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Berlim. Novembro de 1884. Os plenipotenciários de catorze nações – Alemanha, Áustria-Hungria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, França, Império Otomano, Itália, Países Baixos, Portugal, Reino Unido, Rússia e Suécia- Noruega – reuniram-se na capital alemã, a convite do chanceler Otto von Bismarck, com o objectivo de resolver a polémica em torno da jurisdição da foz do rio Congo. Entre factores políticos e comerciais, os diplomatas discutiram questões humanitárias, como o combate ao tráfico de escravos, e religiosas, como o estatuto dos missionários cristãos. Para lá da argumentação da Conferência de Berlim enquanto momento fundador da partilha do continente africano pelas potências coloniais europeias e da premissa da política da ocupação efectiva, o encontro marcou o estabelecimento de uma nova dinâmica na defesa do exercício da religião no espaço imperial, inaugurando um princípio basilar do Direito Internacional das Missões, que seria reafirmado na Conferência de Bruxelas (1889-1890) e que esteve presente num dos mais importantes acordos bilaterais assinados por Portugal referentes à divisão interimperial: o Tratado Luso-Britânico de 1891.

Se os sonhos imperiais da Europa se intensificaram a partir da década de 1880, em Portugal a insistência nos seus direitos históricos no continente africano definiu um projecto de matriz política, mas imbuído de um carácter religioso, que permitia sustentar essa herança e promover a sua expansão territorial. O seu sonho

imperial tentaria, primeiro, o Congo e, depois, uma África Meridional Portuguesa rosada. A competição por áreas de influência e a conversão das almas dos africanos

conjugaram-se para impor ao país uma reordenação do seu plano imperial de acordo com as suas capacidades e as suas possibilidades. Os pressupostos explanados nos Actos Gerais e outras convenções internacionais, abrindo o mundo a um novo

imperialismo, lançaram os principais constrangimentos à intenção portuguesa de

elaborar uma política missionária que se adequasse ao propósito de consolidar o império e o Padroado: uma “missão católica portuguesa” com funções nacionalizadoras.

1.1 – Defender os direitos históricos ao Congo

A introdução do tópico religioso nas sessões da Conferência de Berlim partira do representante italiano, o conde Edoardo de Launay, que na sessão de 19 de Novembro de 1884 apresentara uma preposição na qual a Itália aparecia como “defensora das missões cristãs”. Na sessão anterior, a primeira, ocorrida a 15 de Novembro, Bismarck expusera os quatro pontos da ordem de trabalhos: liberdade de comércio, supressão da escravatura, liberdade de navegação dos rios e fixação de um procedimento uniforme nas futuras ocupações territoriais em África. A questão religiosa ou, pelo menos, a da presença e estatuto dos missionários não fazia parte do programa anunciado, sendo que para alguns dos dignitários, o assunto não levantava grandes discussões, havendo um consenso geral sobre o “trabalho pioneiro” dos missionários e um reconhecimento das suas capacidades e concretizações civilizadoras.16

Mas a proposta italiana sublinhava a centralidade da questão missionária em contexto colonial, enquanto importante elemento civilizador como definia a asserção de Livingstone: “comércio, cristianismo e civilização”. O argumento de De Launay sobre a relevância da missão para civilizar, exteriorizando o pensamento imperialista europeu, era uma das fundamentações basilares do próprio projecto imperial. Isso era visível na pressão oficiosa de grupos de interesse missionários, existente junto de alguns dos participantes do encontro, como a actuação da Baptist Missionary Society britânica, que campeara contra a escravatura em África e empreendera uma campanha humanitária que tanto se sustentava na sua consciência social e religiosa contra o tráfico humano, como no seu receio de ver o seu trabalho no Congo atacado ou contestado pelas autoridades portuguesas ou tomado pelos missionários portugueses. As alegações territoriais portuguesas no Congo incidiam sobre um espaço onde os baptistas exerciam a sua actividade evangelizadora, uma região onde convergiam diversos interesses comerciais, políticos e religiosos, por vezes concorrentes, outras associados.17

                                                                                                               

16 Prudhomme, Stratégie Missionnaire du Saint-Siège sous Léon XIII (1878-1903), (Roma: École

Française de Rome, 1994), 451; Horst Gründer, «Christian Missionary Activities in Africa in the Age of Imperialism and the Berlin Conference of 1884-1885», em Bismarck, Europe and Africa. The Berlin

Africa Conference 1885-1885 and the onset of Partition, ed. Stig Förster, Wolfgang J. Mommsen e

Ronald Robinson (Oxford – Londres: Oxford University Press – The German Historical Institute of London, 1988), 100.

17 Sobre os diferentes níveis de competição em confronto na foz do rio Congo nas décadas de 1870 e

Para os baptistas, garantir aos portugueses a soberania do território em litígio, constituía uma ameaça ao trabalho já desenvolvido. Os planos portugueses incluíam em si exigências religiosas, visíveis no conflito jurisdicional com a Santa Sé a respeito do Padroado em África. O domínio político traria, na consciência baptista, uma subordinação religiosa que não estavam dispostos a acatar, pois a política oficial portuguesa em matéria de liberdade de religião não era vista como bom augúrio para os protestantes. Mas se os baptistas olhavam para a possível instalação dos portugueses católicos como um desafio à sua presença cristianizadora, o inverso era também verdade. Aliás, esta era uma das premissas que preocupava a Santa Sé na discussão com Portugal sobre os direitos padroeiros deste e a sua dúbia capacidade de empreender um processo missionário capaz de concorrer directamente com o dinamismo da missionação protestante no Congo e noutras partes de África. Para Roma, o catolicismo no continente teria de responder às exigências dos novos mecanismos e projectos de missionação. Havia um legado histórico a defender. Tal como para Lisboa.

Durante os trabalhos em Berlim, a Santa Sé concentrou-se em conseguir defender os interesses das missões católicas, mas a impossibilidade de ter um representante oficial na conferência obrigou a diplomacia pontifícia a recorrer aos delegados de algumas das chamadas “nações católicas”, para exercer essa função. Roma poderia, à partida, contar com a Espanha, a França, a Itália, Portugal, a Áustria ou a Bélgica, mas a projecção da influência pontifícia estava limitada ou sujeita a interesses que nem sempre coincidiam com os desejos da Cúria. A Espanha tinha planos muito limitados em África e não tinha grande influência junto das restantes potências, enquanto a Áustria, mais determinante no concerto europeu, não tinha qualquer possessão ultramarina.18 A França tinha a sua própria “agenda religiosa”, marcada pela defesa do seu protectorado das missões e da sua proeminência na missionação católica, não esquecendo a conflituosidade advinda do estabelecimento do regime republicano. A Itália levantava inconvenientes semelhantes, centrando a                                                                                                                

18 Porém, é importante lembrar que o imperador austro-húngaro era patrono das missões dos

combonianos na África Central (nos territórios da actual República Centro Africana, Sudão do Sul e norte da República Democrática do Congo) e não estava disposto a perder o seu protectorado religioso. Nem a Santa Sé estava disposta a entrar em conflito com os austríacos nessa matéria, como se veria quando os belgas procuraram alargar a área de influência dos seus missionários. Sobre os combonianos em África: Giovanni Vantini, Missione del Cuore: i Comboniani in Sudan nel ventesimo secolo (Bolonha: EMI, 2005) e Marcel Storme, Rapports du Père Planque, de Mgr. Lavigerie et de Mgr.

Comboni sur l’Association Internacionale Africaine (Bruxelas: Académie Royale des Sciences

sua querela na questão romana e no fim dos Estados Pontifícios, assunto dificilmente superado no Vaticano. Portugal também contava com os seus próprios conflitos pontifícios, nomeadamente na questão do Oriente e, curiosamente, na polémica com a Propaganda Fide sobre a jurisdição padroeira do país sobre a área em discussão na conferência: o Congo. Por fim, a Bélgica, que não tendo possessões em África, era governada pelo grande obreiro do futuro Estado Independente do Congo, uma das realizações saídas de Berlim: Leopoldo II. Porém, nesse momento, o monarca belga não estava interessado em desagradar aos seus aliados de então, os missionários baptistas britânicos, nem favorecer a presença dos missionários católicos já presentes no território, isto é, espiritanos e padres brancos franceses.19

Mesmo perante este cenário, a Santa Sé não deixou de tentar que a Áustria se assumisse como líder de um “grupo de pressão das potências católicas”, insistindo ao núncio em Viena que o representante austríaco defendesse uma liberdade religiosa preferencial “em nome dos direitos da verdade sobre a heresia”, que estava destinada a não ser aceite no plano internacional nem a ter qualquer apoio político na conferência. Como referiu Claude Prudhomme, a persistência vaticana em recusar a “liberdade religiosa como a compreende o direito internacional, isolava-a ideologicamente, alimentava a hostilidade protestante e justificava a suspeição que pesa sobre as suas intervenções junto dos Estados colonizadores católicos”. Nestes meios a estratégia pontifícia não granjeava melhor sorte, pois a escolha pelos austríacos, enquanto arautos das missões católicas, não agradara, obviamente, a Paris. Na imprensa francesa dizia-se que o Papa Leão XIII sugerira ao imperador Francisco José que na conferência tomasse sob sua protecção as missões católicas, um gesto visto como atentatório dos privilégios franceses. O secretário de Estado da Santa Sé, o cardeal Luigi Jacobini, apressou-se a esclarecer o governo francês, através do núncio em Paris, que não havia qualquer intenção de afrontar a posição francesa, mas sim de concertar esforços. Roma, ainda, persistia numa política de “frente católica”, que teria o mérito de eventualmente “banalizar as pretensões” da França e enfraquecer o seu “monopólio” em matéria missionária católica.20 Mas, em pouco tempo, a diplomacia vaticana enveredaria por uma estratégia de apoios conjunturais                                                                                                                

19 Para uma visão sobre a presença dos espiritanos e dos padres brancos em África: Henry J. Koren, The Spiritans. A History of the Congregation of the Holy Ghost (Pittsburgh: Duquesne University,

1958), 185-217, e Aylward Shorter, Cross and Flag in Africa. The White Fathers during the Colonial

Scramble (1892-1914). (Maryknoll: Orbis Books, 2006). 20 Prudhomme, Stratégie, 450-3.

onde defenderia a proclamação de uma liberdade missionária já sem qualquer tratamento preferencial em relação às missões católicas. Roma entendera que no contexto do imperialismo europeu emergente, pugnar por um fundamento marcado por dicotomias de verdade/heresia e católico/protestante não seria favorável ao seu próprio objectivo: a possibilidade de expandir livremente o catolicismo através da sua dimensão missionária.

Para a Santa Sé, a persistência numa construção argumentativa defensora de um predomínio do catolicismo no âmbito missionário não era, pois, compatível com as intenções dos Estados coloniais. Mesmo que Portugal e a França, e mais tarde a Itália e a governação belga no Congo, tivessem um claro favorecimento das missões católicas, Roma não poderiam ter desejos universalistas e menos ainda de subordinação das outras confissões cristãs. Além do mais, as chamadas “nações protestantes” – a Grã-Bretanha e a Alemanha – eram também fonte de missionação católica com a qual o Papa do poderia contar, muitas vezes sem os constrangimentos das reclamações de privilégios dos Estados de matriz católica. Recuperando a asserção de Adrian Hastings: Londres fora o “melhor parceiro de Roma” na questão missionária. Ao contrário de franceses ou portugueses, as autoridades britânicas não defenderiam direitos históricos na promoção ou supervisão do trabalho das missões católicas. Por outro lado, tanto britânicos como alemães dispunham internamente de uma relativa capacidade de angariação de recursos humanos missionários não só protestantes, mas também católicos. Assim, os pretensos aliados pontifícios em matéria missionária estavam para além de uma tradicional visão do mundo dividido entre Estados católicos e protestantes, até porque todos transportavam consigo as suas próprias projecções sobre o papel e o estatuto do missionário na estrutura imperial, que nem sempre redundavam num discurso maniqueísta do mundo. Na Cúria, particularmente na Propaganda Fide e na Secretaria de Estado, tornou-se indispensável a defesa da missão como forma civilizadora, enquanto se insistiria junto dos governos na obrigação de ajudar as missões cristãs e não tanto na valoração do catolicismo como única religião verdadeira.21

Na sessão de 27 de Novembro era discutida a proposição De Launay, que acrescentava um parágrafo sobre as missões ao art. 6.º do esboçado texto final da                                                                                                                

21 Idem, 455. Adrian Hastings, «The clash of Nationalism and Universalism within Twentieth-century

Missionary Christianity», em Missions, Nationalism and the End of Empire, ed. Brian Stanley (Grand Rapids: Eerdmans, 2003), 18. Prudhomme, Missions Chrétiennes et colonisation, 90.

conferência. Remetida aos representantes diplomáticos e daí a cada um dos respectivos governos, a proposta voltaria à mesa das negociações a 1 de Dezembro. No decurso do debate sobre o enunciado, os participantes encontraram uma fórmula que permitia “harmonizar” os vários pontos de vista em confronto: a defesa da liberdade religiosa intentada pelos britânicos; a premissa da Separação do Estado da Igreja dos americanos; e a recusa turca em prescindir dos interesses muçulmanos. Noutro aspecto, De Launay, que insistia na permanência do termo “cristãs” aposto a “missões”, aceitava de bom grado a substituição da expressão “igrejas, templos e capelas” pela designação mais geral e inócua de “edifícios religiosos”.22

Tendo em atenção as aspirações e as intenções de cada uma das potências em matéria política e religiosa, a redacção final do art. 6.º do Acto Geral de Berlim, de 26 de Fevereiro de 1885, no que aludia à protecção dos indígenas, missionários e viajantes, e à tolerância religiosa estipulava o seguinte.

Todas as potências que exerçam direitos de soberania ou influência nos citados territórios [Bacia Convencional do Congo] se obrigarão a velar pela conservação das populações indígenas e pelo benefício das suas condições morais e materiais de existência, e a concorrer para a supressão da escravatura, e principalmente do tráfico de negros; elas protegerão e auxiliarão, sem distinção de nacionalidades, nem de cultos, todas as instituições e empresas religiosas, científicas ou caritativas, criadas e organizadas para estes fins, ou tendentes a instruírem os indígenas e fazer- lhes compreender e apreciar as vantagens da civilização.

Os missionários cristãos, os sábios, os exploradores, suas comitivas, haveres e colecções serão igualmente o objecto de especial protecção. A liberdade de consciência e a tolerância religiosa são expressamente garantidas aos indígenas, como aos nacionais e estrangeiros.

O livre e público exercício de todos os cultos, o direito de erigir edifícios religiosos e de organizar missões que pertençam a esses cultos não serão submetidos a estorvo, nem restrição alguma.

Segundo Prudhomme, a conferência havia conseguido um compromisso entre “visão liberal e ideologia colonial”. A primeira alargava a África a concepção de laicidade e de neutralidade do Estado em matéria religiosa presente nas sociedades de alguns dos Estados participantes, enquanto a segunda reservava “uma menção especial” para os agentes de civilização. Na percepção colonial que a Europa construía, esse trabalho de civilização era desenvolvido em grande medida pelos                                                                                                                

missionários cristãos e pelos exploradores científicos. Ambos eram indispensáveis ao sonho imperial.23

Os termos do artigo não só estabeleciam a liberdade de consciência e a tolerância religiosa para todos no espaço ultramarino, como ainda impunha a protecção “especial” e o auxílio às missões religiosas pelos poderes coloniais. A liberdade garantida à actividade missionária não tinha barreiras de nacionalidade ou de confissão, pois mesmo que a designação “missionários cristãos” tenha vingado, o artigo permitia o livre exercício de todos os cultos, sem referências confessionais. Numa leitura alargada, poderia incluir o exercício do Islão, mas também de qualquer outra religião, como as das populações africanas intocadas por cristãos ou muçulmanos.

O estatuto previsto para as missões, que o artigo determinava, seria mal recebido por Portugal, ao equiparar missionários protestantes e católicos e ao impossibilitar qualquer forma de intervenção estatal na fixação e no controlo dos organismos religiosos. Poucos dias depois da assinatura do documento em Berlim, a Câmara dos Deputados ouvia as críticas de António Enes aos termos do artigo. A sua reclamação centrava-se especialmente na desarmonia deste em relação ao art. 6.º da Carta Constitucional, que estabelecia a confessionalidade do país:

“A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Reino. Todas as outras Religiões serão permitidas aos Estrangeiros com seu culto doméstico, ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de Templo.”

Nas palavras de Enes, o art. 6.º de Berlim “brigava” com o seu correspondente cartista. Como tencionaria o “governo sanar esta flagrante contradição?”. Como seria possível que num determinado território português fosse permitido aos nacionais e aos estrangeiros a liberdade pública de culto e a construção de edifícios exteriormente identificados como templos, apesar de não serem católicos? Perante este antagonismo, o deputado chegava a sugerir ao governo que, caso pretendesse o alargamento dos direitos religiosos das populações nas colónias, propusesse a “revogação ou alteração” do artigo. “Desacatá-lo em tratados internacionais”, era para ele uma “indignidade”, não pelo âmbito do disposto, mas pelo desrespeito à Lei fundamental do país. Enes não deixou de referir quão “incrível” era para uma nação colonial conservar no seu texto constitucional uma disposição como o art. 6.º. Do                                                                                                                

plenário ouviram-se apoiados. O deputado apontava o dedo ao governo Fontes Pereira de Melo, que no ano anterior assinara o Tratado do Zaire, com uma cláusula semelhante, mas que se recusara a incluir o art. 6.º da Carta na proposta de reforma do texto constitucional de Maio desse ano.24 Para Enes era, pois, contraditório que o governo que recusava discutir os pressupostos de um artigo que estabelecia uma religião de Estado, aceitasse e assinasse um tratado internacional que contradizia esse mesmo fundamento, permitindo que numa determinada região do território português, a Carta Constitucional pudesse ser transgredida.25

Mas se punha em causa o cumprimento de uma norma constitucional, permitindo o livre exercício do culto protestante, por outro lado, impedia a execução da ideia de cercear a influência e a acção dos missionários católicos não subordinados às autoridades eclesiásticas nacionais. Pela composição da matriz da Igreja em Portugal, os missionários enviados para as colónias teriam estatuto de funcionários estatais, respondendo tanto ao bispo como ao governador. A liberdade de Berlim fragilizava esta orgânica. Sendo permitido aos agentes missionários a sua livre circulação e actuação, não era necessária a intervenção do governo imperial em matérias decisórias e constitutivas da missão, não podendo, por exemplo, escolher os seus superiores.26 Esta questão era particularmente sensível porquanto ela esbarrava com o problema do Padroado em África e a sua defesa por parte de Portugal junto da Santa Sé. Desde meados da década de 1860 que se discutia as prerrogativas padroeiras portuguesas na foz do Congo, sendo que os argumentos nacionais assentavam na articulação entre domínio político de uma determinada região e a correspondente soberania religioso-eclesiástica, ou seja, Roma teria de reconhecer e

                                                                                                               

24 No ponto 1.3 «Propaganda e Diplomacia» analisa-se o art. 7.º do Tratado do Zaire de 26 de fevereiro

de 1884 referente à actividade missionária.

25 Discurso de António Enes, DG, n.º 100, 9 de Março de 1885, 2176. Pela Lei de 15 de Maio de 1884,

decidia-se a necessidade de reformar certos artigos da Carta Constitucional. Contudo, e como indica Enes, o executivo de Fontes Pereira de Melo havia-se oposto a que o art. 6.º entrasse na proposta de discussão.

26 Era o caso dos padres da Congregação do Espírito Santo inseridos na contestada Prefeitura

Apostólica do Baixo Congo, dependente da malquerida Propaganda Fide, e incluía o território de Cabinda e as margens da foz do Congo, ou seja, dentro dos limites da Bacia Convencional do Congo. Anos mais tarde, o bispo de Angola e Congo, António Leitão e Castro reclamava que o Acto Geral de Berlim dava ao espiritano Pascal Campana a “a segurança de nem ele poder ser repelido prefeito apostólico, nem embaraçado e proibido o estabelecimento da sua missão em Cabinda” A impossibilidade de expulsar Campana era a prova das dificuldades que os termos do art. 6.º traziam.

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