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PROBLEMATIZAÇÃO E METODOLOGIA

2.3. OPÇÕES METODOLÓGICAS

A multiplicação das verdades concorre para a investigação, crescimento e estabilização das disciplinas, e não para sua diminuição ou destruição.

(Galileu, 1615/1988, p. 41)

2.3.1. Paradigma interpretativo

Em pleno iluminismo, Kant (1783/1988) chama a atenção para os limites da racionalidade humana e, enquanto o século XVIII proclama a crença no poder ilimitado da razão, este filósofo alemão chama a atenção para aquilo que ainda ninguém estava preparado para aceitar: os limites do conhecimento racional. A Crítica da razão pura (1787/1985) fundamenta a impossibilidade de conhecer racionalmente o real, em si mesmo. A realidade em si é incognoscível, na medida em que tudo é captado por um sujeito e pelas estruturas cognitivas do sujeito cognoscente.

Apesar do esforço positivista nos finais do século XIX, com Comte (1863 /1939), a consciência dos limites e da relatividade do conhecimento humano quebram o mito da verdade absoluta e do conhecimento puro e objectivo. A crença na pura objectividade ruía à medida que a epistemologia, a ciência e o conhecimento, no século XX, passam a estar sob o horizonte da construção e da relatividade humana –

construtivismo, a fenomenologia, o interaccionismo simbólico, ou o humanismo radical, são correntes de pensamento exemplificadoras disso.

Com o avançar do século XX, as ciências sociais e humanas assumem, cada vez mais, a realidade humana como algo complexo, multifacetado e ambíguo. A realidade é subjectiva na medida em que é sempre uma construção social de um sujeito que conhece e que se transforma através do próprio conhecimento. (Marková, 2005; Woods, 1999).

O esforço positivista para fundamentar a objectividade do conhecimento, em especial das ciências sociais e humanas, vai-se desmoronado, aos poucos, pela crítica humanista dos opositores. Paradigmas distintos configuram visões diferentes do mundo, da ciência, do conhecimento e da verdade. Após a teoria da relatividade, vários epistemólogos, no século XX (Khun, 2006; Popper, 1989) chamam a atenção para a relatividade do próprio conceito de verdade. A verdade já não é um dado adquirido nem definitivo. Ela será sempre uma aproximação, uma construção permanente, um caminho, um percurso e não um ponto final.

Popper (1989) critica a sacralização da razão e a pretensão de uma verdade absoluta. Ao valorizar o erro coloca o conhecimento como uma aproximação progressiva, em constante mudança e aperfeiçoamento. Já não existem teorias verdadeiras, mas teorias que resistem, por enquanto, à falsificação: “O conhecimento não é a busca da certeza. Errar é humano – todo o conhecimento humano é falível e, consequentemente, incerto” (Popper, 1989, p. 18). Por seu lado, Khun (2006) presta um contributo decisivo para a compreensão da evolução científica e para o modo como ocorrem as mudanças de paradigma. Estas correspondem a mudanças de concepção do mundo e do ser humano. Incomensuráveis, os paradigmas são inconciliáveis e as mudanças de paradigma correspondem a cortes epistemológicos com o paradigma anterior. Nesta medida, a crítica ao positivismo veio salientar a não existência de uma realidade “objectiva”, como realidade autónoma do sujeito, uma vez que o conhecimento é uma construção individual e social, humana, demasiadamente humana, para utilizar a expressão de Nietzsche (1888/1978).

Se isto é válido para o conhecimento em geral, mais ainda o é para as ciências sociais e humanas, para as ciências da educação, e, particularmente, para o tema da violência e/ou indisciplina. O ser humano é configurado por si próprio, bem como pelo contexto e situações que vivência. É nas circunstâncias culturais e históricas que o ser humano constrói um conjunto de referências, significados, valores, crenças, mitos, entre outros aspectos. Isto é válido para o investigado, como para o investigador.

Porque assumimos que os fenómenos têm que ser compreendidos nas coordenadas do espaço e do tempo, ou seja, num contexto particular, bem como inseridos num determinado momento da história da humanidade, situamo-nos, por isso mesmo, numa abordagem interpretativa, em que a interpretação assume um papel primordial na construção do conhecimento.

Segundo Cohen e Manion (1994), na perspectiva interpretativa o investigador procura aceder e compreender as atitudes, as representações e as interacções sociais. Mais do que medir, pretende-se uma compreensão do significado que os participantes dão às acções. Merriam (1988) afirma que esta abordagem é, também, naturalista na medida em que o estudo de determinado fenómeno ocorre em contexto dito natural e em que o investigador respeita a evolução do fenómeno, sem o manipular. É neste sentido que Bogdan e Bilken (1994) afirmam:

Os investigadores qualitativos [que designaríamos por interpretativos] frequentam os locais de estudo porque se preocupam com o contexto. Entendem que as acções podem ser melhor compreendidas quando são observadas no seu ambiente habitual de ocorrência. Os locais têm que ser entendidos no contexto da história das instituições a que pertencem” (p. 48)

Compreender um determinado fenómeno implica interpretar o mundo do outro, das interacções, e aceder às representações sociais. O rigor da investigação deriva, assim, da presença do investigador e da descrição rica e detalhada do fenómeno em estudo, da natureza da interacção que estabelece com os participantes e da interpretação das suas percepções (Merriam, 1988). Daqui resulta que a interacção do investigador com o cenário é importante mas não é completamente previsível e, por isso, o próprio desenho da investigação não pode estar completamente definido a priori. Segundo Stake (1995/2007), irá sofrer ajustamentos de acordo com o próprio desenrolar da investigação.

Convém salientar que, na abordagem interpretativa, não existe uma verdade nem uma realidade exterior, objectiva, à espera de ser descoberta. O que existe é uma complexidade de relações, através das quais o investigador tenta reconstruir a sua interpretação do real, após a escuta de várias vozes e a reconstrução dos diversos sentidos.

Dentro desta abordagem e no âmbito da educação, a investigação científica assume a forma de uma reconstrução. É preciso estar próximo para observar os detalhes, as nuances e subtilezas, para depois nos afastarmos e, então, podermos reinterpretar.

Assim, a teleobjectiva e a grande angular são lentes que o investigador tem que utilizar para melhor captar e focar o fenómeno, abrangendo a complexidade, os movimentos, a variedade e a singularidade.

Pela natureza do tema em questão e pelos pressupostos com que partimos, este trabalho situa-se numa abordagem interpretativa, assumindo que o investigador é alguém que transporta consigo subjectividade, cria uma interpretação e, apesar de todo o esforço de rigor, exactidão e objectividade, será sempre uma pessoa que não poderá, nem deverá, ser anulada ou suprimida das interpretações. Há um sujeito que conhece, que quer conhecer mais e que vai interpretar os dados. Mais do que estruturas cognitivas, há pressupostos. O investigador é alguém que transporta consigo crenças, valores, posturas e uma concepção do mundo, uma concepção do ser humano e das relações sociais (Hamido & César, 2009).

Assumir a presença, enquanto investigador, não significa que vamos manipular nem deturpar, mas que somos participantes e, por isso mesmo, não somos uma identidade neutra, mas um agente à procura de rigor, exactidão e da verdade como uma aproximação, como um desocultar de aspectos velados e nem sempre evidentes ou manifestos. Assim, de acordo com Stake (1995/2007), os investigadores positivistas, privilegiam a explicação, enquanto os investigadores interpretativos privilegiam a compreensão das complexas interacções do fenómeno em estudo. Esta preocupação norteou este trabalho, no sentido de compreender e interpretar a relação entre os elementos internos à organização escolar e os fenómenos de indisciplina e de violência escolares.