunidades, a constituição social dos distritos rurais são as mais individuais e as que relação mais íntima mantêm com determinados fatos históricos” (Gerth e Mills in: Weber, 1967). Em outras palavras, os fatos rurais tenderiam sempre a uma certa especifi cidade local, em contraste com a tendência à universalidade dos fatos urbanos. Sabemos muito bem, de nossa própria experiência nacional, quanto as situações urbanas concretas podem afastar- se desse modelo universalizante, bem como, na medida em que se rejeite um dualismo ingênuo e estanque, como diz o próprio Weber, que “não existe uma sociedade rural separada da comunidade urbana, no presente, em grande parte do mundo civilizado”. De qualquer forma, no entanto, posta de maneira geral, a observação de Weber parece conter algo de verdadeiro. * Publicado originalmente como VELHO, O. G. A.C. O conceito de camponês e sua aplicação

à análise do meio rural brasileiro. América Latina (Rio de Janeiro), v.12, n.1, p.96-104, 1969.

1 Há, porém, casos em que a aplicação original não se refere à Europa, como acontece com

a noção de burguesia nacional, utilizada no contexto de países asiáticos sujeitos à ação do colonialismo europeu, especialmente China.

NEAD-Camponeses_brasileiros_v1_(FINAL).indd 89

90

Neste artigo, nossa preocupação básica gira em torno da noção de cam- ponês. Na literatura científi ca, e mais ainda na literatura política, tem-se utilizado essa expressão de forma um tanto indiscriminada. Contra isso se levantou Caio Prado Júnior argumentando a favor da utilização mais precisa da noção de camponês, reservada então para designar exclusivamente o pequeno agricultor que é empresário de sua própria produção (Prado Júnior,

1966, p.204-5).2 Não se trata absolutamente, como à primeira vista pode

parecer, de uma questão de importância menor. Por trás dessa discussão está a idéia de que o abuso da noção de camponês deve-se a uma série de “desvios”, que vão desde a subestimação da penetração do capitalismo no campo brasileiro, levando à proletarização rural, até a pregação mais ou menos ingênua de projetos de reforma agrária em que a pequena proprie-

dade é privilegiada e considerada um ideal a ser assegurado.3 No plano

mais estritamente político estaria a questão de saber-se que gênero de reivindicações estaria mais próximo da consciência de nossos “rurícolas”, se a posse da terra ou a salarial (Gerth e Mills in: Weber, 1967).

O conceito de camponês referia-se originalmente a um fato bem locali- zado estrutural e historicamente, não tendo sido inclusive o termo criação de cientistas sociais, mas apenas tendo sido apropriado por esses. O maior ou menor alargamento no uso desse conceito dependerá em grande parte

de seu valor explicativo nas diversas situações concretas.4 Esse problema

já teve de ser enfrentado pelos estudiosos no próprio âmbito europeu, em especial ao transpô-lo dos quadros do feudalismo para a situação de liberto

2 “... a massa rural brasileira tem sido indiscriminadamente assimilada, no seu conjunto, a

um campesinato. Isto é – se queremos dar a essa expressão ‘campesinato’ um conteúdo concreto e capaz de delimitar uma realidade específi ca dentro do quadro geral da economia agrária – trabalhadores e pequenos produtores autônomos que, ocupando embora a terra a títulos diferentes – proprietários, arrendatários, parceiros... –, exercem sua atividade por conta própria. Esse tipo de trabalhadores, a que propriamente se aplica e a que se deve re- servar a designação de ‘camponeses’, forma uma categoria econômico-social caracterizada e distinta dos trabalhadores dependentes que não exercem suas atividades produtivas por conta própria e sim a serviço de outrem, em regra o proprietário da terra que, nesse caso, não é apenas proprietário, mas também e principalmente empresário da produção. Os tra- balhadores de que se trata neste último caso são empregados, e suas relações de trabalho constituem prestação de serviços. ... Observaremos por ora que é à categoria de trabalhadores empregados e não de camponeses propriamente que pertence a grande maioria da popula- ção trabalhadora rural brasileira. E os trabalhadores empregados constituem não somente essa maioria, mas ainda ocupam os principais e decisivos setores da economia agrária do país. Trata-se ou de assalariados puros (quando então a relação de emprego e dependência com respeito ao proprietário, empregador e empresário da produção é indisfarçável), ou de ‘meeiros’ que só formalmente se assemelham a parceiros propriamente, mas são de fato ‘empregados’, tanto quanto os assalariados.”

3 Ver a resenha de Caio Prado Júnior sobre Posse e uso da terra e desenvolvimento socioeco-

nômico do setor agrícola (CIDA). América Latina, ano 10, n.3, p.117-24, 1967.

4 Para Bengala, por exemplo, a questão é discutida, entre outros, por Ramkrishna Mukherje

em The Dynamics of a Rural Society. Berlim: Akademie-Verlag, 1957.

NEAD-Camponeses_brasileiros_v1_(FINAL).indd 90

91 que tenta adaptar-se a uma economia capitalista de mercado, tal como vão

encontrá-lo Marx, Weber e outros.5

Todavia, parece certo que esse maior ou menor alargamento na utilização do conceito não poderá deixar de observar a dicotomia camponês versus

proletário rural,6 e desde já, quanto a isso, não parece restar dúvida de que

a advertência de Caio Prado Júnior sem dúvida tem sua importância. Trata-se, porém, de uma questão empírica a ser investigada: a de verifi car como situar as diversas ocorrências concretas que se apresentam em nosso meio rural. Desde já, fi ca consignado que certamente não se trata de tarefa fácil, dada a variedade de manifestações locais de agrupamentos e classes.

Seria necessário, a par de uma cuidadosa análise das precárias infor- mações estatísticas existentes, que se realizassem cuidadosos trabalhos de campo que cobrissem áreas efetivamente representativas de complexos regionais signifi cativos. É bem possível, inclusive, que no decorrer de um estudo dessa natureza a própria problemática inicial fosse modifi cada ou enriquecida. De qualquer maneira, a existência de uma problemática bem determinada e altamente signifi cativa, que se enquadraria na questão maior das classes e dos agrupamentos sociais no meio rural, certamente evitaria que os estudos se tornassem puramente descritivos.

No sul do estado do Pará, municípios de Marabá e São João do Ara- guaia, encontramos uma situação bem determinada, cujo estudo, embora não tenha ainda sido aprofundado, talvez já possa, em virtude de certas peculiaridades muito interessantes, servir como um dos apoios empíricos iniciais para penetrarmos na problemática de que falamos, e eventualmente auxiliar no estabelecimento de uma teoria geral da estrutura de classes no

meio rural brasileiro.7

Uma característica básica dessa zona é que possui áreas vastíssimas que ainda não foram ocupadas, as quais, para efeitos práticos, prolongam-se “indefi nidamente” para oeste. A ocupação começou a dar-se, inicialmente, por causa da extração da castanha. Hoje, porém, em virtude de uma série

5 Isso sem mencionar o alargamento na utilização do conceito que obriga à clássica distinção

entre camponeses pobres e camponeses ricos (entre os quais podem estar incluídos o kulak russo, o farmer americano etc.). Nesse sentido, nossa preocupação aqui prende-se exclusi- vamente ao chamado camponês pobre.

6 Outra dicotomia, mas que aqui não nos interessa, apesar de sua importância para o antro-

pólogo, é entre situação camponesa e tribal, entendida a primeira como aquela que está de alguma forma integrada num Estado que a transcende, ao contrário da segunda, em que não existem detentores de poder exteriores a ela e a que esteja submetida. Ver Eric R. Wolf. Peasants. Nova Jersey: Foundations of Modern Anthropology Series, Prentice-Hall, 1966. (Ed. Brasileira: Sociedades camponesas, Rio de Janeiro: Zahar, 1970.)

7 Já tratamos dessa situação, sob outro enfoque, em Análise preliminar de uma frente de ex-

pansão da sociedade brasileira, Revista do Instituto de Ciências Sociais. Universidade Federal do Rio de Janeiro, v.IV, n.1. Ver, ainda, de OLIVEIRA, R. C. de. Problemas e hipóteses relativos à fricção interétnica: sugestões para uma metodologia. Ibidem.

NEAD-Camponeses_brasileiros_v1_(FINAL).indd 91

92

de fatores, alguns diretamente ligados à castanha,8 vai assumindo uma

importância cada vez maior a atividade agrícola, a qual já é a principal responsável pela fi xação mais permanente em novas áreas. Um dos fato- res responsáveis por essa nova situação é uma espécie de homestead em vigor a partir de 1964, que assegura ao indivíduo e a seus descendentes a posse de até 100 hectares de terras devolutas que tenham ocupado e onde tenham realizado certas benfeitorias. Essa posse, portanto, para quase todos os efeitos, equivale à propriedade da terra. A diferença essencial – a impossibilidade de vendê-la – agiria no sentido de fortalecer ainda mais a permanência do padrão de ocupação atual. Esses pequenos agricultores não sofrem a interferência direta de ninguém sobre sua produção propria- mente, a não ser sob a forma de certas tentativas incipientes de estímulos, em especial à plantação de arroz, da parte de nova agência do Banco do Brasil e de uma cooperativa recém-criada sob os auspícios do Banco do Brasil,

ambos funcionando em Marabá.9

Em relação à intensidade da vida comunal, existem dois tipos sociais na área: aquele que vive isolado com sua família no meio da mata e o que vive em pequenas “comunidades” rurais. Aliás, deve-se dizer que em geral essas “comunidades” se iniciam por um empreendimento isolado. Aos poucos, outras famílias nucleares vão, então, chegando ao local, em geral parentes do primitivo ocupante (num caso que tivemos ocasião de observar, havia mais de sessenta pessoas, quase todas aparentadas entre si, vivendo juntas). Pode-se imaginar, inclusive, que o mesmo processo venha a ocorrer com

muitos dos atuais moradores isolados na mata.10

Atualmente, no entanto, são poucos os que se dedicam exclusivamente à atividade agrícola. Durante a época da safra da castanha vão trabalhar nos castanhais, onde recebem um “salário disfarçado”. Possuem, portanto, dois papéis sociais bem distintos, o de apanhador de castanha e o de agricultor.

Fixando-nos em sua face agrícola, vemos, ainda, que ao lado disso têm, de certa forma, de se adaptar a uma situação que é, sob certos aspectos,

8 Como a fl utuação no preço da castanha e um enrijecimento do sistema de arrendamento

de castanhais.

9 Uma pressão indireta são os atritos esporádicos com arrendadores de castanhais em torno

de limites, que em um caso, pelo menos, em que havia muitos posseiros envolvidos, chegou a ser discutido em nível estadual.

10 Parece não haver muito acordo entre os diversos autores a respeito da importância da vida

comunal na caracterização do camponês. Enquanto Lefèbvre (La vallée de Campan. Paris: PUF, 1963), por exemplo, acentua bastante esse aspecto, Wolf (Peasants. Nova Jersey: Foundations of Modern Anthropology Series, Prentice-Hall, 1966. Ed. Brasileira: Sociedades camponesas, Rio de Janeiro: Zahar, 1970), seguindo Marx (O dezoito brumário de Luís Bonaparte), prefere acentuar o individualismo do camponês. Talvez na verdade se trate de uma tensão não contraditória entre o individualismo e a comunidade onde o camponês vê projetada sua própria imagem. De qualquer maneira, Marx, citado por Wolf, já se referia ao camponês francês do século XIX.

NEAD-Camponeses_brasileiros_v1_(FINAL).indd 92

93 exatamente o inverso da situação camponesa clássica. Ao passo que nes- sa temos, como regra geral, uma abundância de mão-de-obra ao lado de recursos em terra relativamente escassos, aqui temos terras praticamente ilimitadas e uma relativa escassez de mão-de-obra, o que, combinado, atrai um fl uxo migratório, vindo especialmente do Maranhão; o que os aproxima, sob esse aspecto, da situação do pioneiro norte-americano em sua marcha para o Oeste. Isso sem mencionar o fato de não se tratar de uma situação dada tradicionalmente e sedimentada ao longo dos anos, mas, sim, de estar em processo de constituição.

No entanto, apesar desses aspectos – combinação com uma atividade que obedece a outro sistema, situação não dada tradicionalmente, terras abundantes e mão-de-obra escassa –, vemos que no essencial satisfazem o critério estabelecido por Caio Prado Jr. para a caracterização de campone- ses, ou seja, trata-se de pequenos agricultores autônomos. Os dois últimos fatores, aliás, servem, no caso, para auxiliar a manutenção do sistema, evitando que surja uma estratifi cação intransponível e sociologicamente signifi cativa entre proprietários e não proprietários e mantendo, assim, uma homogeneidade social bastante alta. Uma possível mudança de sistema é substituída por um contínuo desdobramento no espaço do mesmo sistema.

A hipótese que temos é que a situação descrita representa, em termos brasileiros, um caso-limite. Seu valor, numa análise comparativa em âmbito nacional, estaria exatamente nisso. É limite por estar, sem chegar a ser uma sociedade tribal, próximo do ponto ideal de máximo afastamento possível, física e socialmente, dos principais centros (sua produção é quase exclusiva- mente de subsistência), caracterizando, assim, uma situação de integração mínima no sistema nacional (e internacional). É ainda um caso-limite pela

situação extrema de abundância de terras e de escassez de mão-de-obra.11

Além disso, pode-se comprovar empiricamente que o aparecimento e a manutenção do tipo camponês na área são, precisamente, conseqüência, antes de mais nada, da presença desses três fatores como caso-limite, de tal maneira que, supondo um sistema, os três constituiriam variáveis in- dependentes, e o tipo camponês a variável dependente do sistema. Numa confi guração “estruturalista”, portanto, tudo levaria a crer que o quarto elemento do sistema – o camponês defi nido como o pequeno agricultor autônomo –, para que o sistema seja coerente, teria de representar também um caso-limite. Ou seja, segundo essa hipótese, e supondo, para argumen- tar, que as situações camponesas que viessem a ocorrer no Brasil teriam

11 Interessante observar que a atividade de coleta da castanha, apesar de contígua, já caracteriza

um sistema bem diferente em relação a essas variáveis, uma vez que a disponibilidade de terras já é mais limitada, por depender da existência de castanheiros em volume rentável e por fi car na dependência das vias de transporte, tratando-se de um produto de exportação e, por esta mesma razão – tratar-se de um produto de exportação –, sua integração com o sistema nacional, e especialmente com o internacional, já é bem maior.

NEAD-Camponeses_brasileiros_v1_(FINAL).indd 93

94

de guardar a mesma relação com essas três variáveis, o grau máximo de autonomia camponesa possível no Brasil estaria próximo desse caso e de seus congêneres que se manifestem em frentes de expansão agrícola da sociedade brasileira.

Dessa maneira, as demais situações rurais no Brasil se distribuiriam desde esse máximo de “campesinidade” até um máximo de “proletarização” no caso-limite oposto, passando, no intervalo entre os dois extremos, por toda uma série de casos intermediários que deverão ser analisados para atingir, em relação aos aspectos selecionados, uma visão global e organizada do meio rural brasileiro.

terra (>) mão-de-obra (<) integr. sist. nac. (<) camponês (+) prolet. (–) terra (<) mão-de-obra (>) integr. sist. nac. (>) camponês (–) prolet. (+)

De fato, em relação ao caso-limite oposto (terra escassa, mão-de-obra abundante, alta integração no sistema nacional e internacional), efetiva- mente o grau de proletarização parece atingir um máximo. Ocorre-nos, de imediato, o caso da Zona da Mata em Pernambuco.

Em relação aos casos intermediários parece-nos que podem surgir, lo- calmente, variáveis intervenientes que precisarão ser determinadas. Assim, o Agreste nordestino, por exemplo, onde há predominância da pequena agricultura, poderia à primeira vista surgir como uma anomalia. No entanto, análise mais detida revela que a relação terra/mão-de-obra não é tão baixa quanto pode parecer, pois a migração para a Zona da Mata, para os centros urbanos regionais e para o Sul do país mantém a mão-de-obra num nível ainda relativamente baixo. Por outro lado, e tendo ainda em mente o modelo proposto, é preciso considerar que, apesar de geografi camente não estar tão isolado do restante do país quanto a frente de expansão, as condições ecológicas desfavoráveis prejudicam, por enquanto, uma efetiva e comple- ta integração do Agreste no sistema nacional. Dessa maneira talvez já se explique em parte a presença de um tipo social que pode ser considerado camponês. Poder-se-ia ainda dizer que a situação é menos próxima do limite de “campesinidade” que a frente de expansão estudada, tendo em vista o fato de o camponês não alcançar um grau de autonomia tão amplo e por coexistirem relações “camponesas” e “não camponesas” na agricultura, além de se poder perceber, numa visão diacrônica, que a situação camponesa está mais ameaçada, em função das mudanças gerais que se operam atualmente

NEAD-Camponeses_brasileiros_v1_(FINAL).indd 94

95 no Nordeste. De qualquer modo, é bem provável que seja preciso lançar mão de outras variáveis para dar conta da situação do Agreste.

Da mesma forma, há um fator que na área do sul do Pará poderá agir no sentido de manter o padrão atual de ocupação. Mesmo, como é de supor, que diminua a disponibilidade de terras e aumentem o volume de mão-de-obra e a integração no sistema nacional (não se devem esquecer, a propósito, os esforços exógenos no sentido da comercialização do arroz), existe, como já assinalamos, um elemento de política econômica – uma lei de terras – que deverá ajudar a manter o padrão atual além do que se poderia supor pela aplicação mecânica do modelo proposto.

Assim, acreditamos que esse modelo extremamente geral e rudimentar serve apenas como uma primeira aproximação para uma análise concreta, podendo auxiliar na elaboração de um roteiro de estudo. Os casos-limite parecem ser tipos mais “puros” do ponto de vista do modelo, ao passo que nos casos intermediários são maiores as probabilidades de surgir variáveis intervenientes. Sendo assim, só a prática poderá julgar a utilidade dessa abordagem. Na pior das hipóteses, do ponto de vista do antropólogo, um resultado já terá sido atingido: a integração do estudo de uma frente de expansão da sociedade brasileira dentro de uma problemática de alta relevância e válida para todo o país.

Comprovada a validade do modelo, isso traria, de certo modo, algum apoio à posição de Caio Prado Júnior, pois, ao passo que o caso-limite oposto é de um grau de proletarização que sabemos ser bastante expressivo, com- provável, inclusive, pela resistência dos movimentos reivindicatórios em face das violentas pressões que têm sofrido, o caso-limite camponês apresenta uma série de restrições, não se equiparando plenamente à situação campo- nesa clássica ou mesmo de outros países latino-americanos onde sobrevi- veram comunidades indígenas organizadas em moldes camponeses. Além do mais, os casos-limite analisados também parecem indicar, como afi rma Caio Prado Júnior, que os proletários agrícolas ocupam as posições mais estratégicas do ponto de vista econômico e político no campo brasileiro.

Todavia, por outro lado, comprovada a hipótese, isso chamaria atenção para a possibilidade de encarar a questão não em termos de oposição pura e simples entre camponeses e proletários, mas como um continuum com dois casos-limite entre os quais teriam de ser colocadas todas as situações em que parceiros, meeiros, arrendadores etc., podem ser encontrados em nosso interior em graus diversos de autonomia de trabalho. Dada a variedade des- sas ocorrências, parece mais justo situá-las como pontos em um continuum. Mesmo porque boa parte delas parece defi nir-se por uma tensão que não se resolve de imediato e sofre uma série de vicissitudes. Até a integração