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CAPÍTULO III: SOBRE AS OPERAÇÕES DE CONSTRUÇÃO DE

3.2 Operações semânticas de construção de representações discursivas

3.2.4 Operações semânticas – Maria Helena de Moura Neves

A professora e linguista brasileira Maria Helena de Moura de Neves (2006), em seu livro Texto e gramática, apresenta as noções de predicação, referenciação e conexão como operações que possibilitam o estudo “dos processos de constituição dos enunciados” (p. 11). Mesmo que considere estas operações a partir de uma visão funcionalista da linguagem, inspirada, principalmente, nos trabalhos de linguistas como Michael Halliday, Talmy Gívon e Simon Dik, acreditamos ser pertinente considerar suas proposições e definições, tendo em vista o estabelecimento posterior de cada uma dessas operações para fins de nossa pesquisa, uma vez que a própria autora aponta a existência de uma “confluência de atenção entre a gramática funcional e a linguística do texto” (p. 26).

De acordo com Neves (2006), a predicação é um processo básico de constituição do enunciado, o que significa dizer que todo enunciado se constitui a partir do acionamento de um conjunto de estruturas predicativas. As predicações são construídas a partir de predicados. Os predicados devem ser compreendidos como designadores de propriedades ou relações que se aplicam a certo número de termos que se referem a entidades, produzindo predicações que designam estados de coisas. Em outras palavras, “os predicados designam as propriedades ou relações que estão na base das predicações que se formam quando eles se constroem com os seus argumentos e com os demais elementos do enunciado” (NEVES, 2011, p. 25).

Como os verbos, na maioria das vezes, constituem os predicados das orações, Neves (2006) sugere, assim como grande parte dos funcionalistas, que eles sejam compreendidos como elementos centrais da oração. A centralidade do verbo sugere que todos os demais termos (argumentos) que preenchem sua

valência são complementos, cada um deles preenchendo um lugar vazio e diferente exigido pelo próprio verbo, inclusive o próprio sujeito, mesmo que este possua um estatuto diferente dos demais argumentos, uma vez que ele é o escopo da predicação que se opera na oração, ou seja, a predicação se estabelece em referência ao sujeito.

Ora, considerando a centralidade do verbo e o acionamento de uma estrutura argumental na construção dos predicados, “o que acontece com os verbos se relaciona intimamente com a natureza dos predicados” (NEVES, 2006, p. 49). Isto significa dizer que os verbos devem ser classificados conforme a natureza dos papéis semânticos desempenhados pelos argumentos que contraem relação com o predicado e que, na oração, se apresentam como funções do verbo, tal como fez Chafe (1979). De acordo com este autor, segundo esse critério, os verbos podem indicar:

i) ação, se o A¹ (estruturalmente na função de sujeito) for agente; ii) processo, se o A¹ (estruturalmente na função de sujeito) for afetado ou experienciado;

iii) ação-processo, se o A¹ (estruturalmente na função de sujeito) for agente-causativo e houver um A² afetado-efetuado;

iv) estado, se o A¹ (estruturalmente na função de sujeito) não for nem agente nem causativo nem afetado (será „neutro‟ inativo). (NEVES, 2006, p. 49-50).

O valor do verbo, como se pode observar, é determinado pela combinação do argumento que assume função de sujeito com os demais complementos, “já que é a relação do predicado com os argumentos que condiciona o valor significativo dos verbos, valor determinado em cada combinação específica” (NEVES, 2006, p. 50). Portanto, segundo a autora, deve-se levar em conta a identificação dos traços semânticos do nome (que é o núcleo do complemento), os quais são exigidos pela matriz construcional do verbo.

É claro que existem outros verbos, como aponta a própria Neves (2006), que não acionam uma estrutura argumental, no sentido de que não são por si predicados, ou seja, não constituem o núcleo, a matriz, para o reconhecimento da estrutura argumental. É o caso dos verbos de ligação e dos verbos-suporte. Segundo a autora, eles “entram na construção de predicações em condições

particulares, as quais os retiram do estatuto de centro da matriz predicativa” (p. 59). Além desses dois tipos de verbos, ainda é preciso considerar os verbos auxiliares e os modalizadores, que se caracterizam por constituírem operadores sobre outro verbo com o qual se constroem – o verbo principal ou determinador da estrutura argumental.

Em Neves (2006), a referenciação pode ser compreendida a partir de três maneiras: (i) como construção de referentes (ou construtiva, em que “o falante usa um termo para que o ouvinte construa um referente para esse termo e introduza esse referente em seu modelo mental”); (ii) como identificação de referentes (ou identificador, em que “o falante usa um termo para que o ouvinte identifique um referente que já de algum modo esteja disponível, o que ocorre quando há uma fonte disponível para a identificação”); e (iii) como a montagem da própria rede referencial do texto, na medida em que ele se constrói e se processa (NEVES, 2006, p 75-76). Nesta terceira concepção, que a autora atribui ao funcionalismo linguístico, o processo de referenciação “diz respeito à própria constituição do texto como uma rede em que referentes são introduzidos como objetos-de-discurso” (NEVES, 2006, p. 76), isto é, entidades que constituem termos das predicações, oriundas de uma construção mental e não de um mundo real.

Nesta última concepção, o processo de referenciação tem a ver com a progressão ou a manutenção tópica, servindo de base à sustentação da organização informativa e à orientação do fluxo informacional, mantida por diversas estratégias de formulação textual, tais como:

i. Preservação de referentes introduzidos no texto; ii. Introdução de novos referentes;

iii. Retomada e reintrodução de uns e outros; e, iv. Projeções referenciais.

Assim, na perspectiva defendida por Neves (2006), os estados, eventos, indivíduos e situações são referenciados no discurso e, como tais, são construtos do mundo do próprio discurso, independente de sua existência no mundo real. Por isso, a autora afirma que há dois tipos de referenciais básicos: o genérico e o individual. No primeiro caso, entende-se que uma referência implicada por um sintagma nominal pode sempre identificar o referente de forma genérica, compreendendo a

totalidade das entidades pertencentes a um gênero ou classe. Já no segundo caso, a referência permite identificar todos ou apenas alguns indivíduos (existentes ou hipotéticos) incluídos no gênero ou classe.

Finalmente, a autora entende a conexão como uma relação semântica difícil de definir em termos claros, pela qual se explica os nexos existentes entre o que vem antes e o que vem depois em um enunciado. De modo geral, ela afirma tratar- se de um conjunto de relações semânticas entre orações, complexos oracionais, trechos de textos, explicitados não só pelos elementos ditos conjuntivos, as conjunções, mas por um diversificado número de expedientes, dentre os quais podem ser incluídos alguns advérbios – como em: “E os dois meteram-se pelo atalho juncado florando. Pouco depois, deixavam de ouvir os gritos lancinantes de Sinhá Andressa” – e mesmo alguns verbos – como em: “Houve um acordo entre o estado – que dizia que os consumidores foram enganados – e a fábrica de flocos de aveia. Seguiu-se um megaestudo financia pela Quaker, analisando todas as pesquisas pró e contra o uso de aveia17.”.